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Assistência Social - Menina LOAS, Trabalhos de Serviço Social

Conferência Nacional de Assistência Social - Artigo de Aldaíza Sposati

Tipologia: Trabalhos

Antes de 2010
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rosangela-lemos-7
rosangela-lemos-7 🇧🇷

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Baixe Assistência Social - Menina LOAS e outras Trabalhos em PDF para Serviço Social, somente na Docsity! A Menina LOAS1 Aldaíza Sposati2 Brasília, 7 de dezembro de 2003 Hoje é dia de aniversário de uma menina. Faz 10 anos. É uma pré-adolescente brasileira, que, como outras tantas, têm sonhos, quiçá de ser top model, mas vive em uma periferia, relegada pelas irmãs, a saúde e a previdência, que relutam em reconhecer seu vínculo consangüíneo pelo mesmo pai: a seguridade social. A legalidade da relação Estado-Mercado-Sociedade para o alargamento de um pacto social, que poderia gerar o dever público para essa família da seguridade é questionada nos salões de festas de grandes empresários, banqueiros e políticos. Só o povo que – nos forrós nos pagodes, nos grupos de hip hop, nas festas do bairro e do dia de santo – diz que é preciso que a seguridade social seja relação de compromisso e casamento duradouro. A menina LOAS convive com esses dois lados. Creio que podemos discorrer soltos, a falar da menina LOAS: do lugar onde vive; dos seus sonhos; da sua situação financeira; dos seus padrinhos estrangeiros e dos brasileiros, daqueles que querem que ela se porte de um jeito que não é o dela; dos que a rejeitam; dos que a aceitam e acham até, que ela tem um futuro promissor, entre outras várias conversas. É possível que a analogia entre os 10 anos da LOAS e os 10 anos de uma adolescente brasileira: dos seringais da Amazônia, dos morros do Rio, das praças de Salvador, das periferias ou mesmo, do centro de São Paulo, dos pampas ou de Porto Alegre, tenham semelhanças pelas próprias determinações sócios, econômicas, políticas, históricas de nossa sociedade brasileira. Mas o fato é que ambas, hoje, são aniversariantes e merecem todo o respeito em ser ouvidas, entendidas, apoiadas, protegidas, incentivadas em seus projetos pessoais e sociais. Ambas são portadores potenciais de direitos, seres de direitos, que facilmente são negados, direta ou indiretamente, por instituições, por agentes institucionais, por técnicos, por autoridades, pela família, pelos companheiros. Ambas são, portanto, só cidadãs potenciais, já que não possuem garantias plenamente reconhecida. 1 Conferência de abertura da IV Conferência Nacional de Assistência Social. 2 Professora titular da PUC/SP, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Seguridade e Assistência Social da PUC/SP, vereadora pelo Partido dos Trabalhadores na Câmara Municipal de São Paulo licenciada e Secretária Municipal de Assistência Social da Cidade de São Paulo. Ambas estão infelizes com tanta discussão e pouca coerência na ação. A menina LOAS ouve dizer que é tudo complexo, é tudo complicado. Sente que passa o tempo e tudo continua no mesmo. Parece até, que o mundo é um caminho sem rumo. Afinal de contas, que rumo é esse da inclusão e da cidadania se o cotidiano é mais de exclusão e de descidadania. Sem falar da anunciada democracia onde tudo se prepara para acontecer e, na hora H, falha. Afinal o que impede da menina LOAS de ser feliz, poder sorrir ter esperança, não ter medo de ser feliz? Isto é, não ter medo de levar surra? Não sentir traição dos mais velhos quando da realização de seus sonhos e desejos? Não ver negada a comemoração de sua festa de aniversário? O assunto merece atenção de especialistas, analistas, amigos e até dos devotos, entendida como fundamentalistas, cuja religiosidade e fé são considerada vício de origem e formação. Vamos conversar sobre a vida dessa menina LOAS, começando sobre os traços genéticos de sua paternidade. • A paternidade da LOAS A assistência social não nasce como política no mesmo dia do nascimento da LOAS. Ela é bem mais velha. É mais um caso de atraso de registro de nascimento. Ela tem bem mais que 10 anos de vida. Fazer o registro de nascimento em data atrasada pode ser vontade de fazer coincidir com o dia de padroeiro, mas, em geral, é situação de mãe solteira, que fica esperando a coragem do pai, em pôr seu nome no registro da criança já nascida e crescida. É bom lembrar que o pai da LOAS é o Estado brasileiro. A LOAS tem parentes distantes, talvez mais estrangeiros do que brasileiros. Boas partes são de ingleses, outra de franceses, que conseguiram um acordo entre Sociedade-Estado-Mercado, na metade da década de quarenta, do século XX, após a IIº Guerra Mundial, para fazer nascer a proteção social de cidadania para todos, garantida por serviços públicos custeados pelo orçamento estatal, cuja receita decorre do pagamento de impostos e taxas pelo conjunto dos cidadãos. Para isso, os impostos e as taxas têm que ser justos e incidir mais sobre quem tem mais riqueza e propriedade para poder redistribuir bons serviços públicos. A experiência inglesa de bem-estar social e a francesa de solidariedade e proteção social se estenderam por outros países da Europa. No Brasil mesmo, só chegou, e com modificações, em 1988 pela sanção da nova Constituição. Os sociais democratas brasileiros, e parte dos socialistas, entenderam que o Brasil poderia, e deveria produzir serviços sociais públicos de qualidade mesmo, sob a economia quer do anterior Conselho Consultivo, quer do novo CNSS. O Conselho têm então funções próximas às vigentes ao Serviço Social, quando de sua criação em 1936 e se propõe a fazer inquéritos sociais como os de Mary Richmond, mentora do Serviço Social como disciplina profissional. As filiações genéticas estavam postas. Desde então, o CNSS, hoje CNAS, deveria analisar as adequações das entidades sociais e de seus pedidos de subvenções e isenções, além de dizer das demandas dos “mais desfavorecidos”. Maria Luiza Mestriner em seu doutorado nos brindou com a descoberta da primeira Ata de instalação CNSS, que assim começa: “O Sr. Ministro Gustavo Capanema, aos cinco dias do mês de agosto de 1938, às 17 horas, em seu gabinete – no Edifício Rex, 16º andar, perante os muitos e altos funcionários do Ministério que ali se encontravam, representantes da imprensa, etc., empossou solenemente, este grupo de notáveis nas funções para as quais haviam sido distinguidos pelo governo”. A moral republicana liberal – mesclada à ditadura varguista – entende que os notáveis é que dialogariam com entidades sociais sobre os mais pobres. Nem pensar em relações democráticas ou na presença da voz dos usuários para dizer de si. Eles precisavam ser vocalizados por outros. É a grande e persistente desconfiança com o que dizem os usuários da assistência social que precisa ser rompida. É bom dizer inclusive, que a menina LOAS veio para corrigir isto. Ela não pode falar só com alguns técnicos, com notáveis ou com dirigentes de organizações. Ela deve ser pedagógica e democraticamente compelida a dialogar com a população na ação, na decisão e na avaliação. Sua educação democrática não permite conceder que dirigentes falem pelos usuários. A sala das falas da LOAS, mais organizada, é o CNAS, que se reproduz nos Estados e municípios como conselhos estaduais e municipais. Todavia, alguns que se consideram “adultos entendidos” e com mais capacidade para decidir, conversam na alcova e não publicamente nessa sala. É a persistência das formas, pouco educadas, em falar por traz que a menina LOAS pede e exige que acabem. Por tudo isto e mais algumas coisas, o CNAS tem sido fragilizado. Quase nada decide sobre a política pública. Para onde vai o recurso financeiro? Qual é o efetivo pacto sobre a Política Nacional de Assistência Social? Aliás, ela foi ensaiada em vários documentos, mas, até hoje não existe um compromisso para valer sobre os direitos que essa política deve assegurar. Fico pensando se é correto ter FONSEAS, COGEMAS, Comissão Tripartite, Comissão Bipartite, para tomar decisões. Será que este modelo não tem ainda traços das velhas formas de mando? Acho que esta é uma conversa que precisa ser marcada na sala do CNAS e que pode começar a ser agendada nesta IV Conferência. Qual a democracia decisória na assistência social que desejamos para o convívio da menina LOAS? Não deveríamos ter delegações mais abertas pelos municípios e população? Não cabe, no terceiro milênio, a permanência dos comportamentos da ditadura dos anos 30, do século passado, onde as rádios e a imprensa eram vigiadas e nem pensar na voz da população que então era denominada de povo brasileiro, isto é, massa sem identidade ou opinião. O nacionalismo dava homogeneidade a tudo. Só valia verde, amarelo, ordem e progresso. Nem sempre a parentela da LOAS encontrava condições de vida adequadas e justas sob tais cores e palavras da ditadura nacionalista. A menina LOAS tem algumas linhas de parentesco também do lado das mulheres. Uma delas bem forte, vem da família LBA. A relação da assistência social com o sentido patriótico foi exponenciada quando Darcy Vargas, a esposa do presidente, reúne as senhoras da sociedade para acarinhar pracinhas brasileiros da FEB – Força Expedicionária Brasileira – combatentes da II Guerra Mundial, com cigarros e chocolates e instala a Legião Brasileira de Assistência – a LBA. A idéia de legião era a de um corpo de luta em campo, ação. Temos aqui dois fatos a acentuar: os soldados brasileiros foram combater o nazi- fascismo e as mulheres foram chamadas a participar desse esforço de guerra com mensagens de apoio. O considerado sucesso da empreitada legionária redirecionou no pós-guerra esse esforço para, em campo de paz, assistir às crianças e à suas mães necessitadas. Em outubro de 1942, a legião campanhista se torna uma sociedade civil de finalidades não econômicas, voltada para “congregar as organizações de boa vontade”. Aqui a assistência social como ação social é ato de vontade e não direito de cidadania do apóio às famílias dos pracinhas, ela vai estender sua ação às famílias da grande massa não previdenciária. Passa a atender as famílias quando da ocorrência de calamidades, trazendo o vínculo emergencial à assistência social. Agora as secas, as enchentes, entre outras ocorrências que fragilizam grupos e coletivos da população, demarcam a presença do caráter da urgência e do circunstancial no campo genético da menina LOAS. A parentela, do lado de homens e das mulheres, da menina LOAS, como se pode perceber, nem sempre teve afinidade com uma política pública de direitos de cidadania. Modificar isto exigiu optar por uma “cirurgia” que provocasse uma mutação genético-molecular que tornasse a assistência social compatível com os múltiplos movimentos em prol da democracia política e social da sociedade brasileira. • As transformações genéticas As químicas específicas dos núcleos celulares da assistência social começam a ser alteradas e espocam múltiplos agentes de transformação genética. Ao longo dos anos a LBA vai tencionar seu caráter político populista buscando alcançar uma proposta mais próxima ao Serviço Social, caminhou primeiro através da saída pela tecnocracia e não pela democracia. Posteriormente a família Collor detonou a LBA com escândalos. Serão seus trabalhadores reunidos nas ASSELBAS e na ANASSELBA que irão lutar pelo nascimento da LOAS e do Sistema Único de Assistência Social. Esse esforço não foi, porém reconhecido. Em janeiro de 1995, quando a LBA foi extinta, seus trabalhadores foram espalhados para todos os cantos das burocracias federais. O acúmulo de conhecimentos e lutas que dispunham sobre o Brasil foi esquartejado. Salgou-se a terra onde havia produtividade de lavradores e pouparam-se os que com ela tinham enriquecido politicamente e fraudulentamente operados. A dura realidade brasileira da impunidade deixa lágrimas na menina LOAS. É bom ter sempre presente o escândalo Collor. A mãe Leda foi presidente da LBA de Alagoas quando seu filho governava o Estado e a dona Rosane dirigia a Soprobem (de quem?), encarregada de desenvolver a assistência social no Estado. O jornalista Guilherme Evelin informou, no jornal O Estado de S.Paulo, que Rosane Collor deu emprego em Alagoas a 19 sobrenomes idênticos ao dela. Fato que vai se repetir mais tarde em Brasília quando preside a LBA Nacional. A menina LOAS sabe muito bem que uniões consangüíneas têm efeitos os piores possíveis para sua vida. Todavia, as tradições patrimonialistas brasileiras insistem. Ela resiste, mas ainda esposas de prefeitos e de governadores não aprenderam as lições de justiça do direito social. É preciso demandar uma campanha de saúde política que proíba a continuidade de incestos institucionais. Eis outro bom ponto de agenda. Em 1º de maio de 1974 a assistência social federal ganha um novo lugar. A ditadura militar insinuando um processo de abertura cria, sob o General Ernesto Geisel, o Ministério da Previdência e Assistência Social. Antes disso, há só o Ministério do Trabalho e Previdência. Arnaldo da Costa Pietro é designado Ministro. O CBCISS publica, sob a orientação de Lucena Dantas, o documento: “Alternativas da Política de Assistencial Brasileira”. Os assistentes sociais, envolvidos com o processo de Reconceituação do Serviço Social, lembram do conceito de “situação-social-problema” com que Dantas ocupou espaço nos documentos históricos de Araxá e Teresópolis que à época, vão tentar conciliar o Serviço Social com o emergente nacional-desenvolvimentismo. A chamada “via de modernização” profissional vai conflitar com os então emergentes movimentos sociais que tencionavam e vinculavam as democracias sociais e políticas para o retorno ao Estado de Direito no O momento constituinte acelera articulações e, em outubro de 1988, a Assistência Social é reconhecida como direito à seguridade social pelos artigos 203 e 204 da Constituição. Fundado em Barroso Leite, o relator senador Almir Gabriel afirma que “o conceito de seguridade social envolve a idéia de cobertura da população inteira em relação aos direitos sociais, considerados dever do Estado, independentemente da capacidade contributiva do indivíduo”. A apresentação de motivos para a inclusão da assistência social na Constituição repudia o conceito de população beneficiária como marginal ou carente o que seria vitimá-la, pois suas necessidades advêm da estrutura social e não do caráter pessoal. É interessante registrar que em 1988 no Brasil é necessário ainda justificar a responsabilidade social pela destituição. Rountree já fizera esse percurso na Inglaterra em 1903. Aqui a menina LOAS é ainda chamada de menor carente. Direito a ser criança e desejo de ser adolescente, como ser de direito é ainda condição não assumida de vez por todas pela sociedade. Agora, por exemplo, no começo do terceiro milênio volta ser discutida a redução da idade de maioridade penal. Querem penalizá-la mais uma vez. Realmente a trama histórica não lhe é nada fácil. A necessidade da criação de um sistema de assistência social descentralizado, participativo e com garantias de alocação dos recursos financeiros, superação da fragmentação, da descoordenação, da superposição de programas sociais, introdução do controle do setor público sobre os recursos repassados às entidades privadas com mecanismos de avaliação e controle social, são todas as demandas que aparecem na argumentação do Senador e relator da Constituição com todas as letras e fontes de consulta. Por incrível que possa parecer são temas que permanecem sem solução após 15 anos. A justificativa da lei é clara, caracteriza segmentos em risco e vulnerabilidades: famílias com renda per capita de até meio salário mínimo; crianças, mulheres e idosos sem condições de autonomia e o “povo da rua”. O parecer do relator, se de fato estivesse aplicado, não teríamos presente até hoje, vários impasses na gestão da assistência social como política de direitos. Talvez um químico genético dissesse que, todos estes movimentos nos núcleos celulares da menina LOAS ao invés de serem moléculas ácidas foram somente proteínas que sustentaram sua mesma gênese e poucos foram capazes de instalar mudanças genéticas, já que as acidulações pretendidas não ocorreram. A velha regra conservadora brasileira persiste. Tudo é bem posto no papel, mas as forças sociais conservadoras permanecem analfabetas para tais idéias e compromissos. • A gestação da LOAS Esta viagem ao passado genético da menina LOAS é precursora de seu nascimento. É bom que se diga indesejado por alguns. A pós-Constituição antes de tudo vai ser marcada pela luta das eleições diretas para presidente da República. A última em 1961, fazia de grande parte da população, seres desejastes do exercício democrático em votar pela primeira vez no presidente da República. Eram 28 anos sem escolha democrática. A imediata repercussão da Constituição com o retorno ao Estado de Direito ainda era hipótese democrática. Só ao final de 1989 é que ocorrem as eleições para presidente da República e o país vai ser catalizado entre as candidaturas de Lula e Collor. É só, em 1990, que reiniciam as contrações pré-parto para consolidar a democracia social com novo Congresso eleito que vai aprovar várias leis regulamentadoras: • 1989 – Lei 7.853, da Pessoa Portadora de Deficiência; • 1990 – Lei 8.069, Estatuto da Criança e do Adolescente; – Lei 8.080, Lei Orgânica da Saúde; – Lei 8.142, Sistema Único de Saúde. A ansiedade pelo nascimento da menina LOAS gera novas forças na sociedade brasileira. Seus interlocutores já possuíam vida enquanto ela aguardava. Os movimentos pró-assistência social passam a ser articulados com a presença de órgãos da categoria dos assistentes sociais que, através do então CNAS e CEFAS – hoje CRESS e CFESS – vão se movimentar com a ANASSELBA, Frente Nacional de Gestores Municipais e Estaduais, Movimentos pelos Direitos das Pessoas com Deficiência, dos Idosos, das Crianças e Adolescentes, pesquisadores de várias universidades pleiteando a regulamentação da assistência social. O IPEA, através de comissão própria, inicia o trabalho de construção do projeto de lei orgânica da assistência social. Aqui uma das parteiras da LOAS, Potyara Pereira, analista de políticas sociais, elabora os princípios e diretrizes da assistência social até hoje vigentes em texto legal. O primeiro projeto aprovado pelo Legislativo em 1990 foi vetado por Fernando Collor e já continha esse conjunto de idéias. A primeira gestação da menina LOAS teve aborto provocado. Mas, o processo social era extremamente fecundante e se fortaleceu na luta. Em seu veto Collor afirma que a proposição não estava vinculada a uma assistência social responsável. É realmente paradoxal. Novo momento sacode a sociedade em 91 e 92. Os escândalos da Era Collor que provocaram o desmonte da esperança e adota a opção neoliberal quando o país esperava pela democracia social e política. Sua visão despótica de mundo, ou como ele confessa hoje, a idéia de que era um Superman, pleno de poderes e vontades, príncipe da monarquia, traz indignação aos brasileiros. As lutas sociais entre democracia e direitos sociais novamente se mesclam. A democracia política ainda não é fato. Os jovens, aqueles mais próximos ao nascimento da menina LOAS, pintam o rosto e vão às ruas. A nova gestação é adiada, pois outras questões mais fortes se alevantam: o impeachment de Collor. Itamar Franco assume a presidência e o Ministro Juthay Magalhães o Ministério de Bem- Estar Social. Na Câmara Federal emergem projetos de lei pró-regulamentação da LOAS. As forças sociais se coalizam desde 1993, em torno do projeto de lei nº. 3.154/92, de Eduardo Jorge e José Dirceu que resulta dos momentos fecundantes. Em julho de 1993 o novo ministro envia um projeto de regulamentação da assistência social ao Presidente da República. O executivo entendeu que não poderia aprovar um projeto de iniciativa do legislativo, já que o primeiro fora vetado, e assim, elaborou novo projeto. A pressão instalada e apoiada pelo Conselho Nacional de Seguridade Social encaminha pela formação de uma Comissão Especial no Ministério já instalada, para equacionar o estudo das atribuições da assistência social. O chefe de gabinete Japy Magalhães e o assessor Antônio Massarioli André vão coordenar o processo pelo executivo. Em 25 de agosto de 1993 o Presidente Itamar Franco envia, em regime de urgência, projeto de lei para a Câmara Federal onde recebe o N.º.100/93. O CFESS, o ABEPESS, com a presença dos CRESS – à época CFAS e CRAS – organizaram forças e constituíram uma comissão interlocutora composta por com Laura Lemos Duarte, Carmelita Yazbeck, Potyara Pereira, Aldaíza Sposati, Rosângela Batista; Ana Lígia Gomes. As negociações, os debates sobre emendas ao texto constitucional geram um momento ímpar, que se torna conhecido como a Conferência Zero da Assistência Social. No auditório da Câmara Federal é debatido artigo por artigo do projeto de lei entre representantes dos vários estados e dos movimentos pró LOAS, com a presença de parlamentares, líderes do governo, emissários do ministro, e a deputada Fátima Pellaes, relatora do projeto de lei. Ali é fechado o texto básico. Foi uma luta onde alguns significativos anéis se foram, e que precisam ser retomados: Um deles foi a redução de alcance do BPC. O vínculo à renda familiar de 1/2 salário mínimo per capita pretendido foi vetado pelo então Ministro da Fazenda FHC. Hoje a retomada da aplicação do A crise na gestão da assistência social vai sendo acentuada. Uma das mais graves foi a do impedimento da realização da III Conferência Nacional em 1999, no primeiro ano da reeleição do presidente FHC. Foi derrubada sua realização por ordem presidencial e reprogramada para dezembro de 2001. Rompeu-se o disposto em lei onde as Conferências Nacionais deveriam se realizar de dois em dois anos, só agora este dispositivo é retomado nesta IV Conferência. Aqui o agradecimento a todos que levaram essa proposta avante neste novo governo nacional. Os Anais da IIIº Conferência não registram o ocorrido. A opção, nada democrática, foi a de divulgar a palavra do governo e em nada a da sociedade. A política nacional é apresentada em propósitos que não são vinculados a metas ou estratégias concretas. Do mesmo modo, a noção de sistema descentralizado e participativo expõe conceitos e competências sem estabelecer a dinâmica real, que é entendida tão só como fluxos onde só estão claras as sanções aos municípios em sua habilitação. Não há propósitos e compromissos com as alterações da realidade pela política social emergente e capacitada. Poderia aqui detalhar as idas e vindas desse período, seus méritos e deméritos, este caminho não seria, porém o mais importante neste momento, até porque nos 8 anos, em quase nada, a menina LOAS foi estimulada e capacitada a ter vida pública e política sob direitos sociais. O atropelo da 1ª infância trouxe uma nova situação no governo de Luiz Inácio Lula da Silva que se inicia em 2003 com a Ministra Benedita da Silva. A menina LOAS recebe casa própria: o Ministério da Assistência Social. Seguramente o mais importante avanço desde seu nascimento. Mas, é preciso que essa casa diferente daquela da canção de Vinicius era uma casa muito engraçada não tinha... Tenha robustez para garantirem direitos e caminhar na trilha da inclusão. Para isso são necessárias algumas recomendações. 1ª recomendação Erguer os pilares sustentadores da política pública de assistência social, é preciso processar a substituição dos materiais frágeis que ainda compõem a casa do Ministério da Assistência Social por pilares de sustentação com argamassa unificadora para todo o território nacional. A nova casa da menina LOAS precisa de pilares de sustentação. • O primeiro pilar é formado pelo paradigma da relação de parceria, não podem existir tijolos separados ONG a ONG, entidade a entidade. Sem argamassa e concreto unificador, não haverá política social e direito do cidadão. É preciso instaurar a relação de rede/sistema onde a completude não é individual, mas resultada da relação de intercâmbio e divisão conjunta de trabalho, resultados e direitos dos usuários. • O segundo pilar é o sistema único de cobertura, descentralizado, territorializado, com porta de entrada única para todos os parceiros, e não para cada entidade. É preciso definir quem entra e quem sai e como sai, isto é, com quais aquisições e direitos garantidos. • O terceiro pilar é o de serviços permanentes e continuados, acabando com nomes fantasias. É preciso nomenclatura padrão que atravesse governos, é preciso hierarquia de serviços entre proteção social básica e especial que garanta seguranças de cobertura. • O quarto pilar é o do pacto federativo da assistência social que opere por um fluxo ascendente onde a gestão nacional opere sob o caráter democrático e reconheça as forças locais que possui. Estes pilares ao serem fincados devem romper com núcleos institucionais históricos das relações elitista, das primeiras damas, do nepotismo. É preciso entender que esta ruptura é parte do novo alicerce democrático e não da pintura da casa da menina LOAS. As janelas dessa casa devem exercer a vigilância dos riscos e vulnerabilidades sociais, produzirem novos conhecimentos metodológicos, estabelecer padrões de qualidade, indicadores de avaliação e a efetiva implantação do Sistema Único Descentralizado e Participativo da Assistência Social. 2ª recomendação Dar caráter substantivo a assistência social, pois é preciso tornar patente em palavras, decisões e conseqüências que a assistência social não é gênero que se subdivide em espécie, ela não é um adjetivo. A Assistência Social é espécie do gênero Seguridade Social e tem área de ação definida na constituição federal. É preciso parar de transgredir a constituição e leva-la a sério. Ela não é elixir de pobre. Ela é proteção social básica e especial; ela tem especificidade que a distingue, o que não a aparta das necessárias relações com as demais políticas sociais e econômicas. Assistência social é ato de direito e não ato de vontade ou liberdade. Como direito, tem responsabilidade pelos resultados do que faz e não só vontade de inaugurar coisas novas ou novos nomes. Como direito, a assistência social é obrigação para com a coletividade e ao indivíduo. 3ª recomendação Estabelecer para o usuário o poder de ter direito: Construir paredes e teto nessa casa, definir seu espaço próprio, exige materializar que direitos são esses da assistência social. Afinal é direito a quê? Quando ocorre? A quem se dirige? Considero que podemos caracterizar dois grupos de direitos sob a assistência social: a) o direito à subsistência: que supõe satisfazer necessidades básicas, que na sociedade brasileira, tem sido pensado e operado fora da assistência social, a não ser para os idosos, doentes crônicos e pessoas com deficiência que pelo BPC estão na Assistência Social; Está em curso no país um movimento para reconhecer o direito à subsistência da família e não do indivíduo criança, jovem, adulta mulher, adulto homem etc. Há também em curso a dúvida sobre o lócus desse direito, isto é, através de qual burocracia estatal ele deve ser assegurado. Unificaram-se os programas sociais do antigo governo, o que é extremamente positivo. Isto permitirá maior clareza para definição do direito à subsistência. A unificação não pode, porém ser tão só de banco de dados. É preciso, como na Previdência Social que tem o Dataprev, ter o DataSAS da Assistência Social. É preciso que ambas tenham a relação viva com a população. Assim como o INSS é o “balcão” de relações da Previdência é preciso ter o “balcão” municipal de Assistência Social, tornando a relação viva com a comunidade, organizações e cidadãos. A tarefa ainda está inconclusa. É preciso fazer transitar o caráter dessa unificação da condição de programa social, parte de uma política de governo, para o campo do direito à subsistência, enquanto política de Estado. Enfim, é preciso conferir poder às famílias e comunidades para fazer uso dessa atenção, para que se rompa com a tradicional noção de tutela e de favor. Se alguém tem direito a determinada prestação obviamente corresponde a outrem a obrigação de prestá-la. Neste campo o BPC tem o acúmulo de sete anos de aplicação, o que merece dedicação em sua análise pelos técnicos da assistência social, para se saber o que vale e o que não vale como recomendação para o processo de garantia do direito à subsistência no Brasil. b) o direito à proteção social básica e especial para prover apoios para a autonomia em situações de risco, vulnerabilidades, vitimizações como aquisições específicas da gestão da assistência social como política de direitos. É fundamental entender que a assistência social, como os direitos sociais e humanos, opera por direitos coletivos e não só pelo alcance de individualidades. O sistema de direitos à assistência social precisa ser consolidado. Está disperso em segmentos e têm interfaces com a justiça, principalmente na proteção a vítimas e violações. É o direito à prevenção e à proteção às situações que fragilizam ou agridem os direitos humanos e sociais que inspira o corpo de direitos na assistência social. 4ª recomendação romper o caráter inconcluso da aplicação da Constituição brasileira quanto aos direitos sociais.
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