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Guias e Dicas
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GRAZIANO, J. S - O Que eh Questão Agraria, Manuais, Projetos, Pesquisas de Geografia

Neste breve livro há uma boa introdução sobre a evolução da questão agrária no Brasil, sua caracterização embora diminuta é ótima para ambientar sobre a realidade econômica e social do espaço rural no país. Recomendo a todos!

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2010

Compartilhado em 23/06/2010

marcio-bezerra-4
marcio-bezerra-4 🇧🇷

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Baixe GRAZIANO, J. S - O Que eh Questão Agraria e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Geografia, somente na Docsity! ÍNDICE - Introdução...................................................................................................................................................... 07 - O Desenvolvimento Recente da Agricultura Brasileira................................................................................ 20 - A Herança Histórica...................................................................................................................................... 20 - O Diagnóstico da Estrutura Agrária como Obstáculo à Industrialização..................................................... 28 - A Questão Agrária nos Anos Setenta............................................................................................................ 43 - Os Trabalhadores da Agricultura Brasileira e Sua Organização Sindical..................................................... 68 - O Sindicalismo Rural Brasileiro.................................................................................................................... 82 - A Questão Agrária Hoje................................................................................................................................ 91 - As Reivindicações dos Trabalhadores Rurais............................................................................................... 91 - A Retomada da Solução Reforma Agrária.................................................................................................... 99 - Notas............................................................................................................................................................ 107 INTRODUÇÃO O debate sobre o que se convencionou chamar “A Questão Agrária no Brasil" vem se intensificando nos últimos anos. Não é, entretanto, a primeira vez que esse tema é discutido entre nós. Na verdade, essa polêmica já polarizou grande parte dos debates também em outras épocas da vida nacional. Na década de trinta, por exemplo, essa discussão girava em torno da crise do café e da grande depressão iniciada com a quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929. Já no final dos anos cinqüenta e início dos anos sessenta, a discussão sobre a questão agrária fazia parte da polêmica sobre os rumos que deveria seguir a industrialização brasileira. Argumentava-se então que a agricultura brasileira - devido ao seu atraso - seria um empecilho ao desenvolvimento econômico, entendido como sinônimo da industrialização do país. Esse diagnóstico vinha reforçado pela crise da economia brasileira, particularmente no período 1961/67. Depois de 1967, até 1973, o país entrou numa fase de crescimento acelerado da economia. Nesse período, que ficou conhecido como o do "milagre brasileiro", pouco se falou da questão agrária. Em parte porque a repressão política não deixava falar de quase nada. Mas em parte também porque muitos achavam que a questão agrária tinha sido resolvida com o aumento da produção agrícola ocorrido no período do milagre. Embora todos reconhecessem que esse aumento vinha beneficiando os então chamados "produtos de exportação" (como o café, a soja, etc.), em detrimento dos chamados "produtos alimentícios" (como o feijão, arroz, etc.), contra-argumentavam alguns que isso era um desajuste passageiro que logo se normalizaria. Outros diziam ainda que não haveria problema se pudéssemos continuar exportando soja - que era mais lucrativa - e, com os recursos obtidos, comprar o feijão de que necessitávamos. PAGE 34 Mas o "milagre" acabou. Passada a euforia inicial, muitos começaram a se dar conta de que os frutos do crescimento acelerado do período 1967/73 tinham beneficiado apenas uma minoria privilegiada. E, entre os que tinham sido penalizados, estavam os trabalhadores em geral, e, de modo particular, os trabalhadores rurais. De 1974 em diante a economia brasileira deixa de apresentar os elevados índices de crescimento do período anterior, e no triênio 1975/77 começa a se delinear claramente outra situação de crise. É muito interessante observar que em 1978 muitas coisas voltam a ser discutidas, com o início de uma relativa abertura política no país. E, entre elas, retoma-se com pleno vigor o debate sobre a questão agrária, novamente dentro do contexto mais geral das crises do sistema econômico capitalista. A escolha da agricultura como "meta prioritária" do governo reaviva as discussões que se travam em torno do conteúdo político e social das transformações que se operaram no campo brasileiro nas duas últimas décadas. Nem mesmo a tão anunciada "super-safra" - que não chegou a ser tão "super" assim - consegue esconder o "ressurgimento da questão agrária", como parte dos temas mais polêmicos do momento. Evidentemente não é bem um "ressurgimento da questão agrária", pois ela não foi resolvida anteriormente. De um lado, ela havia sido esquecida ou deixara de ser um tema da moda da grande imprensa. Do outro lado - da parte daqueles que não a podiam esquecer, porque a questão agrária faz parte da sua vida diária, os trabalhadores rurais - ela fora silenciada. Para isso foi necessário fechar sindicatos, prender e matar líderes camponeses, além de outra série de violências que todos conhecem ou pelo menos imaginam. Esse próprio "ressurgimento" serve para ilustrar um ponto fundamental para pode confundir a questão agrária e a questão agrícola o grande economista brasileiro Ignácio Rangel já havia alertado sobre isso desde 1962. Dizia ele que o setor agrícola à medida q avançasse a industrialização do país, teria que: a) aumentar a produção, para fornecer às indústrias nascentes matérias-primas, e às pessoas das cidades os alimentos; b) liberar a mão-de-obra necessária para o processo de industrialização; Se a produção agrícola não crescesse no ritmo, necessário, configurar-se-ia então uma crise agrícola: faltariam alimentos e/ou matérias-primas, o que inviabilizaria a continuidade do processo de industrialização Por outro lado, se a agricultura liberasse muita ou pouca mão-de-obra em função das quantidades exigidas para a expansão industrial, configurar-se-ia uma crise agrária traduzida por uma urbanização exagerada ou deficiente. Essa separação entre questão agrária e questão agrícola é apenas um recurso analítico. Evidente que na realidade objetiva dos fatos não se pode separar as coisas em compartimentos estanques, ou seja, a questão agrária está presente nas crises agrícolas, da mesma maneira que a questão agrícola tem suas raízes na crise agrária. Portanto, é possível verificar que a crise agrícola e a crise agrária, além de internamente relacionadas, muitas vezes ocorrem simultaneamente. Mas o importante é que isso não é sempre necessário. Pelo contrário muitas vezes a maneira pela qual se resolve a questão agrícola pode servir para agravar a questão agrária. Em poucas palavras, a questão agrícola diz respeito aos aspectos ligados às mudanças da produção em si mesma: o que se produz, onde se produz e quanto se produz. Já a questão agrária esta ligada às transformações nas relações sociais e trabalhistas produção: como se produz, de que forma se produz. No equacionamento da questão agrícola as variáveis importantes são as quantidades e os preços dos bens produzidos. Os principais indicadores da questão agrária são outros: a maneira como se organiza o trabalho e a produção; Qualidade de renda e emprego dos trabalhadores rurais, a progressividade das pessoas ocupadas no campo, etc. A força com que a que tão agrária brasileira ressurge hoje não advém apenas da maior liberdade com que podemos discuti-la. Mas também do fato de que ela vem sendo agravada pelo modo como têm se expandido as relações capitalistas de produção no campo. Em outras palavras, a maneira como o país tem conseguido aumentar a sua produção agropecuária tem causado impactos negativos sobre o nível de renda e de emprego da sua população rural. PAGE 34 O DESENVOLVIMENTO RECENTE DA AGRICULTURA BRASILEIRA A Herança Histórica Procuramos mostrar anteriormente que, com a industrialização da agricultura, as limitações impostas pela Natureza à produção agropecuária vão sendo gradativamente superadas. É como se o sistema capitalista passasse a "fabricar” uma Natureza adequada à sua sede por maiores lucros, a partir das conquistas tecnológicas da sua propalada indústria. Mas o desenvolvimento das relações capitalistas na agricultura tem particularidades em relação ao da indústria. A principal delas é que o meio de produção fundamental na agricultura a terra - não é suscetível de ser multiplicado (reproduzido) ao livre arbítrio do homem, como o são as máquinas e outros meios de produção e instrumentos de trabalho. É exatamente por ser a terra um meio de produção relativamente não reprodutível - ou pelo menos, mais complicado de ser multiplicado que a forma de sua apropriação histórica ganha uma importância fundamental. Desde que a terra seja apropriada privadamente, o seu dono pode arrogar-se o direito de fazer o que quiser com aquele pedaço de chão. Em alguns países, como no caso do Brasil, o proprietário de terra tem até mesmo o direito de não utilizá-la produtivamente, isto é, deixá-la abandonada, e de impedir que outro a utilize. Por isso é que a estrutura agrária - ou seja, a forma como a terra está distribuída - torna-se assim o ''pano de fundo" sobre o qual se desenrola o processo produtivo na agricultura. Se fosse fácil fabricar novas terras, pouca importância teria a forma de apropriação dos solos criados pela Natureza, quer dizer, dos solos não fabricados. Já dissemos anteriormente que o sistema capitalista procura superar essa barreira da limitação dos solos disponíveis fabricando as terras necessárias através da utilização de tecnologias por ele desenvolvidas. Por exemplo, um determinado pedaço de solo não pode ser utilizado porque está inundado, ou porque é muito duro e seco, ou ainda porque tem baixa fertilidade e não produz nada. Ora, com o uso de fertilizantes de máquinas pode-se fazer a correção desses "defeitos" através da drenagem, a ração, irrigação, etc. Claro que é possível hoje "fabricar terras" ou até mesmo produzir alimentos e animais praticamente sem usar terra, como, por exemplo, através da agricultura hidropônica ou do confinamento. Mas, evidentemente, isso não aconteceu num passe de mágica, senão que pressupõe toda uma história do desenvolvimento das relações de produção capitalistas no campo, e das transformações que se operaram entre os vários agentes sociais da produção agrícola. Seria necessário, portanto, que iniciássemos pela ocupação histórica, inicial, das terras no Brasil, e que fôssemos acompanhando esse desenvolvimento. Todavia, acreditamos que os trabalhos existentes sobre o tema colocam muito bem a questão fundamental: a propriedade fundiária constituiu o elemento fundamental que separava os trabalhadores dos meios de produção na agricultura brasileira. Vamos recapitular rapidamente essa história. O início da colonização do território brasileiro se fez com a doação de grandes extensões de terras particulares. Denominadas de sesmarias. Daí surgiram os latifúndios escravistas. A necessidade de cortar em grande escala e escassez de mão de obra na colônia uniu-se à existência de um rentável mercado de tráfico PAGE 34 de escravos. Todas as atividades produtivas da colônia giravam em torno da agricultura e do comércio, praticamente não havendo indústrias... O latifúndio escravista produzia para exportar, essa era a sua finalidade básica. O produto mudava de acordo com os interesses da metrópole: primeiro açúcar e, no fim da escravidão, o café. A exportação da produção, aliada à importação de escravos, é que garantia a lucratividade dos capitais comerciais metropolitanos. O latifúndio escravista era o eixo de atividade econômica da colônia, definindo as duas classes sociais básicas: Os Senhores e os escravos. Mas em torno deles havia uma massa heterogênea de brancos que não eram senhores, de negros livres, que não eram escravos, de índios e de mestiços, e desempenhavam uma série de atividades. Vários eram "técnicos" empregados nos próprios latifúndios, como escreventes, contadores, capatazes, etc. Outros se dedicavam ao pequeno comércio, como mascates, vendedores ambulantes, etc. outros ainda eram agricultores, ocupavam certos pedaços de terra, onde produziam sua subsistência e vendiam parte da produção nas feiras das cidades. Aí está a origem da pequena produção no Brasil e sua estreita ligação com a produção de alimentos. Os latifúndios também produziam gêneros alimentícios. Na maioria das vezes essa produção era feita também por pequenos agricultores, que pagavam uma renda ao proprietário, pela utilização das suas terras. Outras vezes, a produção de alimentos era feita pelos próprios escravos nos seus "tempos livres" - domingos, feriados ou depois de terminada a jornada no eito. Mas a produção de alimentos do latifúndio variava muito em função do preço do seu produto principal destinado à exportação. Por exemplo, quando o preço do açúcar (e mais tarde do café) subia no mercado mundial, todas as terras e os escravos eram utilizados para expandir a sua produção, diminuindo assim a produção de alimentos. Nesses períodos havia fome na colônia e as autoridades estimulavam os pequenos agricultores a expandirem sua produção, para abastecer não só as vilas e cidades, conflito às vezes os próprios latifúndios. No início do século XIX, a extinção do regime de sesmarias, aliada à ausência de outra legislação regulando a posse das terras devolutas, provoca uma rápida expansão dos sítios desses pequenos produtores. Em meados desse mesmo século. Começou a declinar o regime escravocrata. Sob pressão da Inglaterra - agora interessada num mercado comprador para seus produtos manufaturados, e não apenas interessada em vender escravos - o Brasil proíbe o tráfico negreiro em 1850. É sintomático que nesse mesmo ano se crie uma nova legislação definindo o acesso à propriedade - a Lei de Terras, como ficaria conhecida que rezava que todas as terras devolutas só poderiam ser apropriadas mediante a compra e venda, e que o governo destinaria os rendimentos obtidos nessas transações para financiar a vinda de colonos da Europa. Matavam-se, assim, dois coelhos com uma só cajadada. De um lado, restringia-se o acesso às terras (devolutas ou não) apenas àqueles que tivessem dinheiro para Comprá-las. De outro, criavam-se as bases para a organização de um mercado de trabalho livre para substituir o sistema escravista. É fácil entender a importância da lei de Terras de 1850 para a constituição do mercado de trabalho. Enquanto a mão-de-obra era escrava, o latifúndio podia até conviver com terras de "acesso relativamente livre" (entre aspas porque a propriedade dos escravos e de outros meios de produção aparecia como condição necessária para alguém usufruir a posse dessas terras). Mas quando a mão de obra se torna formalmente livre, todas as terras têm que ser escravizadas pelo regime de propriedade privada. Quer dizer que se houvesse homem “livre” com terra “livre”, ninguém iria ser trabalhador dos latifúndios. O período que vai da proibição do tráfico e da lei de Terras até a abolição (1850/1888) marca a decadência do sistema latifundiário-escravista. Após 1888, começa a se consolidar no país um segmento formado por pequenas fábricas de chapéus, de louças, de fiação e tecelagem, etc. Essas indústrias servem para fortalecer e consolidar vários centros urbanos que antes eram puramente administrativos - cidades sem vida própria (quer dizer, sem gerar produtos), como se "dizia”: como, por exemplo, São Paulo e Rio de Janeiro. Embora bastante incipiente, esse princípio de industrialização - e a conseqüente urbanização daí decorrente - começa a provocar várias alterações na produção agrícola. Consolida-se a produção mercantil de alimentos fora das grandes fazendas de café: Além da produção de alimentos, os pequenos agricultores têm também a possibilidade de produzir matérias primas para as indústrias crescentes (como por exemplo, o algodão, o tabaco, etc.) uma vez que o latifúndio continua a monopolizar a produção destinada à exportação - o café. PAGE 34 As alterações de preços dessa cultura provocam crises periódicas durante o início do século XX, culminando em 1932, ano em que se dá o auge dos reflexos da crise de 29 sobre o setor cafeeiro. O período que se estende de 1933 a 1955 marca uma nova fase de transição da economia brasileira. Nesse período, o setor industrial vai-se consolidando paulatinamente e o centro das atividades econômicas começa vagarosamente a se deslocar do setor cafeeiro - exportador. A indústria gradativamente vai assumindo o comando do processo de acumulação de capital: o país vai deixando de ser "eminentemente agrícola" (como alguns ainda crêem ser a sua "vocação histórica"). Durante essa fase, a industrialização se faz pela "substituição das importações": um determinado produto que era comprado no exterior, passa a ter sua produção estimulada no país através de barreiras alfandegárias, que incluíam desde impostos elevados até a própria proibição da importação. Mas vai ficando cada vez mais difícil essa substituição. Antes eram tecidos, louças, chapéus; agora são eletrodomésticos, carros, que precisam ser produzidos internamente. E para isso se faz necessário primeiro implantar a indústria pesada no país: siderurgia, petroquímica, material elétrico, etc. - o que é feito no período de 1955/61. Resolvido o problema da indústria, vai-se iniciar o que se poderia chamar industrialização da agricultura. No inicio dos anos sessenta, que corresponde ao final da fase de industrialização pesada no Brasil, instalam-se no país as fábricas de máquinas e insumos agrícolas. Assim, por exemplo, são implantadas indústrias de tratores e equipamentos agrícolas (arados, grades, etc.), fertilizantes químicos, rações e medicamentos veterinários, etc. Evidentemente a indústria de fertilizantes e defensivos químicos só poderia se instalar depois de constituída a indústria petroquímica; a indústria de tratores e equipamentos agrícolas, depois de implantada a siderurgia; e assim por diante. O importante é que, a partir da constituição desses ramos industriais no próprio país, a agricultura brasileira iria ter que criar um mercado consumidor para esses "novos" meios de produção. Para garantir a ampliação desse mercado, o Estado implementou um conjunto de políticas agrícolas destinadas a incentivar a aquisição dos produtos desses novos ramos da indústria, acelerando o processo de incorporação de modernas tecnologias pelos produtores rurais. A industrialização da agricultura brasileira entrava assim numa outra etapa. O diagnóstico da estrutura agrária como obstáculo à industrialização Como já dissemos, no final dos anos cinqüenta e início da década dos sessenta a agricultura brasileira passou a ser um dos temas centrais em discussão. Os vários diagnósticos - entre os mais progressistas e respeitados, diga-se de passagem, como, por exemplo, aqueles inspirados no arcabouço teórico da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) - convergiam na tentativa de mostrar que a nossa estrutura agrária extremamente concentrada era limitante ao processo de industrialização do país. Os argumentos principais, do ponto de vista daqueles que pregavam a necessidade da industrialização do país, diziam respeito à concentração da propriedade (e da posse) da terra nas mãos de uns poucos latifúndios, o que para eles representava: a) Um “estrangulamento" na oferta de alimentos aos setores urbanos, pois a produção reagia menos que proporcionalmente ao crescimento dos preços (em linguagem econômica, era inelástica). Assim, na medida em que fosse aumentando a proporção da população brasileira nas cidades, tenderia a haver uma pressão nos preços dos alimentos, com conseqüente reflexo no crescimento dos salários, tornando inviável o processo de industrialização; b) A não ampliação do mercado interno para a indústria nascente. As fazendas eram Quase que auto- suficientes baseadas numa economia "natural": não adquiriam a grande maioria dos produtos de que necessitavam, confeccionando-os aí mesmo em bases artesanais. Não se podia pensar que a indústria nascente brasileira tivesse condições de competição no exterior, ficando as suas possibilidades de mercado restritas ao país. Como a grande maioria da população ainda vivia na agricultura, esta deveria ser responsável por uma parcela substancial do mercado. Mas a estrutura agrária extremamente concentrada permitia que as grandes fazendas continuassem praticamente auto-suficientes, ou seja, não conectadas à economia como um todo. Daí o diagnóstico de uma estrutura agrária feudal ou com restos do feudalismo, enquanto outros negavam o feudalismo ao ressaltar a sua dependência do setor PAGE 34 Muitos argumentam que essa concentração da posse das terras no Brasil não deve preocupar porque há ainda muitas terras devolutas a serem incorporadas pela expansão da fronteira agrícola. De fato, a expansão da fronteira agrícola nas últimas décadas foi muito grande, mas isso não melhorou a distribuição fundiária do país. Pelo contrário, recentemente, a presença de grandes empresas multinacionais agravou o problema. Entre 1960 e 1970, por exemplo, o número de estabelecimentos agropecuários passou de 3,3 milhões para 4,9 milhões, e a área que ocupavam, de 250 milhões de hectares para 294 milhões, o que significou uma ampliação de 44 milhões de hectares em 10 anos. Em 1975, o Censo Agropecuário indicava 5 milhões de estabelecimentos e uma área de 324 milhões de hectares, o que significou cerca de 30 milhões de hectares a mais em apenas 5 anos, ou seja, um ritmo ainda maior de expansão do que o dos anos sessenta. Mas convém notar que o número de estabelecimentos só aumentou em 100 mil no período de 1970, apenas 40% das famílias ocupadas dedicavam-se à agricultura. Tomando-se os valores absolutos, o aumento das atividades foi de 6,7 milhões no período de 1960/70. Isso significa que na primeira metade da década dos setenta a expansão da fronteira agrícola - ao contrário dos anos sessenta - deu-se com base em grandes fazendas, especialmente na Região Amazônica. Assim, a expansão recente da fronteira agrícola no país, ao invés de melhorar, tem agravado a concentração das terras. Porém, o que significou a manutenção desse padrão de concentração da propriedade da terra tão elevado no Brasil, aliado a uma rápida expansão da fronteira agrícola? Significou que milhares de pequenos posseiros, parceiros, arrendatários e mesmo pequenos proprietários que iam perdendo as terras que. possuíam não tiveram nova oportunidade na agricultura. Em outras palavras, que tiveram de se mudar para as cidades em busca de uma nova maneira (nem sempre satisfatória) de ganhar a vida. Em resumo, a manutenção de um elevado grau de concentração da terra no país funcionou como um acelerador do processo de urbanização Por isso é que quando analisamos a evolução no tempo da força de trabalho ocupada no Brasil, destaca-se a rápida redução relativa do número de famílias ocupadas no setor agrícola. Por exemplo: em 1960, a distribuição da população ativa entre agricultura e indústria era meio a meio; em 1970, apenas 40% das famílias ocupadas no país dedicavam-se à agricultura. Tomando-se os valores absolutos, o aumento "das atividades não agrícolas fica ainda mais evidente: de 6,7 milhões de famílias ocupadas, em 1960, passamos a ter 11,2 milhões em 1970, isto é, quase o dobro. Que importância tem isso? Ora, essa urbanização da população ativa significou exatamente a ampliação do mercado interno para a indústria. O povo da cidade tem que comprar as coisas de que necessita; não pode produzi-las na sua própria casa, como muitas vezes ocorria nas fazendas. Esse processo de urbanização significou também uma transformação nas próprias atividades agrícolas. As fazendas não podiam mais ser auto-suficientes na produção de alimentos e dedicarem-se apenas à comercialização dos produtos de exportação. Era preciso produzir para alimentar o povo das cidades. Para fazer frente a essa demanda crescente do setor urbano, desenvolveu-se uma produção mercantil de alimentos para abastecer o consumo interno do país. Mas a transformação da agricultura brasileira nos anos sessenta não parou na expansão do setor mercantil de alimentos. Na medida em que as propriedades se voltavam mais e mais para o mercado, houve também uma transformação qualitativa interna a elas: uma especialização da produção. Quer dizer, não eram mais fazendas no sentido genérico, que produziam tudo, desde o arroz, o leite, até a cana e o café. Agora eram fazendas de cana, fazendas de café, fazendas de leite, fazendas de arroz, etc. Mas não foi também uma especialização apenas de produção: a própria concepção da produção agrícola se especializou. Antes, as fazendas produziam tudo o que era necessário à produção: os adubos, os animais e até mesmo alguns instrumentos de trabalho, bem como a própria alimentação dos seus trabalhadores. Agora, não: os adubos são produzidos pela indústria de adubos; parte dos animais de trabalho foi substituída pelas máquinas produzidas pela indústria de máquinas e equipamentos agrícolas, etc. Isso significa que a própria agricultura se especializou, cedendo atividades para novos ramos não agrícolas que foram sendo criados. Em outras palavras, a própria agricultura se industrializou, seja como compradora de produtos industriais (principalmente Insumos e meios de Produção) seja como compradora de produtos indústrias (principalmente insumos e meios de produção) - seja como produtoras de matérias- primas para as atividades Industriais. PAGE 34 A moral da estória é simples: a própria industrialização criou o mercado de que necessitava para sua expansão. De um lado, pelo processo simultâneo de ampliação da fronteira agrícola e de urbanização crescente da população anteriormente dedicada às atividades agropecuárias. De outro lado, pelas transformações que provocou na própria agricultura, ao transformá-la também numa "indústria", que compra certos insumos (adubos, máquinas) para produzir outros insumos (matérias-primas para as indústrias de alimentos, tecidos, etc.). É importante destacar aqui um aspecto fundamental da economia capitalista, de que não se deram conta muitos dos que afirmavam que a estrutura agrária seria um obstáculo à industrialização: à ampliação do mercado não é a apenas o aumento do consumo de bens finais, mas principalmente o crescimento do consumo de bens intermediários. Para exemplificar, tomemos uma economia imaginária que produza apenas 100 pães. Uma coisa é esses pães serem produzidos por camponeses que plantam eles mesmos o trigo, fazem a farinha e consomem os pães. Outra coisa é quando o trigo é produzido por uma fazenda, que por sua vez compra adubos químicos de uma fábrica, depois vende o trigo aos moinhos, que por sua vez compram sacos de algodão, para embalar a farinha, de outra fábrica, a qual por sua vez compra algodão, para fazer sacos, de outra fazenda; a farinha finalmente é vendida às padarias que fazem os mesmos 100 pães, que são agora vendidos aos que trabalham nas fábricas e nas fazendas. Evidentemente, no caso dos camponeses que produzem o que consomem não existe mercado algum. Mas a produção final é a mesma do caso em que os 100 pães são produzidos parcial mente por inúmeras fazendas e fábricas. Isso nos leva à conclusão de que quanto maior for a circulação da produção - ou, visto pelo lado da oferta, quanto maior o número de fases de processamento do produto final - maior é o mercado numa economia capitalista. O valor final da produção - os 100 pães - pode até mesmo, numa situação hipotética, continuar o mesmo, porque a ampliação do mercado se faz basicamente pelo lado da oferta, à medida que se especializa a própria atividade produtiva. Por isso é que não foi fundamental para a ampliação do mercado para a indústria brasileira o aumento do poder aquisitivo das "massas rurais", pois essa ampliação não depende exclusivamente (nem principalmente) do poder aquisitivo da população. Ao contrário, a ampliação do mercado interno para a industrialização brasileira se fez, como em todo o mundo capitalista, pela proletarização dos camponeses: através da sua expropriação como produtores independentes, convertendo-os em miseráveis "bóias-frias". Evidentemente não esta mos querendo dizer que essa ampliação do mercado interno tivesse que ser necessariamente feita dessa maneira. Ou que não fosse possível ter sido também conseguida de outra maneira, como, por exemplo, por uma reforma agrária no campo e um aumento dos salários reais dos trabalhadores. A explicação para o fato de não termos trilhado outra via - democrática talvez - de desenvolvimento do capitalismo no país deve ser buscada não nas questões econômicas, mas sim nos interesse e poder dos grupos sociais envolvidos nesse processo. Em outras palavras, a escolha deste ou daquele caminho foi um questão “eminentemente” política. E enquanto tal só pode ser desvendada à luz dos conflitos que permearam a história recente da sociedade brasileira, o que escapa ao âmbito deste trabalho. Finalmente, vale à pena ressaltar que o desenvolvimento do capitalismo, em particular no campo, é um caminho sempre cheio de contradições, e não havia de ser diferente no caso brasileiro. Pelo contrário, as contradições aqui foram acentuadas tanto pelo caráter extremamente desigual do desenvolvimento das várias regiões do país, como pela presença marcante do Estado nesse processo. A Questão Agrária nos Anos Setenta Já vimos anteriormente que determinadas maneiras de resolver a questão agrícola podem acabar agravando os problemas que dizem respeito à questão agrária. E que isso foi exatamente o que aconteceu no nosso país: a rápida industrialização da agricultura brasileira a partir dos anos sessenta agravou ainda mais a miséria de expressivos contingentes da nossa população. Mas ainda não especificamos as mudanças recentes ocorridas na agricultura brasileira, nem explicamos por que elas implicaram num agravamento da questão agrária. Para isso selecionamos três PAGE 34 grandes modificações ocorridas na última década e que, em nossa opinião, tenderão a marcar profundamente o comportamento da agricultura brasileira no futuro próximo: a) o fechamento de nossas fronteiras agrárias, envolvendo as questões de colonização da Amazônia e da participação da grande empresa pecuária deslocando a pequena produção agrícola; b) o Progresso acelerado de modernização da agricultura no Centro-Sul do país; c) a crescente presença do capitalismo monopolista no campo ou seja, de grandes empresas industriais que passaram a atuar tanto diretamente na produção agropecuária propriamente dita, como fortaleceram sua presença no setor de comercialização e de fornecimento de insumos para a agricultura. Vamos detalhar as conseqüências de cada uma dessas transformações, para em seguida tentar uma análise das suas principais interdependências. I) O "fechamento" da fronteira agrícola: O padrão de crescimento da nossa agricultura supôs sempre uma variável fundamental: a incorporação de novas áreas à produção ou seja a existência de uma fronteira agrícola em expansão. A fronteira não é necessariamente uma região distante, vazia no aspecto demográfico. Ela é fronteira do ponto de vista do capital, entendido como relação social de produção. Não se deve pensar, pois, que a fronteira é algo externo ao "modelo agrícola" brasileiro, se é que podemos nos expressar assim. Ao contrário, a fronteira é simultaneamente condicionante e resultado do processo de desenvolvimento da agricultura brasileira. Vale dizer, a existência de "terras – sem - dono" na fronteira funciona como um regulador da intensificação de capital no campo, condicionando assim o seu desenvolvimento extensivo/ intensivo. Em sentido contrário, o custo da intensificação de capital na agricultura determina o ritmo de incorporação produtiva das terras na fronteira. A expansão da fronteira vinha desempenhando pelo menos três funções básicas no "modelo agrícola" brasileiro. A primeira, no plano econômico, é que a fronteira era um "armazém" de gêneros alimentícios básicos, especialmente arroz e feijão. Quando a produção capitalista recuava por algum problema (seja de preço, seja de alteração climática), havia um suprimento do mercado nacional através do escoamento dos "excedentes" da pequena produção camponesa, funcionando como estabilizador dos preços. Quando, entretanto, a fronteira se "fecha", esse efeito de amortecimento tem que ser buscado na importação de produtos agrícolas e tabelamento dos preços. A segunda, diríamos no plano social é que a fronteira representava uma orientação dos fluxos migratórios, era o "locus" da recriação da pequena produção, ou seja, o destino das famílias camponesas expropriadas e dos excedentes populacionais. Quando a fronteira se "fecha", passa a haver uma multiplicação de pequenos fluxos migratórios e um grande contingente populacional passa a perambular desordenadamente por todo o país. A terceira função, digamos, no plano político é que a fronteira era a "válvula de escape" de tensões sociais no campo e projetos de colonização no Brasil sempre foram pensados politicamente como alternativas a uma reforma agrária que mudasse a estrutura de propriedade da terra nas regiões Nordeste e Centro-Sul. Na medida em que se aguçavam tensões sociais, conflitos potenciais, pressões políticas e econômicas, a fronteira aparecia como o "novo Eldorado" para os pequenos produtores. E hoje o que se vê é que a própria fronteira está se tornando uma região 'de conflitos sociais pela posse da terra. Quando dizemos que a fronteira está se fechando rapidamente, não estamos pensando no conceito clássico de que não há mais terras para serem incorporadas ao processo de produção. O "fechamento" não tem o sentido de utilização produtiva do solo, mas sim de que não há mais espaços que possam ser ocupados por pequenos produtores de subsistência (são esses espaços que estamos chamando de "terras – sem - dono"). Na Amazônia o "fechamento" não se dá por uma ocupação no sentido clássico de expansão das áreas exploradas a partir de regiões mais antigas, onde a produção capitalista substitui a produção de subsistência, como se deu no Sudoeste do Paraná e no Sul de Mato Grosso. Pelo contrário, um "fechamento de fora para dentro", onde a importância da terra como meio de produção passa a um plano secundário, frente às funções de "reserva de valor" contra a corrosão inflacionária da moeda e de meio de acesso a outras formas de PAGE 34 indústria é altamente oligopolizada e com sofisticados padrões tecnológicos determinados em função das necessidades de economias mais desenvolvidas, a agricultura precisa reter mão-de-obra, criar empregos, ao contrário do que se propaga nas suas chamadas "funções clássicas", que valiam para a época do nascimento do capitalismo concorrencial. Nesse sentido, é importante salientar que a modernização, ainda que parcial da agricultura brasileira só têm sido possível graças à fundamental ação do Estado, subsidiando a aquisição de insumos, máquinas e equipamentos poupadores de mão-de-obra. Enquanto esses produtos chegam endividados com altas taxas de juros reais negativas (em alguns casos superiores a 25% a.a.), os salários carregam sobre si um ônus adicional de pelo menos 30% para o empregador. E, como ainda assim se mostram competitivos, isso nada mais demonstra do que os baixos níveis de remuneração a que estão submetidos os trabalhadores rurais brasileiros. III) A crescente presença do capital monopolista no campo A terceira importante modificação na agricultura brasileira, e que tende a refletir profundamente sobre o seu comportamento no futuro próximo, é a crescente presença dos grandes capitais no campo. Essa presença aumentou tanto do ponto de vista de sua participação na produção agropecuária propriamente dita, como também do ponto de vista da sua participação controlando o processamento dos produtos agrícolas e a venda dos insumos adquiridos pelos agricultores. Em relação à presença do grande capital na produção agropecuária, já comentamos alguns dos seus aspectos quando tratamos do "fechamento" da fronteira agrícola. Muitos poderiam pensar, entretanto, que a grande empresa agropecuária tem a sua expansão restrita a essas regiões de fronteira. Ledo engano: os dados mais recentes revelam um crescimento generalizado no grau de concentração fundiária no país. Por exemplo, entre 1970 e 1975, o índice de Gini de concentração da posse da terra no Brasil, calculado a partir dos dados censitários, se elevou de 0,840 para 0,855, que é um acréscimo significativo para um curto período de 5 anos, ainda mais se tendo em vista que vinha se mantendo estável pelas três últimas décadas. A concentração da propriedade da terra também se acentuou, a julgar pelos dados do cadastro do INCRA, no período de 1972/76, tendo o índice de Gini aumentado de 0,837 para 0,849, considerado um dos níveis mais altos do mundo. Esse aumento do grau de concentração fundiária, seja da posse, seja da propriedade da terra, deveu-se em parte à política de ocupação da fronteira amazônica através das grandes empresas pecuárias, deslocando a pequena produção agrícola, como já dissemos anteriormente. Parte significativa, contudo, deveu-se à expansão das grandes propriedades na região Centro-Sul, em especial nos Estados de Goiás, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, vale dizer, nos estados de agricultura mais modernizada. Esse processo de modernização do Centro-Sul resultou na expropriação de pequenos produtores, em particular daqueles que detinham formas precárias de acesso à terra, como os posseiros, parceiros e pequenos arrendatários. Vale a pena enfatizar que esse aumento do grau de concentração fundiária se deu em inúmeros casos pela utilização da terra não como meio de produção, mas fundamentalmente como reserva de valor e meio de acesso ao crédito rural e aos incentivos fiscais, ou, simplesmente, como especulação imobiliária. Mas deixemos de lado esses aspectos para nos dedicarmos um pouco à questão da crescente dominação do grande capital no campo a jusante e a montante do produtor rural, isto é, na venda dos insumos e na compra da produção agropecuária. Podemos dizer que a renda do produtor rural, especialmente do pequeno, nas regiões de agricultura mais desenvolvida, encontra-se duplamente prensada De um lado, pela compra de insumos agrícolas num mercado oligopolista, isto é, onde existem alguns poucos grandes vendedores que controlam os preços de venda, os quais vão ser os custos do agricultor. Do outro lado, pela venda de sua produção em mercados que podemos chamar de monopsônicos ou quando muito oligopsônicos, ou seja, onde há relativamente poucos compradores e/ou em que há uma tendência ao fortalecimento de apenas um grande comprador. Essa articulação entre vendedores de insumos, pequenos produtores e grandes compradores dos produtos agrícolas ocorre sob as mais variadas formas. Por vezes é o caso das redes de supermercados que passam a comprar diretamente dos produtores ou das cooperativas, que desempenham também aí o papel de vendedoras de insumos, como acontece nos hortifrutigranjeiros em geral. Outras vezes é o caso das PAGE 34 agroindústrias que estabelecem contratos diretamente com os pequenos produtores, como é o caso do tomate, do fumo e de outras atividades de alto risco e que são bastante exigentes em termos de mão-de-obra por ocasião dos tratos culturais. Em outros ainda, o pequeno produtor se vê preso em sistemas de comercialização que foram teoricamente criados para favorecê-lo e se converteram numa fórmula mais eficiente de espoliá-lo, como é o caso dos CEASAs (que acabaram fortalecendo os grandes intermediários) e as cooperativas que acabaram representando apenas interesses próprios ou de uma minoria de grandes cooperados. Essa articulação entre o grande capital industrial e/ou comercial e a pequena produção modifica fundamentalmente o papel que até então esta desempenhava na agricultura brasileira. De um lado, esses pequenos produtores deixam de ser produtores de subsistência, no sentido de ofertarem o "excedente" e passam a produzir fundamentalmente para o mercado. E agora, como pequenos produtores mercantis, não se ligam necessariamente à produção de gêneros de subsistência, dedicando-se muitas vezes também às chamadas "culturas de rico". De outro lado, porém, se devemos concordar que eles se tecnificam, dificilmente poderíamos admitir que a pequena produção esteja sofrendo um processo geral de diferenciação, de modo a convertê-los em pequenos capitalistas do "tipo farmer" (parece-me ser o caso de urna tecnificação sem capitalização, entendendo que a capitalização implica num processo de diferenciação social e econômica). Essa tecnificação ocorre na maioria das vezes por imposição do grande capitalista comprador, que exige urna padronização da produção, ou por necessidades inerentes ao próprio tipo de cultivo. Não se deve esquecer que as variedades selecionadas que existem para a grande maioria das "culturas de rico" só são altamente produtivas quando acompanhadas de um verdadeiro "pacote tecnológico". Tampouco se deve esquecer que esse pacote é uma imposição do grande capital industrial que produz os chamados insumos modernos para a agricultura. O fundamental aí não é o aumento da produção em si, mas sim que os pequenos agricultores passem a desempenhar um novo papel, o de compradores de insumos industriais, mesmo que isso se reflita numa elevação dos seus custos. É importante entender que foi esse processo de tecnificação da pequena produção que representou uma completa modificação na sua estrutura de custos. Antes, o pequeno produtor de subsistência utilizava-se quase que exclusivamente da terra e da mão de obra familiar não remunerada para produzir seus "excedentes". Agora, entretanto, o pequeno produtor mercantil tem custos monetários elevados, devido aos insumos modernos que necessita utilizar. Ele não pode mais vender a sua produção "a Qualquer preço", como na economia do "excedente", pois tem agora um custo mínimo a cobrir. Em outras palavras, o fato de a agricultura se transformar numa crescente consumidora de insumos industriais tem implicado um crescimento mais rápido dos preços dos produtos agrícolas, sem que necessariamente o produtor se beneficie desses acréscimos. Mesmo onde a pequena produção não se tecnificou, como ainda é o caso dos gêneros alimentícios básicos, o fortalecimento dos oligopsônicos mercantis tem-se refletido num encarecimento da alimentação básica ao nível do consumidor urbano, especialmente de baixa renda, além de atribuir à agricultura um componente inflacionário significativo. O fechamento da fronteira amazônica. Na foto máquinas do projeto Jarí, responsável pela ocupação de grande parte do território amazônico. A expropriação crescente da pequena produção no Centro-Sul do país, aliada à dificuldade de sua recriação na fronteira "fechada", tem implicado numa redução gradativa da sua importância como produtora de alimentos para trabalhadores brasileiros em geral. Por outro lado, essa redução obrigou o grande capital industrial do setor de processamento de alimentos a satisfazer uma parcela crescente da cesta de consumo desses trabalhadores, que acabaram por substituir a tradicional combinação toucinho, arroz e feijão por óleo vegetal, macarrão e farinhas. Mas, se a pequena produção perde importância como ofertante de gêneros alimentícios, paralelamente ela ganha destaque como reservatório de braços para as atividades capitalistas. Para fazer frente à dupla compressão na sua renda tanto pelo lado da compra de insumos, como pelo da venda de suas mercadorias, o pequeno produtor e os membros de sua família têm que se assalariar PAGE 34 temporariamente nas grandes propriedades vizinhas, o que se torna compatível com os momentos de pico de demanda de mão-de-obra acentuados pela modernização parcial da agricultura, especialmente no Centro- Sul. Esse um dos mecanismos responsáveis pelo aumento da rotatividade da população rural em todo o país. É importante destacar que essa mesma modernização do Centro-Sul é também responsável pela constituição de um novo fluxo migratório, a partir dessa região, em direção a Rondônia, Acre e, mais recentemente, Amazonas e Roraima. Ora, na medida em que esses últimos se esgotam, os fluxos migratórios que se dirigirem para a fronteira “fechada" tenderão a ser "rebatidos" para as grandes metrópoles do Centro- Sul, agravando o caos em que se encontram, ou forçarão uma rápida urbanização da própria região Norte. O risco de uma "urbanização precoce" nessa região torna-se bastante real na medida em que para lá continuam a se dirigir grandes levas de população que já não têm acesso à terra. Surgem, então, verdadeiras cidades no meio da selva, como se costuma dizer, obrigando o Poder Público a correr atrás desses fluxos migratórios, para garantir as condições mínimas à sua sobrevivência urbana. O fechamento da fronteira amazônica deverá recolocar a questão da ocupação efetiva da "fronteira interna" da região Centro-Sul, é sabido que cerca de um terço da área total das propriedades agrícolas dessa região não é efetivamente explorada. E mais: uma fração significativa da área explorada com pecuária refere-se a pastos naturais, especialmente nas zonas de campos de cerrados, com baixíssima lotação por unidade de área. Parece evidente que, entre ocupar produtivamente a Amazônia e os cerrados do planalto central, esta última opção deverá prevalecer. Isto porque tem a seu favor uma renda diferencial de localização, uma infra-estrutura de transportes, além, de ter solos mais favoráveis à mecanização, de fácil desmatamento e possivelmente de fertilidade igual ou superior à média da região Amazônica. Assim, o fechamento da fronteira amazônica, juntamente com a ocupação da "fronteira interna" do planalto central, levarão a uma modernização ainda maior da agricultura do Centro-Sul. Como já dissemos anteriormente, a não existência de "terras livres" obriga a que a agricultura se capitalize para responder ao crescimento da demanda de alimentos e matérias-primas. E essa capitalização será mais intensa nas terras que apresentarem maiores rendas diferenciais, seja pela localização, seja pela fertilidade. Como se o capital tivesse que criar mais terras: o caminho possível será o aumento da produtividade por hectare através das tecnologias físicas, químicas e biológicas, ou seja, fertilizantes, sementes melhoradas, novas práticas agrícolas, etc. é: possível, então, que a difusão das inovações biológicas se dinamize e tenda a acompanhar ainda mais de perto as inovações mecânicas. Neste caso, a produtividade do trabalho nas grandes propriedades tenderá a crescer simultaneamente à produtividade da terra nos pequenos estabelecimentos, milagre que os agrônomos e os poetas acreditam ser a redenção dos agricultores brasileiros. Mas certamente esses aumentos de produtividade virão acompanhados de uma presença cada vez maior de capitais monopolistas controlando tanto a venda dos insumos básicos como a comercialização e o processamento dos produtos agrícolas. E será submetido a esse estreito controle oligopolista e monopsônico que o pequeno agricultor terá que organizar o seu orçamento, incorporando cada vez mais o trabalho dos membros da família, tanto na própria produção, como na forma de trabalho assalariado alugado temporariamente. Parece-nos evidente, portanto, que a "velha" agricultura, entendida como um "setor autônomo" tende gradativamente a desaparecer. A agricultura do futuro, tal como já se esboça hoje em algumas regiões do país, será apenas mais um ramo da indústria, com pequenas especificidades ligadas ao papel desempenhado pela terra como meio de produção. De um lado, receberá matérias-primas de certas indústrias, como as de adubos, de defensivos, de máquinas, de sementes e mudas selecionadas; de outro, fornecerá insumos a outras indústrias, como as de tecidos, alimentos processados, calçados, etc. Aí então a produção agropecuária deixará de ser uma esperança ao sabor das forças da Natureza, para ser uma certeza sob o comando do Capital. Ou seja, se faltar chuva, irriga-se: se não houver solos suficientemente férteis, aduba-se; se ocorrerem pragas, e doenças, responde-se com defensivos ou técnicas biológicas; e se houver ameaças de inundação, estarão previstas formas de drenagem. Mas esse é um longo caminho a ser percorrido a partir do marco que temos hoje na agricultura brasileira. O importante é que, da mesma maneira como o capital tentará encontrar suas próprias formas de PAGE 34 de sua família não conseguem retirar daquela terra o necessário para a sua reprodução como pequenos proprietários. A organização do trabalho nessas pequenas unidades se assenta basicamente sobre a família, incluindo o próprio proprietário e seus dependentes que aí prestam serviços sem remuneração. Segundo os dados do INCRA, a participação da família na composição da força de trabalho permanente dessas pequenas propriedades é superior a 80%. Ainda segundo o INCRA, os imóveis classificados como minifúndios representavam 72% das propriedades cadastradas em 1972, mas ocupavam apenas 12% da área. Mesmo assim, eram responsáveis por cerca de 50% da área colhida no Brasil com produtos básicos de alimentação (arroz, feijão, fava, mandioca e milho), bem como, por estranho que possa parecer, por mais de 30% da área colhida com produtos de transformação industrial (destacando-se o algodão, amendoim, cacau, café, chá, fumo e mamona). Ou seja, os pequenos proprietários minifundistas não têm apenas importância na produção de alimentos básicos, consideradas "culturas de pobre", mas também nas matérias-primas industriais de origem agrícola, tidas como "culturas de rico". E aí não necessariamente empregam uma "tecnologia atrasada", como dizem certos técnicos governamentais que querem estabelecer uma relação de causalidade dessa variável com a situação de miséria dos pequenos produtores rurais na pressão do grande proprietário vizinho, do comerciante e do usurário, na presença de grandes capitais controlando a venda de insumos e a compra de seus produtos, que se deve buscar a razão última da miséria desses pequenos produtores minifundistas. b) Pequenos posseiros: Inicialmente é preciso distinguir os verdadeiros posseiros os quais, regra geral, são pequenos produtores que buscam um pedaço de terra pra subsistir dos falsos posseiros. Estes últimos, conhecidos por grileiros, aqueles que Forçam a valorização das terras. Principalmente em onde abertura de estradas e captação de incentivos fiscais e, aproveitando-se da inexistência de Títulos em mãos dos pequenos posseiros, tomam-lhas as terras que cultivam. Segundo dados do INCRA de 1972, mais de 80% dos posseiros cadastrados são minifundistas, com uma área média de menos de 20 ha. Nas regiões de estrutura agrária consolidada (Nordeste, Sudeste, Sul), os posseiros minifundistas cadastrados detêm mais de 40% da área de posse dessas regiões. Nas regiões "novas" (Norte e Centro-Oeste), entretanto, essa fração não chega a 10%. Isso significa que, nas regiões mais novas (onde a área total de posse é bem maior), a grande parte dessa área não pertence aos pequenos e sim aos grandes posseiros. Isso revela também que a sistemática de ocupação nas regiões de expansão da fronteira agrícola - que alguns consideram uma forma "democrática" de acesso a terra - não se dá com igualdade de oportunidades. O grande posseiro expulsa o pequeno, seja através de manipulações judiciais, seja através da violência Pura e simples. Portanto, a posse nas regiões mais novas, pela desigualdade que estabelece desde o início, tende a produzir a mesma estrutura agrária existente nas regiões mais antigas, onde o grande número de pequenos proprietários e têm íntimas parcelas de terra. Os pequenos posseiros representam um contingente de cerca de 2,4 milhões de pessoas ocupadas no campo, o que significa cerca de 16% da força de trabalho empregada em caráter "permanente" na agricultura brasileira. Além dos mais de 500 mil posseiros minifundistas registrados pelo INCRA, que se supõe, tenham uma certa "fixação" na área de terra que exploram, é preciso acrescentar quase outros 500 mil ocupantes temporários" ou "posseiros itinerantes". Estes seriam os pequenos posseiros que são continuamente expulsos à medida que se consolida a fronteira agrícola nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste-Ocidental (Maranhão Piauí), através da expansão da pecuária e/ou grilagem pura e simples de suas terras. Os pequenos posseiros têm uma forma de ocupação de trabalho também baseado na força familiar, de modo semelhante ao dos proprietários minifundistas. Sua especificidade é dada pelo fato de deterem apenas a posse, mas não a propriedade da terra; em outras palavras, usufruem a terra sem que detenham a propriedade jurídica da mesma, o que os coloca como alvo predileto das ações de grilagem. PAGE 34 c) Pequenos rendeiros Este grupo é constituído basicamente pelos pequenos arrendatários e parceiros, bem como pelos subarrendatários, "falsos parceiros", agregados e moradores todos enfim, que pagam ao proprietário da terra, renda em trabalho, renda em produtos, ou mesmo uma renda em dinheiro (em proporção fixa ou variável da sua produção), mas onde é sempre presente a uma forma de coerção extra-econômica. Segundo os dados disponíveis, esse grupo representa cerca de 4,0 milhões de pessoas que têm na agricultura a sua "atividade permanente", o que dá uma participação relativa de cerca de 25% da força de trabalho ocupada no campo. É preciso destacar que a grande maioria dos arrendatários e parceiros existentes no país é constituída por pequenos produtores baseados fundamentalmente na mão-de-obra familiar, que se utilizam de trabalhadores assalariados temporários unicamente como um complemento no período de maiores atividades agrícolas. Os pequenos rendeiros são aqueles fundamentalmente uma "reserva interna de mão-de-obra" e uma maneira de complementação da exploração das terras nas grandes propriedades. Em geral partilham pequenas áreas, quase sempre inferiores ao módulo rural, das quais obtêm um rendimento insuficiente para garantir a sua sobrevivência enquanto pequenos produtores de mercadorias, razão pela qual constituem grande parte do contingente de trabalhadores rurais que se assalariam temporariamente nas grandes propriedades por ocasião dos picos de demanda de força de trabalho nas épocas de colheita. d) Empregados assalariados De acordo com a Tabela 1, os empregados assalariados representam cerca de 4,9 milhões de pessoas ocupadas, ou seja, cerca de um terço da força de trabalho empregada na agricultura brasileira. Este é o grupo mais heterogêneo dos apresentados na Tabela 1. Inclui desde o que o Censo considera como empregados permanentes (tratoristas, feitores, retireiros, mensalistas) até os classificados como assalariados temporários contratados ou não por empreitadas. Segundo o INCRA, os assalariados permanentes representavam, em média, cerca de 10% da mão de obra residente ocupada na agricultura brasileira. Embora aparentemente pequena, a participação dos assalariados permanentes é significativa, uma vez que estão ocupados principalmente nas grandes propriedades. Ou seja, os imóveis que utilizam assalariados permanentes, embora representem apenas 10% dos imóveis rurais, ocupam cerca de 34% da área total cadastrada do país. Já os trabalhadores assalariados temporários representam pelo menos metade da mão-de-obra ocupada nos momentos de maior atividade agrícola, como, por exemplo, a colheita. O trabalho assalariado temporário tem uma importância relativa muito grande, seja se considerarmos as várias regiões ou estados brasileiros –seja se considerarmos os vários tamanhos de propriedades. Apenas nos imóveis de menos de 100 ha. os assalariados temporários não representam o maior contingente empregado nos momentos de pico das exigências de mão-de-obra. Deve-se lembrar que a noção de temporário Inclui na verdade dois tipos de trabalhadores. O Primeiro, trabalhador assalariado "puro", que vive exclusivamente da venda da sua força de trabalho e, em geral, reside nas periferias das pequenas e médias cidades do interior. Esses trabalhadores são encontrados com maior freqüência na região Centro-Sul, onde são conhecidos como "bóias-frias", volantes etc.; mas existem também em outras regiões, como os "clandestinos” e os "moradores da rua" do Nordeste. O segundo tipo de assalariado temporário é formado por pequenos proprietários posseiros e parceiros e arrendatários que se empregam fora de sua unidade em determinadas épocas determinadas que não conseguem assegurar a sua subsistência unicamente com base na sua própria produção, ou seja, são os “operários – camponeses” de que falamos no início do capítulo. As estatísticas disponíveis não permitem uma não permitiram uma boa aproximação do número de pessoas envolvidas em trabalhos temporários na agricultura brasileira, nem muito menos indicações que possibilitem distinguir os "assalariados puros", ou seja, aqueles trabalhadores rurais que são sempre assalariados, daqueles que são assalariados apenas algumas épocas do ano. Acreditamos que apenas em algumas regiões do país os assalariados "puros" representem atualmente a parcela majoritária da força de trabalho ocupada na agricultura, como, por exemplo, no Estado de São PAGE 34 Paulo, Sul de Minas, Norte do Paraná, Zona da Mata de Pernambuco, Sudeste de Mato Grosso do Sul e Goiás, Depressão Central do Rio Grande do Sul, para citar as mais conhecidas. Nas demais regiões do país, ainda hoje a forma principal de trabalho assalariado parece ser representada pelo "operário-camponês", especialmente nas regiões Nordeste e Centro-Sul, com as exceções já indicadas. O Sindicalismo Rural Brasileiro A estrutura do sindicalismo rural brasileiro é composta atualmente de uma confederação a nível nacional, 21 federações (além de delegacia no Acre) a nível estadual e mais de 2000 sindicatos a nível municipal. O seu modelo de inspiração, como, aliás, o de toda a estrutura sindical brasileira, foi a “corporação fascista” de Mussolini, tendo sofrido nesses anos todos apenas modificações com o objetivo de tornar esses órgãos de classe ainda mais atrelados ao Estado. Ainda hoje, por exemplo, o Ministério do Trabalho (MT) "fiscaliza" as atividades sindicais no Brasil. Isso significa que: a) as entidades têm que ser registradas no MT para obter o seu reconhecimento jurídico; b) as eleições são regulamentadas pelo MT, sendo que os candidatos têm que ser previamente aceitos é posteriormente referendados e empossados pelo MT (é comum, por exemplo, o caso de candidatos aceitos previamente serem depois vetados em função do que disseram durante a campanha); c) o MT se reserva o poder de intervir nos sindicatos, de aprovar os programas da diretoria, de fiscalizar os orçamentos e de bloquear as suas contas bancárias; d) a contribuição sindical é compulsória (um dia de salário por ano por empregado registrado), sendo o dinheiro distribuído pelo MT. A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), que é hoje o órgão máximo do sindicalismo rural brasileiro foi funda da no final de 1963, tendo sido reconhecida em janeiro de 1964. Mas em abril desse mesmo ano, dias depois do golpe militar, sofreu uma intervenção que terminaria formalmente em 1965. Nesse período o sindicalismo rural que nascia no país sofre o que os estrategistas militares classificariam de uma "política de terra arrasada": nem mesmo os chamados "sindicatos cristãos", organizados por setores progressistas da Igreja para se contraporem à ação do Partido Comunista, conseguiram evitar as intervenções e prisão de seus líderes mais expressivos. A diretoria eleita para a CONTAG em 1965 permaneceu até 1967. Na sua forma de agir procurou sempre não hostilizar o governo militar, na intenção de minorar a repressão ao movimento sindical, atuação essa que se poderia sintetizar pelas expressões: "colocar panos quentes" e "apagar incêndios". Em 1968, essa postura modifica-se com a vitória da oposição, passando a CONTAG a empreender um esforço contínuo para expressar e defender efetivamente os interesses dos trabalhadores rurais. Essa nova diretoria (com pequenos ajustes) vem se mantendo à frente da CONTAG em sucessivas reeleições, tendo recentemente reafirmado sua liderança por ocasião do III Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais realizado no mês de maio de 1979 em Brasília. Mesmo seus opositores mais ferrenhos reconhecem que não se trata de "pelegos", como aconteceu em outras confederações sindicais brasileiras. Evidentemente, muitas críticas têm sido feitas à atuação da CONTAG nesse período. Entre elas destacam-se a de que não tem dado suficiente ênfase na organização das bases, a de manter urna postura estritamente legalista (decidindo o que pode e não pode ser feito em função da legislação existente, de pareceres jurídicos, etc.) e a de não buscar alianças nos setores mais progressistas da sociedade brasileira. Em resumo, a ação da CONTAG, segundo seus críticos, tem sido a de "encaminhar as questões às autoridades competentes", sem exercer uma forte pressão reivindicatória por outros meios. Isso se justifica em parte pelo fato de a CONTAG não dispor de maior sustentação nas suas próprias bases, e em parte pela falta de apoio sistemático de outros setores da sociedade brasileira nesses anos todos de repressão. Sendo ou não essas críticas procedentes - e algumas realmente o são -, não se pode deixar de destacar os méritos da CONTAG. O maior deles, sem dúvida, é o de ter mantido acesa a chama da luta dos trabalhadores rurais brasileiros contra o monopólio da terra. PAGE 34 "operários-camponeses" que a reivindicam. Também os assalariados têm na reforma agrária sua bandeira de luta política. A reforma agrária que os trabalhadores em geral reivindicam não é a pulverização antieconômica das terras, é sim, uma redistribuição da renda, de poder e de direitos, aparecendo as formas multifamiliares e cooperativas como alternativas viáveis para o não fracionamento da propriedade. Em resumo, não desejam a mera distribuição de pequenos lotes, o que apenas habilitaria a continuarem sendo uma forma de barateamento da mão de obra para as grandes propriedades, mas almejam uma mudança na estrutura política e social s obre o campo, sobre o qual se assenta o poder dos grandes proprietários de terra. A reforma agrária é para os trabalhadores rurais uma estratégia para romper o monopólio da terra e permitir que possam se apropriar um dia dos frutos do seu próprio trabalho. Para tal é necessário eliminar o latifúndio e incidir sobre dominação parasitária da terra, desde o caso daqueles que deixam a terra inculta à espera de valorização imobiliária, até os que a utilizam para repassar recursos financeiros aos Pequenos produtores rurais. Apesar das enormes desigualdades regionais do país, não se pode ignorar o desenvolvimento econômico por que passou o campo brasileiro, especialmente nas últimas duas décadas, nem as transformações políticas a ele associadas. Em conseqüência dessas transformações, a estratégia de políticas alternativas reivindicadas pelos trabalhadores rurais não se limita à reforma agrária. Ela concede lugar fundamental também a questões como preços mínimos, comercialização, crédito e assistência técnica, políticas essas que, num regime democrático, poderiam estar voltadas para os pequenos proprietários/produtores e não apenas para uma minoria privilegiada de grandes proprietários. O problema fundamental aí, do ponto de vista dos trabalhadores rurais em particular, está em que as políticas agrícolas permanecem orientadas de acordo com os interesses mais imediatos dos grandes capitais, em particular da indústria e dos bancos. E o seu principal beneficiário na agricultura (e, portanto, o aliado desses setores) é o grande proprietário de terras. A política de crédito rural subsidiado ilustra bem essa tríplice aliança entre indústria, bancos e latifundiários, hoje, no Brasil. Como regra, apenas os grandes proprietários têm acesso ao crédito, pelo menos naqueles programas que são mais vantajosos. De um lado, porque o crédito é para comprar coisas que somente os grandes fazendeiros podem comprar: tratores, colhedeiras, adubos e defensivos químicos, etc. De outro, porque a burocracia bancária dá preferência ao grande, porque o custo operacional de um financiamento, por exemplo, de mil cruzeiros é o mesmo que o de um bilhão. Resumindo, ganham os grandes fazendeiros que recebem o crédito subsidiado. Ganham os bancos que fazem o empréstimo, e garantem mais um cliente. E ganham também os fabricantes de tratores, de adubos químicos, de defensivos, etc., de quem esses fazendeiros compram os produtos. Falamos das reivindicações mais amplas dos trabalhadores rurais em geral. Mas existem outras reivindicações que dizem respeito especificamente a este ou àquele grupo de trabalhadores rurais. Ou seja, as reivindicações mais específicas dos trabalhadores rurais variam em função de suas diferenciações internas e das desigualdades do desenvolvimento regional do país, dando origem a um grande número de lutas específicas. Assim, por exemplo, nas zonas "mais modernas" da região Centro-Sul do país, as reivindicações dos assalariados temporários por melhores salários e segurança no trabalho (maior estabilidade, proteção, previdência social, etc.) já se fazem ouvir com grande peso. O ponto central dessas reivindicações parece ser o não cumprimento da legislação trabalhista existente naquilo que ela beneficia o trabalhador rural assalariado (salário mínimo, domingo remunerado, férias, indenização, etc.). Para se ter uma idéia a respeito, basta dizer que mais de 80% dos trabalhadores rurais assalariados ainda não têm sequer suas carteiras anotadas pelo empregador, o que dificulta provar até mesmo a sua condição de empregado. Assim, embora exista um consenso de que as garantias oferecidas pelo Estatuto do Trabalhador Rural e legislação complementar são insuficientes, o problema fundamental enfrentado pelos assalariados rurais no momento reside no desrespeito à própria legislação vigente. Em outras palavras, além de pouco, o que existe em benefício do trabalhador rural não é cumprido. O não cumprimento da legislação, segundo admitem seus próprios líderes mais combativos, está ligado somente em parte ao pequeno número e à morosidade das PAGE 34 Juntas da Justiça do Trabalho. Na verdade, isso se deve muito à fraqueza dos sindicatos de trabalhadores rurais no Brasil, ponto que voltaremos a enfatizar mais adiante. Já na região Nordeste (com as exceções já ressaltadas) e em certas zonas do Brasil Central, destaca-se a luta dos pequenos rendeiros contra os proprietários de terras. Como os trabalhadores rurais em geral, a sua reivindicação específica também é o cumprimento da legislação existente. Mas não apenas da legislação trabalhista propriamente dita, porquanto eles são também assalariados temporários, em algumas épocas do ano, nas grandes propriedades. De modo especial, os rendeiros reivindicam a aplicação da legislação agrária consubstanciada no Estatuto da Terra e textos complementares. Essa legislação limita as exigências que o proprietário pode fazer, quer na partilha dos frutos da parceria, quer nos preços do arrendamento, com o objetivo de impedir condições extorsivas. Entretanto, as normas do Estatuto da Terra constituem ainda um sonho. Segundo as informações prestadas pelos próprios fazendeiros ao INCRA, há um desrespeito generalizado a essa legislação, especialmente no que se refere aos contratos de arrendamento e parceria. Assim, por exemplo, arrendatários e parceiros são obrigados a vender a sua produção ao proprietário, a se abastecer nos armazéns deste, a prestar serviços gratuitos aos proprietários, etc. Acontece que todas essas cláusulas são proibidas expressamente pela lei. Veja o ponto a que chegam as coisas no campo brasileiro: um grande número de proprietários rurais declarou (por escrito e assinado) ao INCRA, por ocasião do cadastro de 1972, que desrespeitavam o Estatuto da Terra. E o INCRA, que é o órgão criado para fiscalizar o cumprimento do Estatuto, não fez nada... Em resumo, a grande maioria dos contratos de parceria e arrendamento no Brasil desrespeita a lei, tanto no que se refere a condições especiais não permitidas, quanto à porcentagem máxima cobrada do parceiro e aos preços do arrendamento das terras. Cumpre destacar ainda, nesse quadro geral das reivindicações dos trabalhadores rurais brasileiros, a luta dos posseiros, em especial dos "posseiros itinerantes", nas zonas de expansão da fronteira agrícola das regiões Norte e Centro-Oeste. Aí há uma obstinada resistência dos posseiros contra a grilagem de suas terras, que é uma das maneiras pelas quais a grande propriedade amplia seus domínios. A questão levantada pelos "posseiros itinerantes" na verdade não é apenas do domínio das terras em si, mas o sentido da sua ocupação. Ele não valoriza a terra como uma forma de propriedade, mas como seu instrumento de trabalho; ou seja, ele precisa da terra para viver, assim como o pedreiro precisa da colher e o pintor do pincel. É a luta desses posseiros que coloca hoje um dos mais profundos questionamentos à propriedade capitalista da terra no Brasil. É aí que a reivindicação "terra para quem trabalha" ganha a sua expressão política mais profunda: o que o posseiro da Amazônia quer não é apenas as suas terras, mas que as terras em si deixem de ter valor. Em outras palavras, a resistência dos posseiros contra os grileiros (que muitas vezes são as empresas sofisticadas multinacionais) é uma luta contra a utilização da terra para fins não produtivos, seja como uma forma de reserva de valor contra a corrosão inflacionária da moeda, Seja como meio de acesso a outras formas de riqueza (minérios, madeiras de lei, incentivos fiscais e crédito farto e barato) etc. No plano mais concreto, os posseiros, de modo geral, reivindicam uma ação efetiva do Estado com vista a titulação de suas terras pelos órgãos que deveriam incumbir-se dessa tarefa, e na verdade, dedicam-se justamente a ajudar os grileiros. Essa ação deveria impedir, acima de tudo, que os programas e iniciativas governamentais visando ao progresso social nas regiões de fronteiras (estradas, etc.) se transformem em meios de enriquecimento de poucos e prejuízo de muitos, como acontece hoje na Amazônia. Essa regionalização das reivindicações específicas dos trabalhadores rurais brasileiros não significa, em absoluto, a inexistência de uma unidade num plano mais geral. O essencial é que todos os grupos citados, em maior ou menor intensidade, dependem da venda de sua força de trabalho para sobreviver, seja por disporem de meios de produção insuficientes (como é o caso dos "operários-camponeses"), seja por não disporem de nada mais para vender além de sua força de trabalho (como é o caso dos bóias-frias). E, enquanto trabalhadores rurais, unem-se à luta dos trabalhadores brasileiros em geral, em busca de melhores condições de vida. PAGE 34 A Retomada da Solução Reforma Agrária" Já vimos anteriormente que a reforma agrária é a aspiração maior dos trabalhadores rurais brasileiros nos dias de hoje. Mas por que a reforma agrária, e qual reforma agrária? Esse debate também não é novo no país. Mas hoje ele tem uma conotação muito distinta da que teve em períodos anteriores. Por exemplo, nos anos cinqüenta, o debate da reforma agrária estava ligado à discussão mais geral dos rumos da industrialização brasileira. Como já dissemos anteriormente, temia-se que a agricultura viesse a constituir um entrave ao processo de industrialização brasileira porque não aumentaria a produtividade dos trabalhadores nela ocupados. Isso significaria que, de um lado, o setor agrícola não responderia às necessidades crescentes de produzir alimentos e matérias-primas de que a industrialização iria necessitar. De outro, que não se elevariam os níveis de renda da população agrícola e, portanto, não se conseguiria um mercado suficiente para consumir os produtos industrializados que se criariam. Mas a expansão da fronteira agrícola, a urbanização acelerada e a industrialização da agricultura acabaram criando simultaneamente a oferta e o mercado consumidor que a industrialização necessitava, como vimos anteriormente. O importante a ressaltar aqui é que a reforma agrária aparecia no fim dos anos cinqüenta como o remédio para a crise agrária e para a crise agrícola por que passava o país. A reforma agrária visava então a alterar a estrutura de posse e uso da terra no Brasil, para que pudesse haver um desenvolvimento mais rápido das forças produtivas no campo. Como se dizia na época, era preciso acelerar a penetração das relações capitalistas de produção na agricultura brasileira. Pretendia-se assim exorcizar os fantasmas dos "restos semi-feudais" escondidos nos latifúndios que atormentavam a vida dos trabalhadores rurais. A reforma agrária, entregando esses latifúndios para os camponeses, suprimiria as "relações pré- capitalistas" (isto é, resolveria a questão agrária) e faria aumentar a produção, uma vez que colocaria as terras ociosas dos latifúndios em cultivo (isto é, resolveria a questão agrícola). Sabemos que essa reforma agrária não foi feita. Que não houve redistribuição de terras, até pelo contrário: os dados mais recentes mostram que a concentração de propriedade aumentou e os trabalhadores rurais se tornaram ainda mais miseráveis. E, no entanto, a estrutura agrária brasileira não constituiu empecilho ao processo de industrialização do país. Já vimos nos capítulos anteriores o erro desse "diagnóstico" e os fatores que levaram a que a agricultura não constituísse um entrave ao processo de industrialização. De maneira resumida, podemos dizer que o desenvolvimento das relações de produção capitalistas na agricultura brasileira conseguiu grandes avanços na solução das questões agrícolas, isto é, dos problemas ligados à produção propriamente dita. Mas, esse desenvolvimento só fez agravar a questão agrária, ou seja, o nível de miséria da população rural brasileira. É nesse contexto que o remédio da reforma agrária ressurge hoje no Brasil em nova embalagem, como reaparece sempre nas épocas de crise das economias capitalistas. A solução "reforma agrária" coloca-se especificamente hoje dentro do contexto de ser uma resolução para a crise agrária brasileira e não mais para a crise agrícola: ela é apenas uma reivindicação dos setores populares e não mais da burguesia, se é que o foi algum dia. Hoje está claro que o processo de desenvolvimento capitalista no Brasil, como em todas as partes, criou riqueza em poucas mãos e miséria generalizada. Muita gente tinha esperança de que esse processo fosse representar não apenas a redenção da burguesia nacional, mas também a dos trabalhadores brasileiros em geral. Por isso, as alianças propostas eram as dos trabalhadores (rurais e urbanos) com a burguesia nacional, contra seus inimigos comuns: o latifúndio e o imperialismo. Hoje, o latifúndio se aburguesou e se internacionalizou. Não são mais apenas os velhos coronéis do Nordeste. Os grandes latifundiários, hoje, são também os bancos e as grandes multinacionais: o BRADESCO, a Volkswagen, a Jarí. O capitalismo brasileiro mostrou no campo uma face do seu desenvolvimento profundamente prejudicial e parasitária, não só do ponto de vista dos trabalhadores, mas também da sociedade no seu conjunto. É ilustrativo, por exemplo, o nível que atingiu a especulação imobiliária, com a propriedade da PAGE 34
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