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Guias e Dicas
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Toxicologia Básica, Notas de estudo de Toxicologia

estudo sobre Toxicologia geral

Tipologia: Notas de estudo

2010
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Compartilhado em 08/07/2010

liana-nunes-3
liana-nunes-3 🇧🇷

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Baixe Toxicologia Básica e outras Notas de estudo em PDF para Toxicologia, somente na Docsity! TOXICOLOGIA A Toxicologia é a ciência que tem como objeto de estudo o efeito nocivo decorrente da interação entre um agente tóxico e um sistema biológico, com a finalidade principal de prevenir o aparecimento desse efeito, ou seja, estabelecer condições seguras de exposição a essas substâncias e assim, permitir que o homem se beneficie das conquistas tecnológicas da era atual. A toxicologia apóia-se, então, em três elementos básicos: 1. a existência de uma substância (agente tóxico) capaz de interagir com um sistema biológico e produzir uma resposta; 2. o sistema biológico com o qual o agente tóxico interage para produzir o efeito; 3. a resposta (efeito) que deverá ser considerada nociva ao sistema biológico com o qual interage. Áreas da Toxicologia A toxicologia é uma ciência multidisciplinar que compreende um vasto campo de conhecimentos básicos e aplicados, relacionando-se estritamente com diversas outras ciências. É desenvolvida por especialistas com diferentes formações profissionais que oferecem contribuições específicas em uma ou mais áreas de atividade permitindo assim, o aperfeiçoamento dos conhecimentos e o desenvolvimento de cinco áreas de atuação, de acordo com a natureza do agente tóxico ou a maneira pela qual este alcança o sistema biológico. Toxicologia de Alimentos: área relacionada ao estudo da toxicidade das substâncias veiculadas pelos alimentos, ou seja, é a área da toxicologia que estabelece índices de segurança para que os alimentos, de origem natural ou industrial, possam ser ingeridos sem causar danos à saúde, tanto no que se refere à sua obtenção quanto ao seu armazenamento. Toxicologia Ambiental e Ecotoxicologia: essa área do conhecimento toxicológico preocupa-se com o estudo das ações e dos efeitos nocivos de substâncias químicas, quase sempre de origem antropogênica, sobre os organismos vivos. Em geral, empregam-se os termos Toxicologia Ambiental para os estudos dos efeitos diretos causados pela interação desses agentes contaminantes do ambiente (ar, água, solo) com o organismo humano e, Ecotoxicologia, para os estudos dos efeitos tóxicos desses compostos sobre os ecossistemas e seus componentes não humanos. Como o homem se encontra no topo de muitas cadeias alimentares e existem poucos ecossistemas nos quais os seres humanos não participam, essa distinção é, portanto, bastante frágil. Toxicologia de Medicamentos e Cosméticos: nessa área estudam-se os efeitos nocivos produzidos pela interação dos medicamentos e cosméticos com o organismo, decorrentes do uso inadequado ou da suscetibilidade individual. Toxicologia Ocupacional: é a área que se ocupa do estudo das ações e efeitos nocivos de substâncias usadas no ambiente de trabalho sobre o organismo do indivíduo exposto. Nessa área, busca-se, principalmente, a obtenção de conhecimentos que permitam estabelecer critérios seguros de exposição ocupacional. Toxicologia Social: embora no mundo contemporâneo a Toxicologia seja uma ciência de caráter social em sua natureza, o termo Toxicologia Social é designado para a área que estuda os efeitos nocivos decorrentes do uso não médico de drogas ou fármacos, com prejuízos ao próprio usuário e à sociedade. Trata do estudo das chamadas “drogas de abuso”, lícitas ou não, cujo uso, sempre voluntário, visa modificar o estado de consciência ou evitar o desconforto ocasionado pela interrupção do uso da substância, mesmo que por um curto período de tempo. No âmbito de cada uma dessas áreas, podem ser abordadas questões relacionadas a aspectos analíticos, clínicos, médico-legais, regulatórios, entre outros. Como conseqüência da ampliação das áreas de aplicação da Toxicologia, imposta pela sua abrangência multidisciplinar e multiprofissional, essa ciência pode ser dividida, de acordo com os diferentes campos de trabalho, em três áreas ou ramos fundamentais. A Toxicologia Clínica ou Médica trata do atendimento do paciente exposto ao agente tóxico ou intoxicado, com a finalidade de prevenir, diagnosticar a intoxicação ou aplicar, se necessário, uma medida terapêutica específica. A Toxicologia Analítica ocupa-se da detecção do agente tóxico ou de algum parâmetro bioquímico relacionado com a exposição a ele em fluidos biológicos, alimentos, ar, água e solo, com o propósito de diagnosticar ou prevenir as intoxicações. No exercício dessa modalidade, é de fundamental importância o domínio de química analítica e de instrumentação, pois ela busca métodos com precisão, exatidão e sensibilidade adequadas para a identificação e/ou quantificação inequívocas do toxicante ou para a avaliação de alterações bioquímicas funcionais do organismo. As análises toxicológicas são empregadas com as mais variadas finalidades: no aspecto forense ou médico-legal, na monitorização terapêutica ou acompanhamento do paciente submetido a tratamento prolongado com medicamentos, na monitorização biológica da exposição ocupacional às substâncias químicas, no controle antidopagem em competições esportivas, no diagnóstico da intoxicação aguda ou crônica em emergências médicas, entre outras. E, por fim, a Toxicologia Experimental, que desenvolve estudos para elucidar os mecanismos de ação dos toxicantes sobre os sistemas biológicos e avaliar os efeitos decorrentes dessa ação. A avaliação de toxicidade das substâncias é feita através de estudos conduzidos em diferentes espécies animais, seguindo rigorosas normas preconizadas pelos órgãos reguladores nacionais e internacionais. Conceitos Básicos Considerando-se o caráter multidisciplinar e o fato de que muitas pessoas com diferentes formações acadêmicas se interessam em estudar e trabalhar com Toxicologia, torna-se necessária a observação do uso apropriado de termos empregados em toxicologia e apresentados a seguir. Agente tóxico, toxicante ou xenobiótico É uma substância química ou agente físico capaz de causar dano a um sistema biológico, alterando seriamente uma função ou levando-o à morte, sob certas condições de exposição. A maioria das substâncias consideradas como agente tóxico são exógenas, sem papel fisiológico conhecido e denominadas xenobióticos. Outros termos que merecem ser mencionados são apresentados abaixo. Toxina: refere–se à substância tóxica produzida por um organismo vivo (microrganismo, animal ou planta). Existe um campo de estudo específico, denominado Toxinologia, que estuda os efeitos nocivos dessas substâncias. Veneno: termo de uso popular que, embora em princípio, possa ser utilizado como sinônimo de agente tóxico, é reservado especificamente para designar substâncias de origem animal ou vegetal, utilizadas para autodefesa ou predação, como o caso dos venenos ofídicos, de abelhas, entre outros. Fármaco: toda substância de estrutura química definida, capaz de modificar ou Antídoto e antagonista São substâncias capazes de neutralizar ou reduzir os efeitos de uma substância potencialmente tóxica. O antídoto é a substância que se opõe ao efeito tóxico atuando sobre o toxicante, enquanto o antagonista impede o toxicante de se ligar a seu alvo ou exerce ação oposta à do agente tóxico (agonista). Intoxicação É o conjunto de efeitos nocivos representados por manifestações clínicas (sinais e sintomas) ou laboratoriais que revelam o desequilíbrio orgânico produzido pela interação entre o agente tóxico com o sistema biológico. Por envenenamento, entende-se o transtorno produzido por toxinas. Exposição Esta fase é representada pelo período em que o ser humano fica exposto à substância tóxica. É o contato do toxicante com as superfícies externas ou internas do organismo. Nessa etapa, é de suma importância a disponibilidade química do agente tóxico, ou seja, a concentração da substância em condições de ser introduzida no organismo. Além da magnitude, deve-se considerar também, a duração e a freqüência da exposição, as vias de introdução e a suscetibilidade individual. Dose ou concentração A dose ou concentração determina o tipo e a magnitude da resposta biológica. Por definição, dose é a quantidade de um agente administrado para um indivíduo e, geralmente, é expressa usando-se unidades de massa por massa (ex, mg de agente tóxico / kg de peso corpóreo). O termo concentração aplica-se à exposição do indivíduo a uma determinada concentração de um agente presente em um compartimento (ex, solo, água, ar). Neste caso, não se sabe exatamente quanto do agente efetivamente penetrou no organismo. A concentração é expressa em unidades de massa por volume do meio (ex, mg de agente tóxico / m3 de ar; mg de agente tóxico / litro de água, mg de agente tóxico / m3 de solo), mas, também pode ser por massa do meio (ex, mg de agente tóxico / g de solo). A concentração também é comumente expressa através das unidades ppm (partes por milhão) ou ppb (partes por bilhão). Para facilitar, será usado somente o termo dose no resto desse módulo, mas, não se esqueçam de que, se a exposição for ambiental, o termo correto é concentração. Com relação à dose deve-se distinguir: Dose efetiva 50 (DE50) Trata-se da quantidade de substância (em mg, g ou mL por Kg de peso corporal) que, em condições bem determinadas, produz um determinado efeito na metade de um grupo de animais de certa espécie. Dose letal média (DL50) É a dose calculada estatisticamente, em mg/Kg, de um determinado agente químico ou físico, necessária para matar 50% dos organismos vivos de uma população de animais, sob um conjunto de condições definidas. Os agentes químicos podem ser classificados, segundo cinco classes de toxicidade, de acordo com os valores de DL50. Tabela 1 - Classificação quanto ao grau de toxicidade Categoria de toxidade aguda DL50 oral para ratos Extremamente tóxica Altamente tóxica Moderadamente tóxica Levemente tóxica Praticamente não tóxica < ou = 1mg/kg > 1 a 50 mg/kg > 50 a 500 mg/kg > 0,5 a 5 g/kg > 5 g/kg Esta classificação é utilizada para consultas rápidas, qualitativas, com finalidade de obter informações relativas à toxicidade intrínseca das substâncias. A falha desta classificação está no fato dela se basear apenas na toxicidade intrínseca da substância que é um parâmetro extremamente variável, sendo influenciado por uma série de fatores, relacionados principalmente ao agente químico, ao organismo e à exposição. Em situações práticas não se deve conhecer somente a toxicidade das substâncias, representadas geralmente pela DL50, pois tão importante como conhecer a toxicidade dos agentes químicos, é conhecer e saber avaliar o risco tóxico de uma substância química. Concentração efetiva 50 (CE50) e concentração letal 50 (CL50) Quando se estuda a toxicidade de uma substância introduzida no organismo por inalação, considera-se sua concentração no ar e, portanto, fala-se em CE50 e CL50, devendo ser mencionada a duração da exposição do animal ao agente tóxico. Vias ou locais de exposição As principais vias de introdução dos toxicantes no organismo humano compreendem o trato gastrintestinal (ingestão), os pulmões (inalação) e a pele (cutânea). As vias parenterais (intramuscular e intravenosa) constituem meios normais de introdução de medicamentos que, dependendo da dose e das condições fisiológicas ou patológicas do indivíduo, podem produzir efeitos adversos acentuados, com lesões graves em diversos órgãos. A via de introdução pode influenciar na toxicidade da substância química. Por exemplo, espera-se que um agente que é destoxificado pelo fígado seja menos tóxico quando introduzido no organismo por via oral (passagem pela circulação porta) do que por inalação (circulação sistêmica). A comparação da dose letal de um toxicante por diferentes vias de exposição também fornece informações úteis relacionadas à sua absorção. Nos casos em que as doses letais por via oral e dérmica são similares àquela administrada por via intravenosa, pressupõe-se que o agente é pronta e rapidamente absorvido por essas vias. Por outro lado, quando a dose letal dérmica é muito maior que a dose letal oral, significa que a pele constitui uma barreira efetiva à absorção do agente tóxico. As substâncias químicas penetram no organismo humano, a partir das vias de exposição, em velocidades diferentes dependendo de suas propriedades físico- químicas e das condições existentes na superfície de contato como, por exemplo, a área e permeabilidade da membrana e o fluxo sangüíneo no local de contato. Assim, a intensidade do efeito tóxico e a rapidez da resposta em função da via de exposição apresentam-se na seguinte ordem decrescente de eficiência: endovenosa, respiratória, intraperitoneal, subcutânea, intramuscular, intradérmica, oral e cutânea. Essas vias possuem maior ou menor destaque, de acordo com a área da Toxicologia em estudo. Assim, as vias pulmonar e cutânea são as mais importantes na Toxicologia Ocupacional e Ambiental e a via gastrintestinal em Toxicologia de Alimentos e de Medicamentos e, também, nas intoxicações intencionais (suicídios e homicídios). As vias parenterais têm importância na Toxicologia Social e de Medicamentos. Duração e freqüência da exposição O tempo e a freqüência com que o organismo permanece em contato com o toxicante são importantes na determinação e intensidade do efeito tóxico. Entretanto, em seres humanos, essas condições de exposição não são claramente definidas como nos estudos conduzidos em animais. Porém, os mesmos termos são usados para descrevê-las: • exposição a curto prazo (aguda) – quando o contato é de curta duração e a absorção do toxicante é rápida. A dose administrada pode ser única ou múltipla num período de tempo não superior a 24 horas; • exposição a médio prazo – quando as exposições são freqüentes ou repetidas num período de um mês ou menos (sobreaguda) ou no período de um a três meses (subcrônica); • exposição a longo prazo (crônica) – quando as exposições se repetem durante um longo período de tempo (meses, anos ou toda a vida). Com relação à freqüência, observa-se que, uma simples exposição a um agente tóxico que produz um efeito drástico, pode determinar manifestações de menor intensidade ou não produzir efeitos se a mesma dose ou concentração total for • Excreção A movimentação do agente tóxico no organismo, desde a sua entrada até a sua eliminação, envolve a transposição de membranas celulares. Assim, é de suma importância o conhecimento dos fatores que influenciam no transporte das substâncias químicas pelas membranas, os quais podem ser agrupados em duas classes distintas. Fatores relacionados com a membrana As membranas celulares têm espessura de 7 a 9 nm, em média e são constituídas por uma camada lipídica bimolecular, contendo em ambos os lados, moléculas de proteínas que penetram e às vezes transpõem esta camada. Os ácidos graxos presentes na camada lipídica não possuem uma estrutura cristalina rígida, ao contrário, em temperatura fisiológica eles têm características quase fluidas. Assim, o caráter fluido das membranas e, portanto, sua permeabilidade, é determinado, principalmente, pela estrutura e proporção relativa de ácidos graxos insaturados presentes na região. Este modelo denominado de “mosaico fluido”, foi proposto por Singer e Nicolson, em 1972, e continua sendo o mais aceito até hoje. Considerando-se as características das membranas celulares, as substâncias podem atravessá-las por diferentes mecanismos, apresentados a seguir. Transporte passivo Esse mecanismo é dividido em dois subtipos: - Difusão simples - a maioria dos agentes tóxicos atravessa as membranas do organismo por difusão simples e o grau de penetração é determinado pelo coeficiente de partição lipídio/água, pelo gradiente de concentração na membrana e pelo pKa. A proporção de um composto atravessar a membrana por difusão simples pode ser determinada pela lei de Fick, expressa pela seguinte equação: p = proporção do composto capaz de atravessar a membrana k = constante de difusão A = área disponível para a difusão d = espessura da membrana C1 = concentração do composto no compartimento extracelular do sistema C2 = concentração do composto no compartimento intracelular do sistema Desse modo, se os valores de A e d forem constantes, a capacidade de difusão da substância pode ser determinada pela expressão k (C1 – C2). No início, o processo de difusão é bastante rápido porque a diferença entre C1– C2é significativamente alta. Entretanto, com a efetivação do processo, há uma diminuição dos valores de C1 e aumento conseqüente de C2, com uma tendência de equilíbrio das concentrações nos dois compartimentos do sistema. O movimento unidirecional do composto através da membrana ocorre porque o valor de C2 tende sempre a diminuir em função da sua distribuição, biotansformação e excreção, de tal forma que C1 será sempre maior que C2, até que o processo de difusão se complete. - Filtração - considerando-se o fluxo de água através dos poros da membrana, as substâncias polares de baixo peso molecular (até 600 daltons) passarão através dos poros aquosos. O processo de filtração é dependente, portanto, além da hidrossolubilidade da substância, do tamanho dos poros da membrana que são relativamente grandes nos glomérulos renais (cerca de 40 Å) e pequenos na maioria das células (8 Å). Transportes especializados Existem inúmeros compostos, cujo movimento através das membranas, não pode ser explicado por difusão simples nem por filtração. Alguns são muito grandes para passar através dos poros ou muito insolúveis em lipídios para se difundirem na membrana lipídica. Entretanto, essas substâncias são rapidamente transportadas através das membranas, mesmo contra gradientes de concentração. Para explicar esse fenômeno, foram propostos mecanismos de transportes especializados. Esses sistemas são responsáveis pelo transporte de muitos nutrientes como açúcares, aminoácidos e ácidos nucléicos e também de xenobióticos. São eles: • transporte ativo - esse processo caracteriza-se pelo consumo de energia, movimento da substância contra gradiente de concentração e a existência de proteínas carregadoras de moléculas, as quais apresentam seletividade pelas substâncias e se saturam em altas concentrações. • difusão facilitada - nesse processo, a substância também é transportada por um carregador, sem contudo, haver consumo de energia. Outra diferença com o processo de transporte ativo é que na difusão facilitada a passagem acontece a favor de um gradiente de concentração. • endocitose - é um mecanismo especial no qual a membrana celular, sofre um processo de invaginação, devido a variações na tensão superficial pela presença de macromoléculas no fluido extracelular, e engloba partículas líquidas (pinocitose) ou sólidas (fagocitose). Esse tipo de transferência tem se mostrado útil na remoção de material particulado dos alvéolos pelos fagócitos e do sangue pelo reticulo endoplasmático do fígado e rim. Fatores relacionados com a substância química A passagem dos toxicantes através das membranas celulares, de natureza lipoprotéica, será grandemente determinada por suas propriedades físico-químicas. Entre elas destacam-se: Solubilidade Devido à constituição lipoprotéica das membranas biológicas, as substâncias químicas lipossolúveis, ou seja, apolares, terão capacidade de transpô-las facilmente, pelo processo de difusão passiva. Já as substâncias hidrossolúveis não atravessam essas membranas, a não ser que tenham pequeno tamanho molecular e possam ser filtradas, através dos poros aquosos. A hidrossolubilidade é conferida à molécula por grupamentos que permitem a formação de pontes de hidrogênio com as moléculas de água em solução como, por exemplo, os grupos hidroxila (- OH), carboxila (-COOH), amino (-NH2); sulfidrila (-SH) e carbonila (-C=O). A lipossolubilidade é dada à molécula pela presença de grupos alquílicos, fenílicos, naftílicos, etc. Coeficiente de partição óleo/água É o parâmetro que permite avaliar o grau de lipossolubilidade das substâncias químicas, ou seja, é dado pela relação lipossolubilidade/hidrossolubilidade. Este coeficiente é obtido ao se agitar um agente químico em uma mistura de solvente orgânico e água (em condições de pH e temperatura controladas). As substâncias polares, hidrossolúveis, concentram-se na fase aquosa e as apolares, lipossolúveis, na fase orgânica. Quanto maior for a concentração da substância na fase orgânica, maior será a sua lipossolubilidade. Ex.: coeficiente de partição n-octanol/água a 37o C e pH 7,4 de algumas substâncias: • clorpromazina = 79,7 • ácido acetil salicílico = 11,7 • paracetamol = 1,79 Grau de ionização ou de dissociação A maioria dos agentes tóxicos comportam-se como ácidos ou bases fracas que possuem um ou mais grupos funcionais capazes de se ionizarem. A extensão desta ionização dependerá do pH do meio no qual a substância se encontra e do seu próprio pKa (logaritimo negativo da constante de dissociação da substância). É importante relembrar que a forma ionizada é polar, hidrossolúvel e com pouca ou nenhuma capacidade de transpor membranas por difusão passiva pela fase lipídica. O grau de ionização das substâncias, em diferentes pH, poderá ser obtido através da aplicação da equação de Henderson-Hasselbach, para ácidos fracos e bases fracas. Para ácidos fracos: [NI] = forma não ionizada [I] = forma ionizada Para bases fracas: Tomando-se como exemplo o ácido acetilsalicílico (um ácido fraco com pKa=3,4), qual será o seu comportamento no estômago e no plasma? No suco gástrico, com um valor de pH=1,4 tem-se: 3,4 - 1,4 = log NI/I 2 = log NI/I NI/I = 102, ou seja, uma relação de 100 moléculas não ionizadas para cada uma que se dissocia. Portanto prevalece a forma molecular, lipossolúvel e capaz de vencer a membrana celular. No plasma, onde o valor pH é de 7,4 tem-se: 3,4 - 7,4 = log NI/I -4 = log NI/I NI/I = 10-4 nesse caso, a relação é de uma molécula não ionizada para cada 10 mil que se dissocia. Portanto, prevalece a forma não ionizada, não lipossolúvel e incapaz de transpor a fase lipídica da membrana. Esses dados permitem evidenciar que a difusão no sentido sangue ? estômago praticamente não ocorre, o que resulta na absorção do ácido acetilsalicílico no estômago e conseqüente distribuição. O contrário acontecerá com uma base fraca. Portanto, as substâncias ácidas passam as membranas muito mais facilmente em pH ácido, enquanto as de natureza alcalina encontrão melhores chances em pH alcalino. epidérmicas existente, embora não seja uma penetração muito fácil para os toxicantes. Absorção transfolicular A absorção nessa região é menos significativa do que a transepidérmica. Algumas substâncias químicas podem penetrar pelos folículos pilosos, alcançando rapidamente a derme. É uma penetração fácil para os agentes químicos, uma vez que eles não necessitam cruzar a região córnea. Qualquer tipo de substância química, seja ela lipo ou hidrossolúvel, ionizada ou não, gás ou vapor, ácida ou básica, pode penetrar pelos folículos. É uma absorção também importante para alguns metais. Fatores que interferem na absorção cutânea Existem vários fatores que podem interferir na absorção através da pele. Geralmente eles são agrupados em quatro classes diferentes. 1. Fatores relacionados ao organismo • superfície corpórea: a superfície corpórea total no homem é maior do que na mulher (média de 1,70 a 1,77 m2 no homem e de 1,64 a 1,73 m2 na mulher). Este fato pode aumentar a absorção transepidérmica no homem (maior superfície de contato com o xenobiótico); volume total de água corpórea: quanto maior o volume aquoso corpóreo, maior a hidratação da pele e consequentemente, a absorção cutânea. Quando comparado à mulher, o homem possui maior volume aquoso total, extra e intracelular, o que favorece a absorção cutânea. Este fato deve ser considerado, também, quando se compara mulheres grávidas e não grávidas. As gestantes apresentam maior volume aquoso corpóreo e, em conseqüência, maior hidratação do extrato córneo. Isto possibilita maior absorção cutânea de xenobióticos; • abrasão da pele: com a descontinuidade da pele, a penetração torna- se fácil; • fluxo sangüíneo através da pele: deve-se considerar a vascularização das áreas expostas, uma vez que, quanto mais vascularizada a região, maior o fluxo sangüíneo no local. Estudos demonstram que, em média, 5% do sangue bombeado pelo coração passa pela pele, com fluxo em torno de 120 mL/kg/min. Inflamação ou fatores que levam à hiperemia aumentarão a absorção cutânea. Durante a gestação também ocorrem aumentos significativos no fluxo sangüíneo das mãos (em até 6 vezes) e pés (até 2 vezes), o que poderá influenciar a absorção cutânea de xenobióticos nas gestantes expostas; • queimaduras químicas e/ou térmicas: apenas as leves ou moderadas, já que as severas destroem totalmente o tecido, formando uma crosta de difícil penetração; • pilosidade: nas áreas em que existem pêlos, a absorção cutânea pode ser 3,5 a 13 vezes maior do que nas regiões glabras. 2. Fatores relacionados ao agente químico (já discutidos anteriormente) • volatilidade e viscosidade; • grau de ionização; • tamanho molecular. 3. Fatores ligados à presença de outras substâncias na pele • vasoconstritores: estes vão reduzir a absorção cutânea, devido à diminuição da circulação sangüínea; • veículos: podem auxiliar na absorção, mas não promovem a penetração de substâncias que, normalmente, não seriam absorvidas pela pele íntegra; • água: a pele tem normalmente 90 g de água por grama de tecido seco. Isto faz com que a sua permeabilidade seja 10 vezes maior do que aquela do extrato totalmente seco. O contato prolongado com água pode aumentar a hidratação da pele em 3 a 5 vezes, o que resultará em um aumento na permeabilidade cutânea em até 3 vezes; • agentes tensoativos: os sabões e detergentes são substâncias bastante nocivas para a pele. Eles provocam alteração na permeabilidade cutânea, mesmo quando presentes em pequenas concentrações. Alteram, principalmente, a absorção de substâncias hidrossolúveis, devido às modificações que provocam na estrutura do filamento de queratina; • solventes orgânicos: estes aumentam a absorção cutânea para qualquer tipo de agente químico, pois removem lipídios e lipoproteínas presentes no extrato córneo, tornando-o poroso e menos seletivo. 4. Fatores ligados às condições de trabalho (exposição ocupacional) • tempo de exposição; • temperatura do local de trabalho: pode haver um aumento de 1,4 a 3 vezes na velocidade de penetração cutânea de agentes químicos, para cada 10oC de aumento na temperatura. Como já mencionado, o sexo e o estado gestacional podem alterar parâmetros fisiológicos importantes e, consequentemente, a intensidade da absorção cutânea O contato dos agentes químicos na pele podem determinar: • efeito nocivo local sem ocorrer absorção cutânea. Ex.: ácidos e bases fortes. • efeito nocivo local e sistêmico. Ex.: o arsênio, benzeno, etc. • efeito nocivo sistêmico, sem causar danos no local de absorção: por exemplo, inseticidas carbamatos (exceção feita ao aldicarbque é um carbamato com potente ação local). Via respiratória, pulmonar ou inalatória A via respiratória é de suma importância para a Toxicologia Ocupacional. Muitas intoxicações ocupacionais são decorrentes da aspiração de substâncias contidas no ar. A superfície pulmonar total é de aproximadamente 90 m2, a superfície alveolar de 50 a 100 m2 e o total de área capilar é cerca de 140 m2. O fluxo sangüíneo contínuo exerce uma ação de dissolução muito boa e muitos agentes químicos podem ser absorvidos rapidamente a partir dos pulmões. Os agentes passíveis de sofrerem absorção pulmonar são os gases e vapores e os aerodispersóides. Estas substâncias poderão ser absorvidas, tanto nas vias aéreas superiores, quanto nos alvéolos. Absorção de gases e vapores • Pelas vias aéreas superiores (VAS) Em geral, não se dá muita atenção para a absorção desses compostos nas vias aéreas superiores. No entanto, muitas vezes, a substância pode ser absorvida na mucosa nasal, evitando sua penetração até os alvéolos. A retenção parcial ou total dos agentes no trato respiratório superior, está ligada à hidrossolubilidade da substância. Quanto maior a sua solubilidade em água, maior será a tendência de ser retido no local. Visto sob este ângulo, a umidade constante das mucosas que revestem estas vias, constitui um fator favorável. Há, no entanto, a possibilidade da ocorrência de hidrólise química, originando compostos nocivos, tanto para as vias aéreas superiores quanto para os alvéolos. Ex.: tricloreto de fósforo + H2O HCl + CO2; dióxido de enxofre (SO2) + H2O ácido sulfúrico. Os produtos formados, além dos efeitos irritantes, favorecem também a absorção deles ou de outros agentes pela mucosa já lesada. Assim, nem sempre, a retenção de gases e vapores nas vias aéreas superiores é sinônimo de proteção contra eventuais efeitos tóxicos. • Pelos alvéolos Nos alvéolos pulmonares duas fases estão em contato, uma gasosa formada pelo ar alveolar e outra líquida representada pelo sangue. Essas duas fases são separadas por uma barreira dupla: o epitélio alveolar e o endotélio capilar. Diante de um gás ou de um vapor, o sangue pode se comportar de duas maneiras diferentes: como um veículo inerte, ou como meio reativo. Em outras palavras, o agente tóxico pode dissolver-se simplesmente por um processo físico ou, ao contrário, combinar-se quimicamente com elementos do sangue. No primeiro caso tem-se a dissolução do toxicante no sangue e no segundo caso, a reação química. • Dissolução do toxicante no sangue – neste caso, deve-se considerar o agente químico como o soluto e o sangue como solvente. Em relação ao soluto, o fator que interfere na absorção pulmonar é a sua concentração no ar alveolar (pressão parcial). Na verdade, se estabelece uma troca de moléculas entre o ar alveolar e o sangue, no sentido do local onde a pressão parcial é menor. Assim, se a pressão parcial no ar alveolar for maior que no sangue, ocorrerá absorção e se for maior no sangue do que no ar alveolar, haverá excreção. É evidente, portanto, a importância de fatores ambientais, tais como temperatura e pressão, já que estes fatores alteram a pressão parcial de gases e vapores. Em relação ao solvente, deve-se considerar a constituição do sangue. Este tecido orgânico apresenta tanto uma característica aquosa (3/4 do sangue é água) quanto orgânica (proteínas, lipídios, e outros componentes). Sendo assim, mais do que a lipo ou hidrossolubilidade de um agente tóxico, deve- se aqui, considerar a sua solubilidade no sangue. A importância deste fator surge de maneira mais evidente, quando se recorda que a duração do contato entre o ar alveolar e o sangue é de uma fração de segundo apenas. Então, para os gases e vapores que não estabelecem combinações químicas, apenas suas solubilidades no sangue assegurarão uma boa absorção pulmonar. Uma maneira prática de se observar a solubilidade de uma substância no sangue é determinar o chamado coeficiente de distribuição (K). Esse coeficiente é expresso pela relação entre a concentração do agente tóxico no ar alveolar pela concentração do agente tóxico no sangue, no momento em que se instala o equilíbrio. Alguns autores utilizam a correlação: concentração do toxicante no sangue por concentração do toxicante no ar alveolar, para avaliar a solubilidade da substância. Então um coeficiente baixo implica em uma boa solubilidade no sangue e isto conduz a uma concentração elevada do agente neste meio. No entanto, justamente devido a esta alta solubilidade, a saturação sangüínea será lenta, a retenção do agente neste local será mais longa e a transferência aos tecidos tardia. Quando o coeficiente de distribuição é alto, os fenômenos inversos acontecem. Assim, o K permite avaliar a concentração do agente no sangue conhecendo-se sua concentração no ar alveolar. Pode-se observar que dois fatores foram destacados até aqui: a pressão parcial do gás ou vapor e sua solubilidade no sangue. Não foi considerada a presença das membranas alveolares e capilares interpostas entre o ar e o sangue. Isto porque estas membranas possuem espessura muito pequena (cerca de 1?m) e superfície muito grande, não representando um obstáculo à absorção das substâncias químicas. Se o agente tóxico tem pequeno Entende-se por distribuição de um agente tóxico, sua localização e concentração em diferentes tecidos do organismo. Portanto, a distribuição não é a ação de transportar o toxicante. Por exemplo, quando se diz que uma substância se distribui nos órgãos A, B e C, não se quer dizer como ela se deslocou da superfície de contato até esses órgãos, mas sim que essa substância aparece nesses órgãos com uma concentração a, b e c, respectivamente. Após a entrada do agente tóxico na corrente sangüínea, através da absorção ou por administração direta, ele estará disponível para ser transportado pelo organismo com diferentes destinos: • sítio de ação • um ou vários sítios de armazenamento – locais onde o composto pode ser armazenado e que, para a maioria dos agentes tóxicos, não corresponde ao seu sítio de ação • diversos órgãos para sua biotransformação Fatores que afetam a distribuição Normalmente a distribuição ocorre rapidamente e a velocidade e extensão desta, dependerá do fluxo sangüíneo, da velocidade de difusão nas interfaces sangue- tecido a qual é dependente do coeficiente de partição e do grau de ionização, da permeabilidade da membrana e da afinidade do tecido pelo composto. Esses fatores são agrupados em duas categorias. Fatores ligados à substância • lipossolubilidade e grau de ionização (já discutidos) • afinidade química do agente – durante a distribuição, o agente alcançará o seu sítio alvo, que é o órgão ou tecido onde exercerá sua ação tóxica, mas, poderá, também, se ligar a outros constituintes do organismo, concentrando- se em algumas partes do corpo. Em alguns casos, estes locais de maior concentração são também os sítios de ação e disto resulta efeitos altamente prejudiciais. É o caso do monóxido de carbono para o qual o sangue representa, tanto o local de concentração quanto o de ação tóxica. Felizmente para o homem, a maioria dos toxicantes atingem seus maiores níveis em locais diferentes do sítio alvo (exemplo: Pb é armazenado nos ossos e atua nos tecidos moles). Este acúmulo do agente tóxico em outros locais que não o de ação, funciona como uma proteção ao organismo, uma vez que previne uma elevada concentração no sítio alvo. Os agentes tóxicos nos locais de concentração estão em equilíbrio com sua forma livre no sangue e, quando a concentração sangüínea diminui, o agente que está concentrado em outro tecido é liberado para a circulação e daí pode atingir o sítio de ação. Fatores ligados ao organismo • fluxo sangüíneo – quanto maior a irrigação de um órgão, maior será o contato do toxicante com o mesmo. Dessa forma, órgãos como o fígado, os rins e baço, que recebem cerca de ¾ do fluxo sangüíneo do organismo, tendem a acumular os agentes tóxicos. Nesse aspect, os rins merecem destaque porque, embora representem menos de 1% do peso corporal, recebem de 20 a 25% do débito cardíaco. • conteúdo de água ou lipídio de órgãos e tecidos – os agentes tóxicos se fixarão em órgãos ou tecidos de acordo com sua afinidade por esses conteúdos. Por exemplo, substâncias lipossolúveis como solventes orgânicos e compostos organomercuriais, terão preferência por tecidos ricos em gordura como o SNC e, nesse caso, os efeitos de suas ações tóxicas serão decorrentes dessa localização. Por outro lado, compostos inorgânicos ionizáveis e solúveis em água fixam-se, preferencialmente, nos rins como, por exemplo, o mercúrio inorgânico, que lesa o parênquima desse órgão. • biotransformação do agente tóxico – o organismo tem capacidade de biotransformar a molécula de alguns agentes tóxicos transformando-as em derivados de maior lipossolubilidade, o que dificulta sua eliminação renal e facilita sua acumulação. Como exemplo, tem-se o caso do DDE (diclorodifenileteno), produto de biotransformação do DDT (diclorodifeniletano), um inseticida organoclorado. • integridade do órgão – a lesão de um órgão pode determinar a acumulação do toxicante. O mercúrio inorgânico, por exemplo, tem afinidade pelo tecido renal, porém, danifica o néfron, o que pode causar oligúria ou anúria, o que dificulta sua eliminação e aumenta ainda mais sua deposição renal. O sangue tem grande importância no estudo da distribuição, não só porque é o principal fluido de distribuição dos agentes tóxicos, mas, também por ser o único tecido que pode ser colhido repetidamente sem distúrbios fisiológicos ou traumas orgânicos. Além disto, como o sangue circula por todos os tecidos, algum equilíbrio pode ser esperado entre a concentração do agente no sangue (dose interna) e nos tecidos, inclusive no sítio de ação (dose efetiva). Assim, a concentração plasmática fornece melhor avaliação da ação tóxica do que a dose (a não ser quando a concentração plasmática é muito baixa em relação à concentração nos tecidos). Sítios de armazenamento no organismo A distribuição do toxicante, através do organismo ocorre de maneira não uniforme, devido a uma série de fatores que podem ser reunidos em dois grupos: afinidade por diferentes tecidos e presença de membranas. O papel da ligação às proteínas plasmáticas na distribuição desigual dos xenobióticos é o fator mais estudado. Os principais locais de depósito são discutidos a seguir. Afinidade por diferentes tecidos Ligação às proteínas plasmáticas Várias proteínas do plasma podem se ligar a constituintes endógenos (ex.: ácidos graxos, triptofano, hormônios, bilirrubinas, etc.) e também aos xenobióticos. A principal proteína, sob o ponto de vista da ligação a xenobióticos, é a albumina. Algumas globulinas também apresentam papel relevante na ligação aos agentes exógenos, especialmente àqueles de caráter básico. Destaca-se aqui a α1- glicoproteína ácida. Com exceção das substâncias lipossolúveis de caráter neutro que, geralmente, se solubilizam na porção lipídica das lipoproteínas, a ligação de fármacos às proteínas plasmáticas é feita, usualmente, pela interação de grupos polares ou não polares dos toxicantes com o(s) grupamento(s) protéico(s). Ex.: os fármacos de caráter ácido, ligam-se em um único sítio de albumina, possivelmente, ao nitrogênio do aminoácido terminal, que é, no homem, o ácido aspártico. O elevado peso molecular das proteínas plasmáticas impede que o complexo toxicante – proteína plasmática atravesse as membranas dos capilares restringindo- o ao espaço intravascular. Assim, enquanto ligado às proteínas plasmáticas, o agente tóxico não estará disponível para a distribuição no espaço extravascular. Deve-se observar, no entanto, que esta ligação é reversível (geralmente feita por pontes de hidrogênio, forças de van der Waals, ligação iônica) e, à medida que o agente livre se difunde através da membrana capilar, a fração ligada se dissocia das proteínas tornando-se apta para ser distribuída. Esta ligação atua, portanto, graduando a distribuição dos xenobióticos e, consequentemente, a chegada ao sítio de ação. • as células endoteliais dos capilares do SNC são muito finas e encontram-se intimamente unidas e não deixam poros aquosos entre elas. Isto impede a difusão de substâncias polares de baixo peso molecular; • os capilares do SNC são circundados pelos astrócitos (tecido conectivo glial), o que impõe uma película a mais a ser transposta; • a concentração protéica no fluido intersticial do SNC é a mais baixa de todo o organismo. Assim, em contraste com outros tecidos, o toxicante tem dificuldade em se mover entre os capilares, tendo que atravessar não somente o endotélio capilar, mas também a membrana das células gliais, para alcançar o fluido intersticial. Como este fluido é pobre em proteínas, o agente tóxico não pode usar a ligação protéica para aumentar a distribuição dentro do SNC. Estes fatos juntos atuam como um mecanismo de proteção, que diminui a distribuição e ação dos toxicantes no SNC, já que eles não entram no cérebro em quantidades significativas. A eficiência da barreira hematoencefálica varia de uma área do cérebro para outra. Ex.: o córtex, o nucleopineal e o lóbulo posterior da hipófise são mais permeáveis do que outras áreas cerebrais. Não está claro se a maior permeabilidade destas áreas decorre de um suprimento maior sangüíneo ou de uma permeabilidade mais adequada da barreira ou dos dois fatores juntos. Os princípios que regem o transporte das substâncias através de membranas são também os que comandam a entrada de xenobióticos no cérebro. Assim, somente a forma livre estará apta para entrar no cérebro, desde que seja lipossolúvel. A lipossolubilidade é um fator preponderante na velocidade e quantidade de toxicante que entra no SNC, ou seja, a velocidade de entrada no SNC é proporcional ao coeficiente de partição óleo/água da substância. A barreira hematoencefálica não está totalmente desenvolvida por ocasião do nascimento e esta seria uma das razões para a maior toxicidade de substâncias químicas em recém-nascidos. “Barreira” Placentária Durante anos, o termo “barreira” placentária demonstrou o conceito que a principal função da placenta era proteger o feto contra a passagem de substâncias nocivas provenientes do organismo materno. Sabe-se hoje, que ela possui funções mais importantes, tais como a troca de nutrientes (O2, CO2, etc.). Esse material vital, necessário para o desenvolvimento do feto, é transportado por processo ativo, com gasto de energia. Já a maioria dos xenobióticos que se difundem através da placenta o fazem por difusão passiva. Na verdade, a placenta não representa uma barreira protetora efetiva contra a entrada de substâncias estranhas na circulação fetal. Anatomicamente a placenta é o resultado de várias camadas celulares interpostas entre a circulação fetal e materna. O número de camadas varia com a espécie e com o período de gestação e isto, provavelmente, afeta a sua permeabilidade. Na espécie humana ela possui ao todo seis camadas, três de origem materna e três de origem fetal. Poderia se pensar que as espécies que apresentam placenta com maior número de camadas são mais protegidas contra agentes tóxicos durante a gestação. Entretanto, a relação entre o número de camadas e a permeabilidade placentária não está suficientemente estudada. Embora não totalmente efetiva na proteção do feto contra a entrada de xenobióticos, existem alguns mecanismos de biotransformação, que podem prevenir a passagem placentária dessas substâncias. Volume aparente de distribuição (VD) O volume aparente de distribuição (VD) é uma forma de relacionar a quantidade de agente tóxico presente no organismo com a sua concentração plasmática, ou seja, é um parâmetro toxicocinético que indica a extensão de sua distribuição. É calculado, dividindo-se a dose administrada pela concentração plasmática e expresso em litros. VD = dose (mg) / concentração plasmática (mg/L) Os compostos que se ligam fortemente com as proteínas ou que são muito lipofílicos, apresentam-se em concentrações muito baixas no plasma, fazendo com que sejam estimados volumes aparentes de distribuição muito grandes, 100 litros ou mais, o que indica que o xenobiótico distribui-se a vários compartimentos do organismo e encontra-se em baixa concentração no plasma. Ao contrário, para uma substância com VD relativamente pequeno, a maior fração permanece no plasma, provavelmente, como resultado da fixação protéica. Assim, a toxicidade do xenobiótico depende de seu VD, mas, nem sempre o local que contém a maior fração do toxicante é o mais lesado. Muitas vezes, esse sítio funciona como um simples depósito. Entretanto, a redução do VD pode determinar um aumento nas concentrações plasmáticas com risco de ocasionar intoxicação. Redistribuição O término do efeito tóxico de uma substância costuma ocorrer por biotransformação ou excreção, mas, também pode resultar da redistribuição da substância do seu sítio de ação para outros tecidos. Entretanto, ela ainda estará armazenada nestes locais na forma ativa e sua saída definitiva dependerá de biotransformação e excreção. Se houver saturação do local de armazenamento com a dose inicial, uma dose subseqüente pode produzir efeito prolongado. Um exemplo clássico é o uso endovenoso do anestésico tiopental, um fármaco altamente lipossolúvel. Como o fluxo sangüíneo cerebral é muito alto, o fármaco alcança sua concetração máxima no cérebro, cerca de um minuto após sua administração. Após o término da injeção, a concentração plasmática do tiopental cai, à medida que ele se difunde para outros tecidos como os músculos. A concentração do fármaco no cérebro segue a do plasma, porque há pouca ligação com componentes cerebrais. Desse modo, o início da anestesia é rápido e o término também, pois ambos estão diretamente relacionados com a concentração da substância no cérebro. Para reduzir a possibilidade de uma substância desencadear uma resposta tóxica, o organismo apresenta mecanismos de defesa que buscam diminuir a quantidade da mesma, que chega de forma ativa ao tecido alvo assim como, diminuir o tempo de permanência desta em seu sítio de ação. Para isso, é necessário diminuir a difusibilidade do toxicante e aumentar a velocidade de sua excreção. A propriedade física que facilita a absorção de muitos xenobióticos através da pele, pulmões e trato gastrintestinal – denominada lipofilicidade - constitui um obstáculo à sua eliminação, porque as substâncias lipofílicas podem ser reabsorvidas e tendem a se acumular no organismo. Os compostos hidrofílicos, por sua vez, apresentam absorção mais precária, porém, são facilmente excretados pelos rins. Conseqüentemente, a eliminação de um xenobiótico, freqüentemente, depende de sua conversão para compostos hidrossolúveis através de um processo conhecido como biotransformação, o qual é catalisado por enzimas presentes no fígado e em outros tecidos. Assim, se uma substância lipofílica, que se difunde rapidamente, for transformada provenientes de outras fases da reação, se reduz e se liga ao oxigênio e ao toxicante, promovendo de fato a oxidação do composto. Outras enzimas estão presentes nos microssomos hepáticos e, embora menos conhecidas e importantes que o Cit P450 podem também biotransformar xenobióticos. É o caso, por exemplo, do citocromo b5, que está localizado fora das membranas do retículo endoplasmático. 2. Redução Essa é uma reação química através da qual o substrato ganha elétrons. São catalisadas por redutases microssômicas e citosólicas e pelas bactérias intestinais. As reações de redução podem ocorrer através da formação de duplas ligações nitrogênio-nitrogênio (azo-redução) em grupos nitro (NO2). Nesses casos, os compostos amino formados são oxidados e formam metabólitos tóxicos. Assim, as reações de redução, freqüentemente resultam na ativação do xenobiótico em vez de destoxificação. A natureza dessas reações também é evidenciada pela sua denominação, como por exemplo, azo-redução, desalogenação redutora, redução de carbonila entre outras. A redução pode ser efetuada enzimaticamente, envolvendo enzimas microssômicas ou não. A enzima Cit P450 redutase, NADPH dependente, localizada fora da membrana do REL, é responsável pela redução de uma série de produtos. 3. Hidrólise É uma reação na qual a adição de uma molécula de água separa o toxicante em dois fragmentos ou moléculas menores. O grupo hidroxila (-OH) é incorporado em um fragmento e o hidrogênio no outro. Certos xenobióticos são lisados antes de sofrerem outras reações de biotransformação. A mais comum destas reações é a hidrólise de ésteres, embora amidas, nitrilas e hidrazidas, também possam ser hidrolizadas. A hidrólise de ésteres (R-COOR) é feita pelas enzimas denominadas esterases, que podem ser de origem microssômica ou não. Geralmente essas esterases não possuem uma boa especificidade, ou seja, uma esterase pode, além de hidrolisar ésteres, provocar a quebra de acetanilidas, amidas e outros derivados da anilina. Reações de fase II Um fator importante na toxicidade de um xenobiótico é a sua capacidade de ser excretado, e parece que os rins dos vertebrados é constituído de maneira e excretar eletrólitos mais facilmente que não eletrólitos. Assim, quanto mais ionizado estiver um ácido orgânico no pH do meio, mais rapidamente ele será excretado pelos rins. A ionização, por sua vez, depende do chamado momento dipolo (ou grau de polaridade), ou seja, da distância entre o centro geométrico de todas as cargas positivas e de todas as cargas negativas. É claro que moléculas com momento dipolo baixo (carga positiva perto da carga negativa) terão uma simetria maior e, portanto, uma ionização mais difícil. Já moléculas com grandes dipolos (ou seja, moléculas onde as cargas positivas e negativas estão distantes) terão uma menor simetria e, conseqüentemente, maior ionização. Nas reações de conjugação, os xenobióticos, provenientes ou não da fase pré- sintética, ligam-se a substratos endógenos do organismo formando metabólitos com tamanho molecular elevado e, conseqüentemente, mais excretáveis e menos tóxicos. Ou seja, na conjugação observa-se: aumento do tamanho maior polaridade maior ionização maior excreção menor toxicidade. Os principais compostos endógenos envolvidos nas reações de conjugação são: • Aminoácidos e seus derivados, tais como a glicina e cisteína • Carboidratos e seus derivados, especialmente o ácido glicurônico • Conjugação com compostos simples como, por exemplo, sulfato e acetato O composto endógeno envolvido na conjugação está, geralmente, na sua forma “ativa”, ou seja, ligado a uma coenzima da qual é transferido para o xenobiótico. As enzimas envolvidas incluem a coenzima A, onde está ligado o acetato ou outros ácidos graxos de cadeia curta, a adenosina ou fosfoadenosina fosfato (PAP) onde está ligado o sulfato, metionina e etionina e a uridina difosfato (UDP) onde se liga o ácido glicurônico e a glicose. As conjugações mais freqüentes são aquelas feitas com ácido glicurônico e com o sulfato. 1. Conjugação com ácido glicurônico O ácido glicurônico é um derivado 6-carboxil da glicose, formado durante o metabolismo desse açúcar. Sua forma forma ativa, o ácido uridino difosfato glicurônico (UDPGA) é formado enzimaticamente na fração solúvel do fígado. Esta forma ativa doa o ácido glicurônico para se conjugar com o xenobiótico e esta reação é catalisada pela transglicuronilase ou glicuroniltransferase, presente na fração microssômica hepática. Os conjugados glicurônicos ou glicuronídios são muito polares e, portanto, facilmente excretados do organismo. Em relação às substâncias endógenas, são poucas aquelas capazes de sofrerem conjugação glicurônica. Exemplo: tiroxina e bilirrubina. É como se o organismo tivesse “guardado” este tipo de conjugação para a biotransformação de xenobióticos. 2. Conjugação com sulfato Este tipo de conjugação é quase tão comum quanto a anterior. Os produtos da conjugação com sulfatos são sais de sulfatos ácidos (SO3) ou de sulfamatos (NHSO3), que, em pH fisiológico são totalmente ionizados e rapidamente excretados pelos rins. Os íons sulfatos presentes no organismo também terão que ser ativados para se conjugarem com os xenobióticos. Esta ativação envolve o uso de ATP e é feita pelas enzimas ATP-sulfato-adenil-transferase e ATP-adenil-sulfato-3- fosfotransferase. Forma-se, então, o PAPS (3-fosfoadenosina-5-fosfossulfato), que é a forma ativa do sulfato, presente na fração microssômica hepática e que sob ação da sulfoquinase cede o sulfato ao xenobiótico, formando o conjugado. 3. Conjugação com aminoácidos A reação consiste na formação de uma ligação peptídica entre o grupo amino de um aminoácido, geralmente, a glicina, e o grupo carbonila do xenobiótico. Para que essa reação ocorra, é indispensável que o toxicante possua um grupo carboxila. Os compostos formados são excretado na urina porque o sistema de transporte do rim reconhece o aminoácido. 4. Conjugação com glutationa Nessa reação, a glutationa (GSH), através de seu grupo sulfidrila (nucleofílico), une- se a um carbono eletrofílico do toxicante. A reação é catalisada pela enzima glutationa-S-transferase que tem como cofator o própio glutation. A glutationa é um tripeptídio (ácido glutâmico-glicina-cisteína). O conjugado formado se rompe nos rins produzindo o Cis-derivado, que se acetila para produzir um conjugado do ácido mercaptúrico que é excretado pela urina. Essa reação é importante na destoxificação de epóxidos e peróxidos. A glutationa-S-transferase encontra-se em células de muitos tecidos do organismo. Se essa reação diminui significativamente os níveis celulares de glutationa, o organismo pode sofrer danos consideráveis devido à peroxidação lipídica ou por outros tipos de agressão química. 5. Metilação Tem papel de menor importância na biotransformação de xenobióticos, exceto na destoxificação do arsênico. Os compostos inorgânicos do arsênico transformam-se em metabólitos mono e dimetilados, que são menos tóxicos. A reação consiste na transferência de um grupo metila (-CH3) a um grupo funcional hidroxila, amina ou sulfidrila, catalisada pelas metiltransferases e o composto doador de grupos metila é a SAM (S-adenosil-metionina). A metilação é uma reação importante na transformação de compostos endógenos e participa da biossíntese de vários aminoácidos e esteróides, assim com na metilação do DNA. Enquanto as reações de fase I ativam grupos funcionais, a metilação os mascara, impedindo que participem das reações de fase II e, portanto, se o xenobiótico é metilado, sua taxa de eliminação diminui. Fatores que modificam a biotransformação A eficiência dos processos de biotransformação depende de vários fatores que incluem dose e freqüência de exposição, espécie, idade, gênero, variabilidade genética, estado nutricional, estado patológico e a exposição a outros agentes que podem inibir ou induzir as enzimas biotransformadoras de xenobióticos. Dose e freqüência da exposição - a dose geralmente altera a via de biotransformação. Certas enzimas possuem elevada afinidade, mas baixa capacidade para biotransformar substâncias exógenas. Por isso, serão rapidamente saturadas quando doses elevadas do agente tóxico são administradas e outras vias secundárias passam a ter um papel mais importante. Exemplo: cerca de 90% do acetaminofeno (paracetamol), em doses baixas (15 mg/Kg), é biotransformado através da conjugação com sulfato. Em doses elevadas (300 mg/kg), apenas 43% será excretado como tal, passando a serem significativas as excreções como glicuronídio e ácido mercaptúrico (conjugação com glutationa). Em relação à freqüência, esta pode levar a uma sensibilização ou indução de receptores enzimáticos, aumentando a biotransformação. Espécie – as diferenças interespecíficas na capacidade de biotransformação de substâncias químicas são bem conhecidas e constituem, normalmente, a base da toxicidade seletiva, utilizada para o desenvolvimento dos testes de segurança de medicamentos realizados em animais. Variabilidade genética – a capacidade biotransformadora varia amplamente de um indivíduo para outro em função de diferenças genéticas. Por exemplo, a reação de acetilação da isoniazida em humanos é particularmente influenciada por fatores genéticos. Algumas pessoas conseguem acetilar essa substância rapidamente, enquanto outras, o fazem lentamente. Gênero - para algumas substâncias, existem diferenças entre as respostas tóxicas em animais machos e fêmeas. Estudos realizados em ratos demonstraram que as fêmeas são mais suscetíveis a uma dose de hexobarbital do que os machos (elas dormem por um tempo maior). Esse fato é explicado pela menor capacidade do fígado das fêmeas de biotransformar xenobióticos, tornando-as mais suscetíveis à ação da maioria dos agentes tóxicos. A menor atividade hepática em fêmeas, no entanto, diminuirá a ação de substâncias que são biotransformadas pelo mecanismo de bioativação (ex.: o tetracloreto de carbono e halotano). Acredita-se que as diferenças entre os gêneros sejam causadas pelos hormônios sexuais, tendo em vista que, ao se administrar testosterona às fêmeas, ocorre aumento na capacidade de biotransformação e com a castração de machos há uma diminuição dessa capacidade. A influência do sexo sobre a biotransformação também pode ser observada em processos que ocorrem em outros órgãos como, por exemplo, nos rins. Ex.: animais machos são mais suscetíveis à ação tóxica do clorofórmio, provavelmente, por biotransformar mais rapidamente este solvente, originando o fosgênio, metabólito intermediário ativo. Embora essas diferenças sejam mais pronunciadas em ratos, outras espécies, entre elas o homem, também apresentam estas modificações (ex.: nicotina, ácido acetilsalicílico, heparina, etc.). Idade - com relação à idade, tanto os animais jovens, quanto os velhos, apresentam menor capacidade de biotransformar xenobióticos e, conseqüentemente, são mais suscetíveis aos seus efeitos tóxicos. Geralmente, o Cit P450 dos recém-nascidos tem apenas 20% a 50% da atividade observada em relacionada com a sua anatomia, e os rins possuem um elevado desenvolvimento anatômico, voltado para a excreção de substâncias químicas. Os glomérulos renais filtram cerca de 20% do fluxo cardíaco (os rins recebem 25% deste fluxo) e apresentam poros bastantes largos (cerca de 40 Å enquanto o de outros tecidos medem cerca de 4 Å). Assim, os glomérulos filtram substâncias lipossolúveis ou hidrossolúveis, ácidas ou básicas, desde que tenham peso molecular menor do que 60.000 daltons. A filtração glomerular é um dos principais processos de eliminação renal e está intimamente ligado a um outro processo que é a reabsorção tubular. As substâncias, após serem filtradas pelos glomérulos, podem permanecer no lúmem do túbulo e serem eliminadas, ou então, podem sofrer reabsorção passiva através da membrana tubular. Isto dependerá de alguns fatores, tais como o coeficiente de partição óleo/água; o pKa da substância e o pH do meio. De modo geral, as substâncias de caráter alcalino são eliminadas na urina ácida e as substâncias ácidas na urina alcalina. Isto porque nestas condições, as substâncias se ionizarão, tornando-se hidrossolúveis e a urina é, em sua maior parte, formada de água. Outro processo de excreção renal é a difusão tubular passiva. Substâncias lipossolúveis, ácidas ou básicas, que estejam presentes nos capilares que circundam os túbulos renais, podem atravessar a membrana por difusão passiva e caírem no lúmem tubular. Dependendo do seu pKa e do pH do meio, elas podem, ou não, se ionizarem e, conseqüentemente, serem excretadas ou reabsorvidas. O terceiro processo de excreção renal é a secreção tubular ativa. Existem dois processos de secreção tubular renal, um para substâncias ácidas e outro para as básicas. Estes sistemas estão localizados, provavelmente, no túbulo proximal. A secreção tubular tem as características do transporte ativo, ou seja, exige um carregador químico, gasta energia, é um mecanismo competitivo e pode ocorrer contra um gradiente de concentração. Algumas substâncias endógenas, tais como o ácido úrico, são excretadas por este mecanismo e a presença de xenobióticos excretados ativamente, pode interferir com a eliminação de substratos endógenos. A Penicilina é um exemplo de xenobiótico secretado ativamente pelos túbulos. O uso de Probenecid (fármaco excretado pelo mesmo sistema) evita que este antibiótico seja secretado muito rapidamente do organismo. Geralmente, o que ocorre no organismo é uma combinação dos três processos de excreção renal, para permitir uma maior eficácia na eliminação dos xenobióticos. Excreção pelas fezes e catarro Não são processos muito importantes para a Toxicologia. Os toxicantes encontrados nas fezes correspondem à fração ingerida e não absorvida ou então ao agente tóxico que sofreu secreção salivar, biliar ou gástrica. As partículas que penetram pelo trato pulmonar podem ser eliminadas pela expectoração no trato gastrintestinal e, se não forem reabsorvidas, serão, também, excretadas pelas fezes. Excreção pela bile Dentre as secreções orgânicas, a mais significativa para a excreção de xenobióticos é a biliar. O fígado tem uma posição vantajosa na remoção de substâncias exógenas do sangue, principalmente, daquelas absorvidas pelo trato gastrintestinal. Isto porque, o sangue proveniente do trato gastrintestinal, através da circulação porta, passa inicialmente pelo fígado, e somente depois entra na circulação sistêmica. No fígado parte do xenobiótico pode ser biotransformado e os metabólitos ou mesmo o produto inalterado podem ser secretados pela bile no intestino. Existem três sistemas de transporte ativo para a secreção de substâncias orgânicas na bile: para substâncias ácidas, básicas e neutras. É quase certa a existência de um outro sistema para os metais. Uma vez secretado no intestino, os xenobióticos podem sofrer reabsorção ou excreção pelas fezes. Não se conhece o mecanismo que determina se a excreção será urinária ou biliar. Esquematicamente tem-se: É o chamado ciclo entero-hepático, e a morfina é um exemplo típico de xenobiótico que apresenta esse ciclo. Ela é conjugada com ácido glicurônico no fígado e o glicuronídio de morfina é secretado pela bile no intestino. Neste local, pela ação da enzima α-glicuronidase, a morfina é liberada e reabsorvida. O glicoronídio que não for lisado será excretado pelas fezes. É importante observa que os agentes tóxicos que apresentam recirculação entero-hepática, podem ter sua ação prolongada. Excreção pelo ar expirado Gases e vapores inalados ou produzidos no organismo são parcialmente eliminados pelo ar expirado. O processo envolvido é a difusão pelas membranas que, para substâncias que não se ligam quimicamente ao sangue, dependerá da solubilidade no sangue e da pressão de vapor. Estes xenobióticos são eliminados em velocidade inversamente proporcional à retenção no sangue, assim, gases e vapores com coeficiente de distribuição K elevado (pouco solúveis no sangue) são rapidamente eliminados, enquanto os de K baixo (muito solúvel no sangue) são lentamente excretados pelo ar expirado. A freqüência cardíaca e respiratória afetam a excreção destes agentes: a primeira nos de K alto e a segunda nos de K baixo. Em relação à pressão de vapor, os líquidos mais voláteis serão, quase exclusivamente, excretados pelo ar expirado. Excreção por outras vias A eliminação através da secreção sudorípara já é conhecida há alguns anos. Desde 1911 sabe-se que substâncias tais como iodo, bromo, ácido benzóico, ácido salicílico, chumbo, arsênio, álcool, etc., são excretadas pelo suor. O processo parece ser o de difusão passiva e pode ocorrer dermatites em indivíduos suscetíveis, especialmente quando se promove a sudorese para aumentar a excreção pela pele. A secreção salivar é significativa para alguns xenobióticos. Os lipossolúveis podem atingir a saliva por difusão passiva e os não lipossolúveis podem ser eliminados na saliva, em velocidade proporcional ao seu peso molecular, através de filtração. Geralmente as substâncias secretadas com a saliva sofrem reabsorção no trato gastrintestinal. Existe interesse em relação à secreção de xenobióticos no leite, pois este acaba sendo ingerido por recém-nascidos. Geralmente as substâncias apolares sofrem difusão passiva do sangue para o leite e como esta secreção é mais ácida (pH = 6,5) do que o sangue, os compostos básicos tendem a se concentrarem nesse líquido. Já os compostos ácidos apresentam concentração láctea menor que a sangüínea. Várias substâncias são, sabidamente, eliminadas pelo leite: DDT, PCB (bifenil policlorados), chumbo, mercúrio, arsênio, morfina, álcool, entre outros. Fatores que interferem na velocidade e via de excreção • Via de introdução: a via de introdução interfere na velocidade de absorção, de biotransformação e, também, na excreção; • Afinidade por elementos do sangue e outros tecidos: geralmente o agente tóxico na sua forma livre está disponível à eliminação; • Facilidade de ser biotransformada: com o aumento da polaridade a secreção urinária está facilitada; • Freqüência respiratória: em se tratando de excreção pulmonar, uma vez que, aumentando-se a freqüência respiratória, as trocas gasosas ocorrerão mais rapidamente. • Função renal: sendo a via renal a principal via de excreção dos xenobióticos, qualquer disfunção destes órgãos interferirá na velocidade e proporção de excreção. Corresponde ao aumento na suscetibilidade do organismo. Aparece após exposição única ou após meses/anos de exposição. Os principais tipos de reações de hipersensibilidade são: • alergia química - esse tipo de ação tóxica só é desenvolvida após absorção do xenobiótico pelo organismo e ligação com a proteína formando o antígeno (o agente tóxico funciona como hapteno). Com a formação do antígeno, ocorre, conseqüentemente, o desenvolvimento de anticorpos e do complexo antígeno/anticorpo. Este complexo se liga às células teciduais ou basófilos circulantes, sensibilizando-as, ou seja, desenvolvendo grânulos internos, contendo histamina, bradicinina, entre outros. Quando ocorre uma segunda exposição do organismo ao mesmo xenobiótico, os anticorpos previamente desenvolvidos promovem a alteração da superfície celular com conseqüente degranulização celular. Estes grânulos secretam na corrente sangüínea histamina e bradicinina, que são os responsáveis pela sintomatologia alérgica. Essa sintomatolgia é bastante semelhante, independente do tipo de xenobiótico que a desencadeou. Os órgãos mais afetados são pulmões e pele. As reações alérgicas ou alergia química, também conhecidas como de hipersensibilidade ou sensibilização, são reações adversas que ocorrem somente após uma prévia sensibilização do organismo ao agente tóxico, ou a um produto quimicamente semelhante. Alguns autores não concordam que as alergias químicas sejam efeitos tóxicos, já que elas não obedecem ou apresentam uma relação dose- resposta (elas não são dose-dependente). Entretanto, como a alergia química é um efeito indesejável e adverso ao organismo, pode ser reconhecido como efeito tóxico. • fotoarlegia (prometazina, sabões, desodorante, hexaclorofeno): as características deste tipo de ação tóxica são bastante semelhantes às da alergia química. A diferença primordial entre as duas é que, na fotoalergia, o xenobiótico necessita reagir com a luz solar (reação fotoquímica), para formar um produto que funciona como hapteno. Após a sensibilização, sempre que houver exposição ao sol, na presença do xenobiótico, haverá o aparecimento dos sintomas alérgicos. É importante ressaltar que a fotoalergia só aparece após repetidas exposições. • fotossensiblização (agentes branqueadores, furocumarinas): esses xenobióticos, quando em contato com a luz solar, formam radicais altamente reativos que produzem lesões na pele, muito semelhante às queimaduras de sol. Essa reação pode aparecer logo na primeira exposição. As lesões resultantes da fotossensibilização podem persistir sempre que houver contato com o sol, mesmo sem nova exposição ao agente químico. Efeitos morfológicos, funcionais e bioquímicos • efeitos morfológicos - os efeitos morfológicos referem-se às mudanças micro e macroscópicas na morfologias dos tecidos afetados. Muitos desses efeitos são irreversíveis como, por exemplo, a necrose e a neoplasia. • efeitos funcionais - em geral, representam mudanças reversíveis nas funções dos órgãos-alvo. Essas mudanças geralmente são detectadas antes ou em exposições a baixas doses quando comparadas às alterações morfológicas. • efeitos bioquímicos – apesar de todos os efeitos tóxicos estarem associados a alterações bioquímicas, quando se faz referência a efeitos bioquímicos, significa que os efeitos manifestam-se sem modificações morfológicas aparentes. Por exemplo, a inibição da acetilcolinesterase decorrente da exposição a inseticidas organofosforados ou carbamatos. Efeitos somáticos ou germinativos Os efeitos somáticos são aqueles que afetam uma ou mais funções vegetativas e os efeitos germinais correspondem às perturbações determinadas nas funções de reprodução, sobre a integridade dos descendentes e desenvolvimento de tumores. Uma vez que o agente tóxico alcança o seu alvo em concentração adequada, ele desencadeará alterações bioquímicas e fisiológicas que serão responsáveis pelo seu efeito deletério. Algumas substâncias precisam, antes, passar pela bioativação para então desencadearem os efeitos tóxicos. A bioativação envolve a biotransformação da molécula original levando à formação de um metabólito tóxico. Assim sendo, os desencadeadores do efeito tóxico podem ser: • Agente tóxico original: ex. chumbo, tetrodotoxina, cianeto; • Metabólito do agente tóxico: ex. fluorocitrato (metabólito do fluoroacetato), ácido oxálico (metabólito do etilenoglicol); • Espécies reativas de oxigênio ou de nitrogênio: formação do radical hidroxila desencadeada pelo herbicida paraquate; • Compostos endógenos: ex. bilirrubina deslocada da albumina pela sulfonamida. Quanto ao modo de ação, os agentes tóxicos podem ser: • Inespecíficos: ex. ácidos ou bases que atuam indistintamente sobre qualquer tecido, causando irritação e corrosão nos tecidos de contato; • Específicos: são mais seletivos e causam injúrias em determinado(s) tecido(s), sem lesar outros. A suscetibilidade de determinado(s) tecido(s) deve-se à presença de moléculas nas quais o agente tóxico se liga. Essas moléculas-alvo exercem importantes funções no organismo e podem ser enzimas, moléculas transportadoras, canais iônicos, proteínas reguladoras, ácidos nucléicos, etc. Logicamente, quanto menor for a distribuição da molécula-alvo pelo organismo, mais seletiva será a ação do agente tóxico. Entretanto, não é só a presença da molécula-alvo entre os diferentes tecidos que confere seletividade de ação aos agentes tóxicos. Às vezes, um agente pode ser potencialmente tóxico para vários tecidos, mas como ele se distribui em maior concentração para determinados tecidos, esses se tornam os alvos. Essa distribuição seletiva pode ser devido a: • porosidade do endotélio capilar: células endoteliais dos sinusóides hepáticos e capilares peritubulares renais têm fenestras maiores que as de outras células. Isto favorece acúmulo de agentes tóxicos nos rins e fígado, fazendo destes órgãos alvos freqüentes; • transporte de membrana especializado: por exemplo, no pneumócito existe um carreador de membrana que captura o herbicida paraquate e, assim, a concentração deste herbicida no pneumócito pode ser até 50 vezes maior do que nas outras células. Isto faz do pneumócito o principal alvo da intoxicação com paraquate; • ligação a compostos intracelulares: como exemplo, podemos citar a ligação da neurotoxina MPTP (1-metil-4-fenil-1,2,3,6-tetrahidropiridina) ao pigmento melanina presente em grande quantidade na substância negra encefálica. Devido à essa afinidade, a MPTP acumula-se nesta estrutura e, quando metabolizada pela enzima monoaminooxidase-B, presente nos astrócitos, gera o metabólito MPP+ (1-metil-4-fenilpiridina) que lesará seletivamente os neurônios dopaminérgicos da substância negra. Relação dose-resposta ou concentração-resposta Um conceito fundamental na Toxicologia é o da relação dose-resposta proposta por Paracelsus: “Somente a dose correta diferencia o veneno do remédio." Ela correlaciona a exposição e a intensidade dos efeitos tóxicos produzidos. As curvas dose-resposta são construídas a partir de observações feitas em estudos experimentais com animais ou células isoladas, bem como observação clínica ou epidemiológica de humanos. Acredita-se que, quanto maior a dose, maior e mais intensos (quanti e/ou qualitativamente) serão os efeitos e que deve existir uma condição de exposição que seja segura para a saúde humana, com exceção das substâncias mutagênicas. Dependendo da variável que estiver sendo avaliada, existem dois tipos de relações possíveis: • Quantitativa: para variáveis que podem ser mensuradas em intensidade. Neste caso, quanto maior a dose do agente, mais intenso o efeito. Alguns toxicologistas chamam a relação quantitativa de relação dose-efeito. Ex: hipertrofia hepática; • Quantal: para variáveis do tipo tudo ou nada, como por exemplo, morte, convulsão. Nesse caso, quanto maior a dose, maior o número de indivíduos que apresentam tal efeito. Sempre será expressa em porcentagem de indivíduos que respondem a determinado efeito e só pode ser avaliada quando uma população de indivíduos é estudada, ao contrário da quantitativa, que pode ser avaliada em um indivíduo. Existem dois tipos de curvas dose-resposta: 1. Para efeitos que apresentam limiar de segurança (“threshold”): a curva geralmente tem a forma de uma curva sigmóide e baixas doses não são tóxicas, já que o organismo tem capacidade para biotransformar o agente tóxico, bem como reparar eventuais injúrias que tenham sido causadas. O ponto no qual a toxicidade começa a se manifestar é conhecido como limite de segurança (“threshold”). 2. Para efeitos que não apresentam limiar de segurança (“threshold”): a curva é linear, pois se assume que qualquer dose produzirá um efeito deletério. Esse tipo de curva é usada para agentes mutagênicos. Mecanismos de toxicidade Os mecanismos pelos quais os diferentes agentes tóxicos específicos produzem seus efeitos deletérios podem ser agrupados em: conduzidos ao longo da cadeia respiratória (proteínas integrais da membrana capazes de aceitar ou doar elétrons) até uma molécula de oxigênio (O2), o qual eles reduzem para formar água. A transferência de elétrons é acompanhada pelo bombeamento de prótons para fora da membrana mitocondrial interna, o que leva a uma diferença transmembrana na concentração de prótons, já que a membrana interna é impermeável aos mesmos. Essa diferença de concentração de prótons gera energia eletroquímica, chamada de força próton-motora. Entretanto, na membrana, existem transportadores para os prótons representados pela enzima ATP- sintase. À medida que os prótons fluem passivamente de volta para a matriz através dos poros formados por esta enzima, a energia eletroquímica impulsiona a ATP-sintase a catalisar a incorporação de um fosfato ao ADP formando um ATP. Esse processo é chamado de fosforilação oxidativa e notem que a fosforilação do ADP é acoplada à transferência de elétrons e uma etapa não ocorre sem a outra. Os agentes tóxicos podem interferir com a formação de ATP: • inibindo a formação de acetil-CoA: como exemplo, temos o etanol que reduz a formação de coenzima A; o arsenito que inibe a piruvato desidrogenase; • inibindo o ciclo do ácido cítrico: como exemplo, o fluoracetato que inibe a aconitase; o etanol que inibe a α-cetoglutarato; a diclorovinilcisteína que inibe a succinato desidrogenase; • inibindo o transporte de elétrons: pode-se ter tanto compostos que funcionam como aceptores de elétrons (tetracloreto de carbono, doxorrubicina) quanto compostos que inibam as proteínas da cadeia respiratória (rotenona, cianeto, CO); • inibindo a chegada de oxigênio à cadeia transportadora: agentes que causam paralisia respiratória (depressores do sistema nervoso central, agentes convulsivantes); agentes que causam isquemia (alcalóides do ergot, cocaína); agentes que inibem o transporte de oxigênio pela hemoglobina (monóxido de carbono, agentes metahemoglobinizantes); • inibindo a fosforilação do ADP tem-se dois grupos: os inibidores da ATP- sintase, representados pela oligomicina, DDT, clordecona e os agentes chamados desacopladores da fosforilação oxidativa. Estes agentes prejudicam a formação da força próton-motora por serem ionóforos, ou seja, formam poros na membrana levando à dissipação do gradiente eletroquímico. Como exemplos, destaca-se o fungicida pentaclorofenol, vários herbicidas e a amiodarona. Logicamente, a depleção de ATP, por qualquer um dos mecanismos citados acima, terá conseqüências importantes na célula, pois interferirá com a integridade da membrana, funcionamento de bombas iônicas, síntese protéica, enfim, todos os processos ATP-dependentes. Se for intensa, levará à perda das funções celulares e morte celular. Aumento de cálcio intracelular O cálcio é essencial para várias funções celulares, como exocitose, contração muscular, ativação de algumas enzimas, etc. Entretanto, em excesso, ele é citotóxico. Assim, a célula dispõe de vários mecanismos para manter os níveis intracelulares de cálcio dentro de uma faixa adequada de concentração, como por exemplo, as bombas de cálcio e de cálcio-sódio (responsáveis pela extrusão de cálcio da célula); seqüestro de cálcio no retículo endoplasmático e na mitocôndria. É interessante notar que, como o transportador presente na mitocôndria tem menor afinidade para o cálcio do que o transportador presente no retículo endoplasmático, o seqüestro pela mitocôndria é importante em elevadas concentrações citoplasmáticas de cálcio. Os agentes tóxicos podem aumentar o cálcio intracelular através dos seguintes mecanismos: • Aumento do influxo (entrada) de cálcio: pode ocorrer por abertura de canais iônicos de cálcio operados por ligante (ex, glutamato) ou dano à membrana plasmática. Os agentes que danificam podem ser ionóforos (clordecona, metilmercúrio), enzimas hidrolíticas (fosfolipases ofídicas), indutores de peroxidação lipídica (tetracloreto de carbono). • Diminuição do efluxo (saída): ocorre quando o funcionamento dos transportadores responsáveis pela saída do cálcio da célula ou pela captura do mesmo pelo retículo endoplasmático ou mitocôndria é prejudicado. Isso pode ocorrer quando os agentes se ligam ao carreador prejudicando sua função (ex, paracetamol, clorofórmio, tetracloreto de carbono, DDT) ou por diminuição dos níveis de ATP, já que tais transportadores são ATP- dependentes. • Mobilização de reservatórios intracelulares: pode ocorrer com agentes que lesem a membrana mitocondrial ou do retículo endoplasmático ou que sejam agonistas do receptor para inositol trifosfato (IP3), o qual está acoplado a canais de cálcio na membrana do retículo endoplasmático e cujo estímulo promove abertura desses canais com conseqüente saída do cálcio. O praguicida lindano possui tal atividade. O aumento de cálcio intracelular pode trazer, como conseqüências: • Depleção das reservas de ATP: com a elevação dos níveis citoplasmáticos de cálcio, ocorre uma diminuição da síntese do ATP, bem como aumento do seu consumo. A diminuição da síntese ocorre tanto porque a captura do cálcio pela mitocôndria dissipa a força próton-motora da membrana quanto porque o cálcio ativa enzimas oxidativas que produzem espécies reativas lesivas à membrana. Já o aumento do consumo é provocado pelo aumento do trabalho dos transportadores de cálcio na tentativa de reduzir seus níveis citosólicos. • Dissociação dos microfilamentos: filamentos de actina mantêm a morfologia celular por ancoramento a proteínas presentes na membrana plasmática. O aumento do cálcio citoplasmático dissocia a actina dessas proteínas levando à formação de bolhas na membrana (“blebbing”) e predispondo-a a rupturas. • Ativação de enzimas hidrolíticas: existem proteases, fosfolipases, DNAses e RNAses cálcio-dependentes. A ativação sustentada dessas enzimas levará à citotoxicidade. • Geração de espécies reativas de oxigênio e nitrogênio: o cálcio ativa enzimas envolvidas na geração de espécies reativas, como desidrogenases, xantina oxidase, etc. Indução de estresse oxidativo Radicais livres são átomos, íons ou moléculas que têm um elétron não pareado no orbital externo. Caracterizam-se por uma grande instabilidade e, conseqüentemente, elevada reatividade por tenderem a acoplar o elétron não pareado a um outro presente em estruturas próximas à sua formação (pois têm meia-vida curta), como proteínas, lipídios, carboidratos. Eles também iniciam reações autocatalíticas, ou seja, as moléculas com as quais eles reagem são convertidas em radicais livres, ocorrendo lesão em cadeia. Várias reações do metabolismo celular levam à formação de radicais livres e, portanto, nosso organismo possui um sistema de defesa antioxidante para remover radicais livres conforme eles vão sendo formados. Esse sistema é composto por enzimas (superóxido dismutase, catalase, glutationa peroxidase) e pequenas moléculas sem atividade enzimática (ácido ascórbico, tocoferol, glutationa). Em condições normais, existe um equilíbrio entre a formação e a remoção de radicais livres no organismo e agentes tóxicos podem desequilibrar esse sistema aumentando a formação de radicais livres (ex, tetracloreto de carbono, paraquate, paracetamol, cromo) e/ou diminuindo a função do sistema de defesa antioxidante (chumbo, mercúrio). Nesta situação de desequilíbrio, temos o chamado estresse oxidativo, que pode levar a injúria celular. Três reações são importantes para a injúria celular decorrente de estresse oxidativo: • Peroxidação lipídica das membranas: o dano oxidativo começa quando a ligação dupla de ácidos graxos insaturados é atacada por radicais livres, especialmente radical hidroxila. Isso leva à formação de peróxidos que também são instáveis e reativos e uma reação autocatalítica em cadeia é iniciada (propagação), que pode resultar em dano extenso à membrana plasmática; • Peroxidação protéica: radicais livres oxidam resíduos de aminoácidos de cadeias laterais, formam ligação cruzada entre proteínas e alteram a estrutura protéica. Com isso, podem levar à fragmentação da proteína e/ou perda de função; • Lesões ao DNA: radicais livres podem interagir com o DNA, modificando bases e produzindo mutações. Considerações finais Como pôde-se observar, muitos são os mecanismos de toxicidade. O objetivo desta seção foi familiarizar os leitores com os principais mecanismos existentes. É importante reconhecer: • Mais de um mecanismo pode ser responsável pela toxicidade de um agente e eles podem ocorrer concomitantemente ou seqüencialmente. O chumbo altera proteínas específicas, mobiliza cálcio e gera estresse oxidativo ao mesmo tempo. Já a toxicidade do herbicida paraquate inicia-se com a geração de radical livre no pneumócito o que lesa a membrana e leva, secundariamente, ao aumento de cálcio intracelular. • Alguns agentes tóxicos têm mecanismos mais seletivos enquanto outros têm múltiplos mecanismos e induzem múltiplos efeitos. Como exemplo de agente mais seletivo temos o curare que é um antagonista do receptor nicotínico da acetilcolina e produz, na sua intoxicação, paralisia flácida. Já o chumbo leva a: efeitos hematológicos por inibir enzimas com grupamento sulfidrila; efeitos neurotóxicos por alterar a neurotransmissão; hipertensão por induzir estresse oxidativo e alterar os níveis de cálcio. • Alguns efeitos tóxicos resultam de múltiplos mecanismos. Assim, a hipertensão induzida pelo chumbo origina-se da geração de espécies reativas de oxigênio que são vasoconstrictoras; da inibição da enzima oxido nítrico-sintase que produz o óxido nítrico, importante vasodilatador endógeno; do aumento de tônus vascular promovido pelo aumento de cálcio na musculatura lisa; da liberação de renina provocada pelo aumento de cálcio nas células justaglomerulares. Interações Geralmente, estamos expostos a uma mistura de substâncias químicas e não a uma substância química isolada. Por exemplo, na água de beber podemos encontrar pequenas quantidades de praguicidas, metais, solventes, produtos formados durante a cloração, etc. Logicamente, essas diferentes substâncias químicas podem interferir nos efeitos umas das outras, tanto os aumentando quanto os diminuindo. Esta interferência é chamada de interação. Apesar da comunidade científica reconhecer a existência e a importância deste fenômeno, a compreensão da toxicologia de misturas ainda está longe de ser atingida devido à dificuldade de se canais de cloreto. Por isso, uma pessoa intoxicada com DDT que apresenta convulsão é tratada com benzodiazepínico. Antagonismo químico: já descrito acima na interação medicamentosa do tipo química. O quadro abaixo, retirado do site do NIH (National Institutes of Health), ilustra qualitativamente a porcentagem da população afetada pela exposição aos agentes A e B em separado, bem como a uma combinação dos dois, simulando os diferentes tipos de exposição. Tipo de interação Efeito tóxico do agente A Efeito tóxico do agente B Efeito combinado de A + B Adição 20% 30% 50% Sinergismo 5% 10% 100% Potenciação 0% 20% 50% Antagonismo 20% 30% 5% É interessante notar que diferentes tipos de interações podem ocorrer em diferentes sistemas com a mesma combinação de agentes. Por exemplo, inseticidas clorados e solventes halogenados (presentes nas formulações), podem produzir uma interação do tipo adição quanto à hepatotoxicidade e uma interação do tipo antagonismo funcional no sistema nervoso central, já que os inseticidas são estimulantes e os solventes, depressores do sistema nervoso central. Os inseticidas pertencem a quatro grupos químicos principais: • Inibidores da acetilcolinesterase: Organofosforados e Carbamatos • Organoclorados: São derivados do clorobenzeno, do ciclo-hexano ou do ciclodieno. Foram muito utilizados na agricultura, como inseticidas, porém, seu emprego tem sido progressivamente restringido ou mesmo proibido. Ex: Aldrin®, Endrin®, BHC®, DDT®, Endossulfan®, Heptacloro®, Lindane®, Mirex®; • Piretróides: são compostos sintéticos que apresentam estruturas químicas semelhantes à piretrina, substância existente nas flores do crisântemo (Pyrethrum). Alguns desses compostos são: aletrina, resmetrina, deltametrina, cipermetrina e fenpropanato. Ex: Decis®, Protector®, K-Othrine®, SBP®. Inseticidas inibidores da colinesterase: Organofosforados (OF) e Carbamatos (CARB) A crescente preocupação sobre a poluição ambiental por inseticidas clorados não degradáveis no ambiente, tem levado ao uso dos organofosforados e carbamatos para várias finalidades: agricultura, pecuária, ambiente doméstico e em saúde pública. Este aumento é deve-se à sua eficácia como inseticidas, assim como ao fato de que estes compostos não se acumulam na natureza e são de decomposição relativamente rápida após a aplicação. Embora ofereçam menor risco para o meio ambiente, os inseticidas organofosforados (OF) e carbamatos (CARB) são altamente tóxicos para animais e humanos e as intoxicações provocadas por esses compostos têm aumentado, particularmente, nos países em desenvolvimento. Apresentação: Estes agrotóxicos encontram-se sob a forma de pó, grânulos, líquidos ou aerossóis, em diferentes concentrações de acordo com a utilização, se produtos para uso veterinário, fitossanitário, ou aplicadores profissionais (muito concentrados) ou aerossóis de uso doméstico (pouco concentrados). As preparações líquidas em geral vêm dissolvidas em hidrocarbonetos (xileno, tolueno...). Os inseticidas organofosforados são compostos orgânicos derivados do ácido fosfórico e seus homólogos (ácido fosfórico, tiofosfórico, ditiofosfórico e fosfônico). Os compostos organofosforados (OF) são, possivelmente, os inseticidas mais amplamente usados no mundo e os que mais causam intoxicações e grande número de mortes, com mais de 35.000 formulações diferentes em uso nos últimos 40 anos. Mais de 50.000 compostos OF são conhecidos pelo homem, mas, pouco mais de 40 são usados como praguicidas. O primeiro OF sintetizado foi o tetraetilpirofosfato (TEEP) em 1854. A partir de 1932 começou-se a investigar esses agentes, inicialmente como praguicidas e mais tarde para uso como agentes de guerra. São exemplos de Organofosforados: Azinfós etílico (Gusathion A®), Clorpirifós (Dursban®, Lorsban®), Diclorvos (DDVP®, Nuvan®, Vapona®), Dimetoato (Dimexion®, Perfektion®), Diazinon (Basudin®, Diazitol®), Fenitrotion (Sumigran®, Sumithion®), Fention (Baytrex®, Lebaycid®), Fosfamidon (Dimecron®), Malation (Carbofós®, Malatol, Malaton®), Metamidofós (Tamaron®), Monocrotofós (Azodrin®, Nuvacron®), Paration metilico (Folidol®). Os carbamatos (CARB) fazem parte de um grande grupo de praguicidas sintéticos, derivados de ésteres do ácido carbâmico. Foram desenvolvidos e usados em grande escala nos últimos quarenta anos e mais de cinqüenta carbamatos são conhecidos (WHO, 1986). Apresentam alta eficiência praguicida, principalmente, atividade inseticida, baixa ação residual e baixa toxicidade em longo prazo, com amplo espectro de uso (MÍDIO e SILVA, 1995; ROSATI e col., 1995; MORAES et al., 1996). Atualmente, os carbamatos disponíveis no mercado são: Aldicarb (Temik®), Aminocarb (Metacil®), Carbaril (Sevin®), Carbofuran (Carboran®, Furadan®), Landrin (Landrin®), Metacalmato (Bux®), Metiocarb (Mesurol®), Metomil (Lannate®, Nudrin®), Mexacarbato (Zectran®), Propoxur (Baygon®, Unden®) (CCIn, 2000). Ação Os inseticidas OF e CARB exercem suas ações biológicas principalmente por inibição de enzimas. As esterases são o alvo. Há inibição da acetilcolinesterase (AChE), que tem a ação de degradar o neurotransmissor acetilcolina (ACh). Com a AChE inibida, há acúmulo de ACh nos receptores muscarínicos, nicotínicos e no Sistema Nervoso Central. De acordo com o tempo de recuperação da colinesterase, esta inibição é considerada "irreversível", tendo em vista a formação de um complexo mais estável - no caso dos OF, e reversível - no caso dos carbamatos, já que o complexo é menos estável, permitindo a recuperação da colinesterase mais rapidamente. A fisiopatologia da intoxicação por carbamatos difere dos organofosforados em importantes aspectos: 1. Os carbamatos inativam a acetilcolinesterase temporariamente. A enzima carbamilada é instável e a regeneração da acetilcolinesterase é relativamente rápida quando comparada com a enzima fosforilada. Assim, os praguicidas carbamatos são menos perigosos com relação à exposição humana do que os organofosforados. 2. A dose necessária para provocar a morte e a dose necessária para determinar poucos sintomas de intoxicação é substancialmente ampla para compostos carbamatos do que com os compostos organofosforados. 3. Os carbamatos penetram pobremente o SNC Cinética São bem absorvidos por todas as vias (oral, dérmica, respiratória, pele e mucosas) por serem altamente lipossolúveis. A presença de solvente orgânico (hidrocarboneto), comumente adicionado às formulações dos agrotóxicos, intensifica a absorção. A meia-vida plasmática é relativamente curta, podendo variar de poucos minutos a horas, dependendo do composto e da quantidade absorvida. Os inseticidas e seus produtos de biotransformação são rapidamente distribuídos por todos os tecidos atingindo concentrações maiores no fígado e rins, mas não se acumulam por tempo prolongado. Os organofosforados, diferentemente dos carbamatos, atravessam com facilidade a barreira hematoencefálica, produzindo quadros neurológicos. A eliminação é urinária para a maioria dos compostos nas primeiras 48h. Dinâmica Farmacologia da transmissão do impulso nervoso Para que haja a transmissão sináptica é necessário que a ACh seja liberada do neurônio terminal e difundida através da fenda sináptica, ligando-se a um receptor pós-sináptico, transmitindo assim o impulso nervoso para um receptor colinérgico. A ACh é sintetizada no neurônio a partir da acetilcoenzima A e da colina e é responsável pela neurotransmissão nas fibras pré-ganglionares simpáticas e parassimpáticas, nas pós-ganglionares parassimpáticas e na placa mioneural. A acetilcolina liga-se a receptores na membrana da célula pós-sináptica, permitindo íons fluir para dentro da célula pós-sináptica. Para cessar a estimulação e restabelecer a sensibilidade do receptor à nova transmissão nervosa, a ACh precisa ser hidrolisada pela acetilcolinesterase continuamente. Na superfície da acetilcolinesterase (AChE) existe um centro ativo para inativação (inativação por hidrólise) da ACh, com formação de colina e ácido acético. A colina é reutilizada pela célula pré-sináptica para produzir nova acetilcolina. Como os OF e os CARB são inibidores da AChE, ocorre acúmulo de ACh na sinapse. O excesso de acetilcolina inicialmente estimula e então, subseqüentemente, paralisa a transmissão na sinapse colinérgica. Há estimulação dos receptores muscarínicos (efetor em células colinérgicas), nos receptores nicotínicos (junções neuromusculares esqueléticas) e no Sistema Nervoso Central. Os inseticidas inibidores da colinesterase ligam-se ao centro esterásico da molécula de AChE e cada um tem uma diferente afinidade nesse sítio. A inibição ocorre porque os compostos OF fosforilam a enzima, formando um complexo estável e geralmente irreversível. Os compostos CARB carbamilam a enzima e formam complexos menos estáveis, permitindo a recuperação da enzima mais rapidamente. A taxa de reativação da enzima carbamilada é relativamente rápida quando comparada à da enzima fosforilada nos OF. Então a inibição da AChE pelo CARB é tão frágil que nenhuma reação de envelhecimento é possível, como ocorre com a enzima fosforilada. Toxicidade A toxicidade dos CARB e OF são extremamente variáveis (ver Quadro XX). Vários fatores influem na toxicidade: Organofosforados: - Potencial de risco de cada substância, dose, tempo e via de exposição; - Atravessam a barreira hematoencefálica e penetram no SNC, levando a quadros de moderados a graves; - Condições de saúde: algumas doenças alteram níveis de AchE; - Idade: neonatos e grávidas têm baixa atividade colinesterásica; - Alguns compostos altamente lipofílicos (fention, dissulfoton) depositam-se no tecido adiposo atuando por mais tempo e persistindo por longos períodos nos tecidos. Carbamatos: - Têm inibição colinesterásica de curta duração; - Não penetram efetivamente no SNC, resultando toxicidade limitada; Sistema respiratório: hipersecreção brônquica, rinorréia, sibilos, broncoespasmo, dispnéia, cianose; Sistema cardiovascular: bradicardia, hipotensão, bloqueio AV; Aparelho urinário: aumento freqüência urinária, incontinência urinária. Receptores Nicotínicos Sistema cardiovascular: taquicardia, hipertensão, palidez, midríase; Músculo esquelético: fasciculações musculares, fraqueza muscular, fadiga, cãibras, paralisia, tremores, arreflexia, paralisia flácida, insuficiência ou parada respiratória por fraqueza muscular. Receptores Sistema Nervoso Central Sonolência, letargia, labilidade emocional, coma, cefaléia, confusão mental, ataxia, tremores, respiração tipo Cheyne-Stokes, dispnéia, fadiga, convulsões, depressão respiratória e cardiovascular. Atentar: - A gravidade e o tempo de início dos sintomas dependem da composição química do inseticida, do tempo e da via de exposição; - Após ingestão maciça, os sintomas aparecem em minutos; - Na maioria dos casos têm início de 30 min a 12 h. Nos compostos lipossolúveis pode retardar até 24 h; - A manifestação mais grave e usual causa de óbito é a falência respiratória do centro respiratório, agravado por excessiva secreção traqueobrônquica e broncoespasmo; - Perda da consciência e vômito predispõem à aspiração do conteúdo gástrico; - O quadro clínico apresentado pelo paciente constitui, freqüentemente, uma emergência médica que requer atendimento urgente; - Produtos com solventes à base de hidrocarbonetos podem predispor a pneumonia química por aspiração. Organofosforados Os sintomas em geral aparecem em 1-2h após a exposição, podendo ser retardados em 12-24h sendo que, inicialmente, predominam as manifestações muscarínicas e nicotínicas. O aparecimento de quadro nicotínico e do SNC indicam gravidade. Alguns pacientes intoxicados com certos orfanofosforados podem apresentar hálito de alho. Carbamatos Têm ação rápida e efeitos imediatos, cessando logo após término da exposição. As manifestações são de menor gravidade (leve a moderada), com predomínio de efeitos muscarínicos. O diagnóstico é clínico, com início em 30 min e até 1-2 h após a exposição, com cerca de 6 h de duração. Os sintomas são autolimitados pela reversão espontânea da colinesterase. A recuperação é completa em 24 h. Os casos severos podem ser mais prolongados. A presença de grânulos escuros de Temik (Aldicarb), vulgarmente conhecido como "chumbinho", na lavagem gástrica, pode certificar o diagnóstico. Complicações Convulsões prolongadas (conseqüentes à hipóxia, na maioria das vezes), insuficiência renal (devido à rabdomiólise e fasciculações) e pulmonares (intubação prolongada, ventilação mecânica e pneumonia aspirativa). Outras complicações: hipoglicemia, hiperglicemia, hepatotoxicidade, coagulopatias, pancreatite. Diagnóstico laboratorial - Determinação da atividade da colinesterase A dosagem da atividade pseudocolinesterase é um exame útil na intoxicação aguda, mas, com pouco valor na intoxicação crônica. Os testes para determinação da atividade da colinesterase não estão disponíveis na grande maioria dos serviços de saúde que prestam assistência aos pacientes agudamente intoxicados. Mesmo obtidos, a interpretação pode ser difícil, pois os níveis podem não correlacionar com o estado clínico e, além disso, uma determinação da colinesterase isolada pode não confirmar, nem excluir uma exposição, porque o nível normal é baseado na população estimada (valores de referência) e existem altas variações intra e inter-individuais nos níveis de colinesterase eritrocitária e plasmática. Alguns quadros patológicos podem levar à diminuição da atividade da colinesterase plasmática: hepatite, cirrose, uremia, câncer, alergias, gravidez. Por sua vez, alguns fármacos podem diminuir a atividade enzimática: sulfatos, fluoretos, citratos, fenotiazinas, codeína e outros. O diagnóstico das intoxicações por CARB usualmente é fundamentado na avaliação clínica, pois os níveis de colinesterase normalizam-se rapidamente. - Creatinofosfoquinase (CPK) - Eletromiografia (nas intoxicações por OF com déficit neuromotor) - Outros: hemograma, ionograma, gases arteriais, uréia, creatinina, ECG, Rx de tórax Correlação entre a gravidade, o quadro clínico e a atividade da colinesterase plasmática das intoxicações por organofosforados e carbamatos. Gravidade Quadro clínico Atividade da colinesterase plasmática Exposição rápida Sem sinais ou sintomas 50-90% Intoxicação Leve Náuseas, fadiga, mal-estar, miose, sialorréia discreta, deambulação normal, fraqueza muscular mínima, cólicas abdominais sem diarréia. 20-50% Intoxicação Moderada Salivação, lacrimejamento, miose, broncorréia, broncoespasmo; bradicardia, vômitos, sudorese, cólicas abdominais, incontinência urinária e fecal, tremores, fraqueza, não deambula, fasciculações, confusão, letargia, ansiedade. 10-20% Intoxicação Grave Agravamento do quadro moderado; insuficiência respiratória, pupilas puntiformes, arritmias, paralisias, coma, convulsões. 10% ou menos Diagnóstico diferencial Deve ser feito com outras intoxicações (cogumelos de ação muscarínica, opióides, medicamentos de ação colinérgica e barbitúricos), traumatismo cranioencefálico, acidente vascular cerebral, síndrome comicial e edema agudo de pulmão de origem cardiogênica. Tratamento Da Crise Colinérgica Aguda: O sucesso do tratamento depende de rápida e simultânea implementação: - Correção dos distúrbios colinérgicos com administração de doses adequadas de atropina; - Manutenção das funções vitais; - Descontaminação. Se o paciente tiver história de exposição, mas apresentar-se assintomático, deve-se mantê-lo em observação por 6-8h. 1. Esvaziamento gástrico (êmese ou Lavagem Gástrica) + Carvão Ativado seguido de catártico; 2. Na ingestão de OF e certos carbamatos, usar CA em múltiplas doses devido ao ciclo enteroepático; 3. Antagonista: SULFATO DE ATROPINA (Atropina®): este fármaco bloqueia os efeitos muscarínicos decorrentes da estimulação colinérgica - Dose: Adultos: 1-4mg/dose, EV. Crianças: 0,01-0,05mg/kg/dose, EV; - Pode ser repetida a cada 15-30 min até que o paciente apresente sinais de atropinização: secura das secreções pulmonares e de mucosas e o aumento da freqüência cardíaca; - Alcançados esses sinais de atropinização, ajustar a dose. A retirada da atropina deve ser gradual e restituída se surgirem manifestações colinérgicas; 4. As intoxicações por organofosforados normalmente necessitam de doses mais elevadas de atropina; 5. Os carbamatos, em geral, têm recuperação em cerca de 6h. Na persistência do quadro, considerar possibilidade de outro diagnóstico ou associação a OF; 6. Antítodo: PRALIDOXIMA (Contrathion®): Age na reativação enzimática da colinesterase e proteção da enzima não inibida. Tem maior eficácia quando administrado nas primeiras 24h da exposição. Tem efeito nas manifestações nicotínicas (fraqueza muscular, depressão respiratória, etc.). Lembrar que potencializa os efeitos da atropina reduzindo suas doses terapêuticas - Doses: adultos: 1 a 2g, a cada 4-6h, EV, diluída em 150mL de soro fisiológico, de 30-45 minutos. Não exceder 200mg/min. Crianças: 25-50mg/kg, EV, a cada 4-6h, diluída em 150mL de SF, por 30 minutos. Não exceder 0,4mg/kg/min; - Não é indicado na intoxicação por carbamatos. Contra-indicado nas intoxicações por carbaril. - Efeitos colaterais: taquicardia, laringoespasmo, rigidez muscular e bloqueio neuromuscular transitório (relacionados à infusão rápida), náuseas, hiperventilação, cefaléia, tontura, diplopia; 7. Medidas para aumentar a eliminação: - Diálise e Hemoperfusão: não são indicadas pelo grande volume de distribuição dos OF e devido à curta duração do quadro nas intoxicações por carbamatos. A diurese forçada não é efetiva; 8. Medidas sintomáticas e de manutenção: - Controle hidreletrolítico: somente repor as perdas (vômitos, diarréia, sudorese intensa); - Convulsões: usar benzodiazepínicos, EV (seu uso impossibilita avaliação de outros parâmetros); - Insuficiência respiratória: cuidados com a intubação e/ou ventilação mecânica. Contra-indicação Aminofilina, succinilcolina, morfina e fenotiazinas por aumentarem o risco de arritmias cardíacas graves. Complicações neurológicas 1. Síndrome intermediária (SI) Esta Síndrome tem sido relatada com o uso do paration, metil-paration, monocrotofós, metamidofós, fention e dimetoato. É de aparecimento agudo, surgindo freqüentemente entre 24-96 h (1-4 dias) após a recuperação da crise
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