Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Anestesia: Vitoria sobre a dor, Notas de estudo de Enfermagem

A anestesia como especialidade médica no Brasil já completou 50 anos. Apesar disso, os temores da população em relação ao ato anestésico ainda permanecem elevados. Diariamente profissionais da área médica respondem a questionamentos tais como: ? Será que vou morrer da anestesia? ? Pode haver perigo de uma reação alérgica à anestesia? ? É verdade que se pode ficar paralítico após uma anestesia? ? Não tenho medo da cirurgia, mas sim da anestesia! Efetivamente, essas ponderações têm certa r

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 12/02/2010

gerson-souza-santos-7
gerson-souza-santos-7 🇧🇷

4.8

(351)

772 documentos

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Anestesia: Vitoria sobre a dor e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! Anestesia a vitória sobre a dor DIRETORIA DA SARGS 2000 Presidente: Ildo Meyer Diretor Administrativo: Paulo Evangelista Diretor Científico: Florentino Mendes Diretor Financeiro: Silvio Perez DIRETORIA DA SARGS 2001 Presidente: Ildo Meyer Diretor Administrativo: Jordão Chaves de Andrade Diretor Científico: Fernando Squeff Nora Diretor Financeiro: Silvio Pérez A579 Anestesia: a vitória sobre a dor / Airton Bagatini ... [et al.]. Porto Alegre : SARGS, 2001. 14x21cm. ; 99p. 1. Anestesia. I. Bagatini, Airton. CDU 612.887 Catalogação na publicação: Leandro Augusto dos Santos Lima – CRB 10/1273 Apresentação A anestesia como especialidade médica no Brasil já comple- tou 50 anos. Apesar disso, os temores da população em relação ao ato anestésico ainda permanecem elevados. Diariamente profis- sionais da área médica respondem a questionamentos tais como: – Será que vou morrer da anestesia? – Pode haver perigo de uma reação alérgica à anestesia? – É verdade que se pode ficar paralítico após uma anestesia? – Não tenho medo da cirurgia, mas sim da anestesia! Efetivamente, essas ponderações têm certa razão de existir. No passado, o ato considerado mais nobre e que promovia a cura do paciente era a cirurgia, sendo a anestesia relegada a um plano secundário e executada por estudantes de Medicina, enfermeiras ou paramédicos. O médico se preocupava apenas em operar com rapidez, e necessitava que não houvesse movimentos do paciente durante o procedimento. Muitos acidentes aconteciam. Com o surgimento de cursos de especialização em anestesia para médicos, com a fundação de sociedades de anestesistas e com a conscientização da importância e dos riscos de uma anestesia, iniciou-se uma padronização na maneira de realizar a anestesia, para que não ocorressem acidentes. Porém, o mito de que a anestesia era perigosa e muitas vezes fatal já havia sido criado. O conceito de que o anestesista era um “mal necessário” já estava estabelecido. Os gregos pouco sabiam sobre a maneira como o mundo funcionava (segundo demonstraram mais tarde as leis de Newton e de Einstein, entre outros), mas desenvolveram um sistema de pensamento muito bem articulado. Quando uma pessoa se en- contra frente a algo incomum (anestesia/cirurgia), desenvolve um raciocínio de como as coisas vão funcionar. Quanto menos ela souber, mais complexa será sua rede de pensamento. As fantasias do que acontecerá enquanto estiver dormindo, ou sobre o tamanho e as conseqüências da injeção realizada nas “costas” são intermináveis. O objetivo inicial desta obra é a informação. Nos próximos capítulos explicaremos quem é o anestesista, as técnicas utilizadas, as formas de monitorização e segurança, o controle da dor duran- te a cirurgia e no pós-operatório, as maneiras de diminuir a ansie- dade, a anestesia e a analgesia para o parto, a forma de cobrança de honorários e a evolução da anestesia através da história. Na medida em que a população aumentar seus conhecimen- tos em relação à anestesia, aumenta sua participação e interação no procedimento, tornando-se parceira do anestesista, vendo-o não mais como um “mal necessário”, mas como um guardião, um profissional que lançará mão de todos os esforços, tecnologias e medicamentos disponíveis para que o ato anestésico-cirúrgico possa acontecer dentro do maior conforto e segurança. A Sociedade de Anestesiologia do Rio Grande do Sul tomou a iniciativa de editar este livro para que a população, aumentando seu nível de conhecimento, saiba como é segura a realização de uma anestesia e assim diminua a ansiedade quando houver a ne- cessidade da presença de um anestesista durante um procedimen- to cirúrgico ou diagnóstico. Sumário 1 - E A DOR ESTAVA VENCIDA... .......................................................................... 9 OS PIONEIROS ............................................................................................................... 9 WILLIAM THOMAS GREEN MORTON ............................................................. 12 DA CIRURGIA DENTÁRIA ÀS GRANDES CIRURGIAS ................................ 14 OS DIFERENTES PREÇOS DOS INVENTOS .................................................... 16 2 - O QUE FAZ O ANESTESIOLOGISTA ........................................................ 21 3 - O QUE É A ANESTESIA .................................................................................... 23 4 - TIPOS DE ANESTESIA ...................................................................................... 25 ANESTESIA GERAL ..................................................................................................... 25 Tipos de anestesia geral .............................................................................................. 25 ANESTESIA REGIONAL OU CONDUTIVA....................................................... 26 Tipos de anestesia regional ........................................................................................ 27 5 - ETAPAS DA ANESTESIA .................................................................................... 29 AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA ............................................................................ 29 ANESTESIA PROPRIAMENTE DITA .................................................................... 29 Preparo ........................................................................................................................... 29 Indução, manutenção e recuperação ....................................................................... 31 Como o vôo de um avião... ....................................................................................... 32 RECUPERAÇÃO PÓS-ANESTÉSICA ..................................................................... 33 6 - COMO COLABORAR PARA O SUCESSO DA ANESTESIA? ........ 35 7 - COMO É FEITA A ANESTESIA ...................................................................... 37 ANTES ............................................................................................................................... 37 AS TÉCNICAS E AS DROGAS DE ANESTESIA ................................................. 38 DE OLHO NOS EFEITOS DAS DROGAS ........................................................... 43 8 - A DOR: UM BEM OU UM MAL? .................................................................. 45 PRECONCEITOS .......................................................................................................... 46 PAGANDO A DÍVIDA ................................................................................................. 46 10 ANESTESIA Francesa tomava vulto, ferviam as questões políticas na Inglaterra, dividia-se o clero. Priestley simpatizava com a Revolução Francesa e escolheu o lado errado na ques- tão religiosa, sendo perseguido e acusado de traidor. Os fanáticos queimaram sua casa e destruíram seus traba- lhos. Foi obrigado a fugir, vindo para a América para continuar suas pesquisas. Humphry Davy, outro inglês, estudou os trabalhos de Priestley e resolveu inalar o protóxido de azoto, ainda que todas as sumidades da época afirmassem que era nocivo e mortal. Aspirou a primeira vez, a segunda vez, mais outras e, em vez de morrer, começou a pular e rir. Nos dias seguintes, continuou com as sessões de inalação, notando que o protóxido de azoto acabara com a dor de dente que o estava incomodando. Continuou os estudos e realizou reuniões em que seus amigos inalavam o gás hilariante por divertimento. Publicou um livro, em que afirma, já em 1798, que seria sem dúvida recomendável empregar o protóxido de azo- to contra as dores cirúrgicas. Em 1805, o químico alemão Sertuerner isolou a morfina do ópio (terminou seus dias sofrendo repetidos ataques de gota, e a morfina, ironicamente, não mais lhe trazia alívio). Michael Faraday, em 1818, descreveu os efeitos ine- briantes do éter e o comparou com o gás hilariante. Em 1824, Henry Hill Hickmann, médico inglês, procurou a Royal Society na Inglaterra e a Academia Fran- cesa de Medicina, para demonstrar seu método de abolir a dor cirúrgica com gás carbônico e com o gás hilariante. Ofereceu-se como voluntário, sendo ridicularizado e chamado de louco, pois, segundo Velpeau, “o bisturi e a Em vez de morrer, começou a pular e rir. ANESTESIA 11 dor são inseparáveis numa sala de cirurgia”. Negaram- lhe a oportunidade pedida. Desanimado e acabrunha- do, morreu aos vinte e nove anos de idade. Nos Estados Unidos, por volta de 1830, andavam muito em voga os ether-parties, reuniões nas quais quem quisesse poderia respirar éter ou gás hilariante, para sen- tir emoções novas, onde riam, pulavam e dançavam sob o efeito dos gases (não era por falta de LSD que eles iriam ficar quietos). Espetáculos eram realizados nas pra- ças e teatros, fazendo os interessados atuarem ao embalo do éter ou do gás hilariante. No Estado da Geórgia, na cidade de Jefferson, Craw- ford Williamson Long não pôde assistir a uma apresen- tação, pois fora atender um paciente. Seus amigos lhe contaram como foi o espetáculo e ele decidiu fazer algu- mas demonstrações experimentais, principalmente com as moças da cidade, já que era jovem e simpático. Notou que, depois de ina- lar o éter, apresentava inúmeras man- chas arrocheadas e dolorosas pelo cor- po, mas não recordava como apareci- am. Concluiu que o éter deveria ser a causa da ausência da dor. Depois de muito pensar e repetir inalações, re- solveu e operou alguns pacientes sob o efeito do éter. E eles não sentiram dor. Operou oito pacientes, mas os moradores da cidade começaram a reclamar “que alguém acabaria morrendo, que desistisse de suas tentativas dia- bólicas”. A 30 de março de 1842, extirpou um tumor do pescoço de James Venable, sob a ação do éter. Como era médico numa área rural, não divulgou seus trabalhos aos meios científicos. No Estado de Connecticut, o dentista Horace Wells e sua esposa foram assistir a uma demonstração do gás Concluiu que o éter deveria ser a causa da ausência da dor. 12 ANESTESIA hilariante. Doze voluntários se apresentaram, “oito vi- gorosos homens ocupavam a primeira fila para proteger a platéia de alguma violência partida dos voluntários sob o efeito do gás”. Wells notou que um dos voluntários, sob o efeito do gás, machucara o joelho, que sangrava abundantemente. Interrogado por Wells, a vítima asse- gurou que nada sentira. No dia seguinte, 11 de dezembro de 1844, Wells pediu para um colega lhe extrair um dente sadio enquanto ele inalava o gás hilariante. A partir de então, passou a extrair dentes dos clientes com o auxílio do gás. Em se- guida fez uma demonstração em Boston, na Faculdade de Medicina. Como não dominasse ainda a técnica de administração do gás, ele o fez de maneira inadequada e insuficiente, pois temia um acidente; resultado: o pa- ciente urrou durante a extração. Sob os gritos de canalha e charlatão, voltou para sua cidade. Mas não desistiu. Fez outra demonstração pública, deu bastante gás, e o paciente quase morreu, matando em Wells a vontade de usá-lo. Dedicou-se à criação de canários, depois passou a vender quadros, comprando na França e vendendo, com lucros, para os amadores americanos. WILLIAM THOMAS GREEN MORTON Era um dentista da cidade de Boston. Tinha traba- lhado com Wells, mas o consultório não progredira como desejaram e em pouco tempo Wells voltou para sua ci- dade, Hartford. Morton persistiu e a situação melhorou, podendo até pagar as dívidas que fizera. Naquela época, procurava-se um método para fixar com segurança as coroas sobre as raízes dos dentes. Morton conseguiu uma ANESTESIA 15 A cirurgia ia começar no sistema tradicional: à for- ça. Então Morton irrompeu na sala, esbaforido pela cor- rida. Trazia junto o músico Eben Frost, como testemu- nha. O atraso foi causado pelo fabricante do seu novo inalador, que quase o aprontou tarde demais. Pediu des- culpa pelo atraso, montando seu aparelho sob o olhar irônico e descrente de todos. Começou a trabalhar, di- zendo para Warren: – Senhor, o paciente é seu. Morton tinha tudo para fracassar. Devia ter chega- do cedo para preparar tudo, e chegou tarde; precisava ter calma para controlar a situação, mas devia estar com os nervos à flor da pele; devia sentir-se seguro, mas não domi- nava o assunto, e o aparelho era gros- seiro; o paciente não estava devidamen- te preparado; e por último, naquela sala, a única pessoa que acreditava em Wil- liam Thomas Green Morton era William Thomas Green Morton... A cirurgia terminou e Warren virou-se para uma assistência estática: – Senhores, isto não é uma farsa. Nenhuma descoberta é resultado isolado, levado a termo por um único homem: Roentgen usou o tubo com vácuo, criado por Crookes, quando descobriu os raios X; Colombo usou um compasso criado por outro; Wells usou o gás hilariante formulado por Priestley; Lister empregou a teoria de Pasteur para tornar a cirurgia as- séptica. Por sugestão do médico e poeta Oliver Wendell Holmes, aquela ciência passou a chamar-se anestesia, palavra grega que significa ausência de sensações. A única pessoa que acreditava em William Thomas Green Morton era William Thomas Green Morton... 16 ANESTESIA OS DIFERENTES PREÇOS DOS INVENTOS Morton tinha vinte e sete anos de idade. Diferia com- pletamente de Wells, que era sonhador, tímido, observa- dor, sério. Morton era ambicioso; queria dinheiro, roupas, posição social. Morton era fleugmático, lutando com unhas e dentes contra as investidas de Jackson, habilidoso e em- preendedor; Wells era facilmente desen- corajado, deprimia-se, era influenciado pelos outros. Nem Morton nem Wells eram cientistas, mas Robert Koch e Tho- mas Edison também não eram. Dizem que a sorte ajuda os auda- ciosos, e isso é verdade quanto a Mor- ton. Wells não teve sorte. A única vez que não se pode falhar é quando se tenta pela última vez. Wells falhou. Morton, para provar que o éter não era explosivo, acen- deu fogo a poucos centímetros da boca de um paciente que inalava o éter, e nada aconteceu. Morton não dominava a administração do éter, mas obteve bom resultado, porque seu paciente era magro, filho de tuberculoso, e apenas administrou o anestésico. Wells teve um paciente forte; devia fazer a anestesia e extrair o dente, ao mesmo tempo. Deu pouco anestésico e falhou. Morton lembrou-se do que acontecera a Wells, e foi mais generoso na quantidade usada. A assistência de Wells, sabendo que era protóxido de azoto o agente empregado, já ia duvidosa dos resulta- dos. Morton, mais artista, mais misterioso, não disse qual era o agente. Chamou-o Leteon (um rio da Grécia cujas águas tinham a capacidade de fazer esquecer a dor), ten- do acrescentado drogas perfumadas e corantes, para dis- farçar o cheiro do éter, e isso colaborou para o suspense. Nem Morton nem Wells eram cientistas, mas Robert Koch e Thomas Edison também não eram. ANESTESIA 17 Quando Morton administrou o éter para uma ci- rurgia grande, falhou completamente, mas como era paciente particular, não havia assistência. Por ocasião da segunda grande cirurgia, o cirurgião, não confiando muito em Morton, receitara, primeiramente, cem gotas de tintura de ópio, e com essa medicação Morton facilmente administrou o éter, agora na presença de assistentes. O aparelho usado por Wells era de borracha e se perdeu. O edifício onde foi feita a demonstracão fracas- sada acabou destruído. O aparelho de Morton é peça de museu, o hospital ainda existe e a sala onde foi realizada a primeira anestesia está intacta, com as peças nos devidos lugares, como um tabuleiro de xadrez onde a dor recebeu xeque-mate. Wells comprava seus quadros na França e lá ouvia todos falarem de Morton; apenas a Academia Francesa disse ser ele o merecedor das glórias, e não Morton. Amargurado, Wells acabou viciado em éter e cloro- fórmio, sentindo-se feliz sob o efeito dessas drogas. Aca- bou jogando vitríolo em mulheres que passeavam na Broadway. Foi preso e, em meio a grande desespero, sui- cidou-se, após ter inalado clorofórmio e rasgado a arté- ria femural com uma tesoura. Tinha 33 anos de idade. Dias depois lhe chegaria da França o título de Ben- feitor da Humanidade, concedido pela Academia Fran- cesa. Após o sucesso da manhã de 16 de outubro, Mor- ton foi para casa às quatro horas da madrugada. E, se as palavras diziam que ele tinha saído vencedor, a expressão de seu rosto era de tristeza. Morton era dentista; os den- tistas não anunciavam suas descobertas e ele quis regis- trar, explorar seu invento, escondendo a composição do Um tabuleiro de xadrez onde a dor recebeu xeque-mate. 20 ANESTESIA da casa examinou a medalha e leu: “Ao benfeitor da hu- manidade W. T. G. Morton”. – De onde você roubou esta me- dalha? – pergunta intrigado. – Não roubei. Eu sou o Doutor Morton. Preciso do dinheiro, porque amanhã não teremos nada para comer. A 15 de julho de 1868, Morton descansou. Os progressos acumularam-se desde então, mas pouco mais de um século nos separa dos profetas Pries- tley, Davy e Hickmann, dos pioneiros Long, Wells e Morton, e diariamente suas memórias são reverenciadas quando se diz ao cirurgião: “Senhor, o paciente é seu”. “Ao benfeitor da humani- dade W. T. G. Morton”. ANESTESIA 21 Anestesiologistas são médicos que cuidam da vida durante a realização de um procedimento cirúrgico ou de um exame diagnóstico ou terapêutico. Como médi- cos, cursaram seis anos de faculdade de Medicina e como especialistas na área, cumpriram, no mínimo, dois anos de especialização em Anestesiologia. A denominação anes- tesista tem um caráter mais genérico e pode ser usada para denominar qualquer pessoa ou médico que faz anestesia. Segundo a Sociedade Brasileira de Anestesiologia, a melhor denominação para o especialista da área da anes- tesia é de anestesiologista. Anestesiologistas são médicos com especialização e treinamento, responsáveis pela avaliação do paciente, escolha da técnica anestésica adequada, administração da anestesia, vigilância e manutenção dos sinais vitais (respiração, circulação e outros) e recuperação dos efei- tos da anestesia. O anestesiologista domina conhecimen- tos fundamentais para a avaliação pré-anestésica, medi- cina de pacientes graves (UTI) e traumatizados, reani- mação, controle da dor pós-operatória e da dor crônica. A anestesiologia é uma especialidade médica de atu- ação multidisciplinar. Exige conhecimentos profundos de medicina clínica e cirúrgica, principalmente da fisio- logia, da farmacologia e da fisiopatologia. Além de co- nhecer os medicamentos utilizados pelos pacientes, são necessários sólidos conhecimentos sobre como funcio- nam os medicamentos anestésicos. 2 O que faz o anestesiologista 22 ANESTESIA Ao anestesista cabe ainda dominar as técnicas para realizar procedimentos como bloqueios anestésicos, ter conhecimento prático e experiência no manuseio de apa- relhos e equipamentos, assim como dos métodos e meios de monitorização, invasivos e não-invasivos. Essas habi- lidades envolvem outras áreas do conhecimento, tais como: Física, Química, Eletricidade e Bioengenharia. O papel do anestesiologista e sua responsabilidade transcendem os limites físicos da sala de cirurgia. Além de ser o intensivista da sala de cirurgia, exis- te a necessidade de o anestesista conhe- cer e saber se conduzir em cada procedi- mento anestésico, bem como no pós-ope- ratório imediato, de acordo com as pe- culiaridades específicas de cada caso ci- rúrgico. Ademais, dentre diversas outras atividades profissionais dos anestesiolo- gistas, podemos citar: o tratamento da dor aguda ou pós- operatória, o tratamento da dor crônica, em consultórios de avaliação pré-anestésica, em medicina de emergência, em equipes de resgates e ambulâncias. Em algumas locali- dades, os anestesiologistas participam de equipes ou chefi- am Unidades de Cuidados Intensivos (UTIs), podem ser professores em universidades, exercer cargos administrati- vos e de chefia em unidades cirúrgicas. Aliviar a dor, bloquear a consciência, monitorizar o organismo, manter as funções vitais, principalmente a respiração, a estabilidade cardíaca e vascular, prover re- posição de líquidos (soroterapia) e de sangue (transfu- são), manter a temperatura corporal, diagnosticar pro- blemas que podem acontecer durante a realização do pro- cedimento e tratar sempre que necessário, essas são as funções básicas exercidas pelo anestesiologista antes, no transcorrer e após o ato operatório. O papel do anestesiologista e sua responsabilidade transcendem os limites físicos da sala de cirurgia. ANESTESIA 25 ANESTESIA GERAL A anestesia geral é obtida pela combinação de qua- tro elementos: hipnose, analgesia, relaxamento muscu- lar e bloqueio das respostas reflexas do organismo ao es- tresse e ao trauma cirúrgico. Um dos objetivos fundamentais da anestesia geral é conferir ao paciente um estado de inconsciência de ins- talação suave e rápida, de maneira adequada, durante o tempo necessário e, a seguir, permitir uma recuperação rápida da consciência. No início, a anestesia era obtida com o uso de ape- nas um agente, o éter. Provavelmente é por isso que os leigos ainda imaginam o processo anestésico como a mera injeção de um medicamento na veia ou que se trata ape- nas de dar uma cheiradinha, como se administrar aneste- sia fosse semelhante a cheirar um perfume. Moderna- mente, atingem-se os quatro componentes da anestesia com o uso de diversos medicamentos. Tipos de anestesia geral 1 – Venosa: Anestesia obtida pela injeção de anesté- sicos numa veia do paciente. Atinge diretamente a cor- rente sangüínea e em seguida alcança o cérebro, onde o anestésico realiza sua ação principal. 4 Tipos de anestesia 26 ANESTESIA 2 – Inalatória: Anestesia feita pela inalação de gases e vapores anestésicos através das vias aéreas. Nos pul- mões, o anestésico é absorvido pela corrente sangüínea e daí atinge o cérebro. 3 – Balanceada: Anestesia que combina o uso de medicamentos pelas vias inalatória e venosa. A associa- ção permite reduzir as doses e obter melhores resultados com menos efeitos colaterais. ANESTESIA REGIONAL OU CONDUTIVA É o tipo de anestesia em que se bloqueia a condu- ção do estímulo nervoso, especialmente o da sensibilida- de. Também denominada de anestesia regional, é citada comumente para os leigos como anestesia local ou par- cial. Compreende a produção de estado de insensibilida- de localizada, de caráter reversível, sem alteração do ní- vel de consciência. Dependendo da quantidade da droga anestésica in- jetada, o bloqueio da sensibilidade pode ser acompa- nhado do bloqueio da motricidade, isto é, impossibilidade de mexer os membros ou parte deles. A anestesia regional pode ir desde a anestesia tópica, na superfície das mucosas, até o bloqueio da condução em nervos, plexos nervosos ou raízes medulares, dependendo do local onde a droga, deno- minada anestésico local, é aplicada. Em relação às anestesias condutivas mais freqüen- temente realizadas na prática, podem-se citar a raquia- nestesia e a anestesia peridural. Tanto a raquianestesia quanto a anestesia peridural são hoje bastante utilizadas tanto para promover aneste- ANESTESIA 27 sia completa como para a obtenção apenas de alívio da dor (analgesia). O exemplo mais significativo desta últi- ma é a analgesia de parto, que permite fazer com que a mulher não sinta as dores do parto e mantenha a contração uterina. A analgesia pode ser utilizada no período pós-operatório de cirurgias que provocam intenso estímulo dolo- roso. Tipos de anestesia regional 1 – Local: A injeção do anestésico é feita numa pe- quena área, em qualquer parte do corpo, com vistas a atingir apenas as terminações nervosas daquele local es- pecífico. Torna insensível uma porção do corpo necessá- ria para realizar pequenas cirurgias, como, por exemplo, retirada de uma verruga, sutura de um corte, etc. 2 – Troncular: Um nervo, isoladamente, ou um conjunto de nervos que forma um tronco nervoso é blo- queado por anestésico local, com o objetivo de conse- guir a anestesia de uma região bem específica do corpo, como nervos maxilares e mandibulares. É o caso das anes- tesias realizadas pelos dentistas. 3 – Plexolares: Um conjunto de nervos que forma um plexo nervoso é bloqueado por anestésicos locais, para conseguir a anestesia de uma região maior do corpo. Ple- xo braquial, por exemplo, significa que se anestesiou todo o membro superior. 4– Bloqueios espinhais (raqui ou peridural): Quan- do todo um segmento do sistema nervoso central é blo- queado por anestésico local, para obtenção de anestesia. A analgesia pode ser utilizada no período pós- operatório de cirurgias que provocam intenso estímulo doloroso. 30 ANESTESIA de o paciente entrar na sala de cirurgia, o anestesiologis- ta é responsável pelo preparo de todos os equipamentos e materiais que serão utilizados na anes- tesia. Esse preparo exige tempo. Os equipamentos hoje utilizados para a realização da anestesia são com- plexos e sofisticados. Durante a cirur- gia vários monitores e aparelhos eletrô- nicos são utilizados: o aparelho de anestesia, máquina de uso específico pelo anestesiologista; monitores como o aparelho de pressão (mede a pressão arterial); o estetos- cópio (serve para auscultar as batidas do coração e os sons dos pulmões); eletrocardiógrafo (faz eletrocardio- grama de forma contínua); oxímetro de pulso (mede a oxigenação do sangue); capnógrafo (mede a eliminação de gás carbônico pelos pulmões), termômetros (para ve- rificar a temperatura corporal); analisadores de gases (para medir a concentração de anestésicos inalados). Para elevar o padrão de segurança do ato anestési- co-cirúrgico, hoje, em praticamente todos os ambientes cirúrgicos esses monitores estão presentes. Uma das gran- des vantagens resultantes da utilização desses monitores resulta do caráter não-invasivo, isto é, para serem utilizados não há necessidade de cortar a pele, ou de introduzir qual- quer aparelho no organismo. Mais do que isso, eles forne- cem medidas contínuas, e o anestesiologista vigia as fun- ções do organismo pela clínica e através dos monitores. O aparelho de anestesia, sempre presente, mesmo quando a anestesia for local, é usado para administrar oxigênio e/ou para administrar misturas de vapores anes- tésicos. Fazem parte do aparelho de anestesia uma série de componentes essenciais e válvulas de segurança. Um O anestesiologista é o primeiro médico da equipe a chegar na sala de cirurgia e o último a sair. ANESTESIA 31 componente importante é o ventilador que substitui- rá, total ou parcialmente, a respiração durante uma anestesia geral. Outros materiais que estão sempre prontos para uso, mesmo que a anestesia não seja geral, são aqueles usados para garantir que as vias aéreas não fiquem obstruídas, facilitando assim a respiração. Aqui estão incluídos o la- ringoscópio, que permite visualizar as cordas vocais e, através delas, passar um tubo de borracha especial, o tubo endotraqueal, que garantirá uma via de acesso para ven- tilar os pulmões, entregar oxigênio e agentes anestésicos inalatórios para manter a anestesia e evitar a aspiração de vômito. Além dos equipamentos, vários medicamentos de- vem estar preparados e diluídos, em seringas identifica- das, para utilização durante a anestesia. Tudo isso deve ser preparado e checado antes de o paciente entrar na sala para a realização da cirurgia. Após o preparo de todo o material necessário, é chegado o momento de o paciente entrar na sala de cirurgia. Inicia-se a monitorização, punciona-se uma ou mais veias, para permitir a administração de dro- gas e para repor as perdas decorrentes do jejum, bem como daquelas que advirão da própria cirurgia. Daí por diante, de acordo com o tipo de anestesia mais adequado para o caso, inicia-se o processo de aneste- sia. Indução, manutenção e recuperação No caso da anestesia geral, podemos subdividi-la em três fases: indução, manutenção e recuperação. 32 ANESTESIA A indução da anestesia visa a levar o indivíduo do seu estado normal de consciência ao de anestesia. Ao se obter o estado de anestesia adequado, é au- torizado o início do procedimento cirúrgico, e a anes- tesia entra no estado denominado de manutenção. Durante todo o ato cirúrgico, o anestesiologista permanece junto ao paciente, pois sem a sua presença a segurança de todo o processo fica ameaçada. A vigi- lância total é obrigação básica do exercício da aneste- siologia. Mesmo que tudo esteja tranqüilo, o aneste- siologista deve estar presente para identificar qualquer necessidade que possa surgir. Além disso, para manter o estado de anestesia, a administração de fármacos é con- tínua. A administração controlada dos fármacos é uma premissa para se manter a anestesia adequada. Ao terminar o procedimento cirúrgico o aneste- siologista inicia a reversão da anestesia, buscando o mais rápido possível que a consciên- cia volte ao normal. Livre da admi- nistração dos fármacos que mantinham a anestesia, tudo começa a voltar ao esta- do anterior. As funções vitais do organis- mo, como a respiração e a circulação re- tornam aos poucos aos valores prévios. Em alguns minutos, o paciente estará acordando, de prefe- rência sem dor, sem agitação, sem náuseas e sem vômito. Esta é a fase de recuperação. Como o vôo de um avião... Freqüentemente a anestesia é comparada ao vôo de um avião. Embora esta seja uma forma simplória de vi- Durante todo o ato cirúrgico, o anestesiologista permanece junto ao paciente. ANESTESIA 35 O paciente deve ficar em jejum antes da cirurgia. O tempo mínimo de jejum será informado pelo anes- tesiologista ou pelo cirurgião. Deve informar a verda- de sobre todas as perguntas realizadas. Ainda que al- gumas possam parecer constrangedo- ras, nada deve ser omitido. O uso de cigarros, bebidas alcoólicas ou outras drogas de uso lícito ou ilícito deve ser informado. Se o anestesiologista não tiver conhecimento disso, não pode- rá evitar ou entender interações com as medicações que ele utiliza. Nenhum julgamento sobre a pessoa ou seus atos será realizado e a informa- ção prestada será mantida em sigilo médico. Deve o paciente informar também sobre os produ- tos ou remédios que provocam qualquer tipo de alergia. Se já realizou alguma cirurgia antes, é fundamental rela- tar as experiências anteriores com a anestesia. Não es- quecer de contar alguma má experiência ou resultado da anestesia em familiares próximos. Isso servirá de alerta ao anestesiologista sobre problemas que podem eventual- mente ocorrer durante a anestesia. É necessário informar ao anestesiologista os nomes de todos os remédios que usa regularmente, ou usou; e, sobretudo, seguir as orientações dos médicos, esclarecen- 6 Como colaborar para o sucesso da anestesia? O paciente deve informar a verdade sobre todas as perguntas realizadas pelo anestesiologista. 36 ANESTESIA do as dúvidas e discutindo o controle da dor no pós- operatório. Finalmente, após sentir-se tranqüilo, deve ser dado o consentimento para a técnica de anestesia que está sendo proposta. Para aprofundar o entendimento deste tema, reco- mendamos a leitura do Capítulo 9 (pág. 61). ANESTESIA 37 ANTES A literatura mais moderna considera a anestesia a parte da Medicina dedicada ao alívio da dor e ao total cuidado do paciente cirúrgico, antes, durante e após a cirurgia. Para poder oferecer esses cuidados com a mais alta qualidade, é muito importante que o anestesiologista possa, inicialmente, realizar uma boa avaliação de cada paciente antes da cirurgia proposta. À exceção das situações de emergência, quando o risco iminente de morte ou dano profundo dominam suas preocupações, ele sempre tem presente a importân- cia desse contato prévio. É fundamental que o paciente também a tenha. Só assim o anestesiologista toma co- nhecimento das condições de saúde e das doenças que o acometeram no passado ou ainda o acometem, os medi- camentos em uso no presente ou no passado recente, bem como os resultados obtidos com eles. Com a análise cuidadosa de todos os exames labo- ratoriais, integrando-os, o anestesiologista tenta formar a idéia mais aproximada da real situação funcional dos seus órgãos e sistemas. Além disso, esse primeiro contato tem importância fundamental para o desenvolvimento da relação ótima que todos desejamos, médicos e pacien- tes, estes podendo expressar seus medos, fantasias, dese- jos e esperanças. 7 Como é feita a anestesia 40 ANESTESIA então que os estímulos dolorosos subam pelos vários tra- jetos intramedulares e alcancem os centros superiores de percepção. A essas técnicas de anestesia denominamos bloqueio subaracnóideo ou raquianestesia e bloqueio peridural, dependendo do exato local onde as drogas são depositadas. Todas as cirurgias superficiais sobre as extremida- des, se não houver contra-indicações, podem ser execu- tadas sob esses tipos de anestesia descritos. Nessas situa- ções, além de administrar o anestésico local no ponto escolhido, o anestesiologista fornece adequada sedação por via venosa, impedindo que o paciente sofra por estí- mulos de outras naturezas, como o frio, o calor ou o medo, ou não tolere a imobilidade prolongada e deter- minados posicionamentos na mesa de cirurgia. Sempre que agentes externos, como os gerados pela cirurgia, interrompem a integridade das estruturas e fun- ções das diferentes partes do corpo humano, ameaçan- do-o, uma série de reações são postas em funcionamen- to, visando a sua autopreservação. Dentre todas as se- qüências dessas reações, destacam-se as que constituem a reação inflamatória. Para o tratamento anestésico ade- quado e completo da dor que acompanha a agressão da cirurgia é importante que essa reação inflamatória seja impedida ou pelo menos atenuada, de preferência até mesmo antes que os estímulos da cirurgia se estabele- çam. Com essa finalidade são utilizadas as drogas antiin- flamatórias potentes que hoje existem. A outra maneira de se impedir que os estímulos dolorosos gerados pela cirurgia atinjam os centros supe- riores localizados no cérebro é atuar diretamente sobre eles, deprimindo suas funções. Os analgésicos, princi- palmente os que derivam natural ou sinteticamente do ANESTESIA 41 ópio, fazem isso. Administrados na corrente sangüínea, de maneira intermitente ou contínua (por meio de bom- bas de infusão controladas por computadores), atingem concentrações pré-definidas pelo anestesiologista, ao ní- vel dos receptores centrais da dor. Essas drogas analgésicas potentes, pertencentes ao grupo químico dos opióides (morfina, por exemplo), pos- suem potência (capacidade específica de bloquear a dor), início de ação, duração de efeito, grau de metabolização e velocidade de eliminação próprias. Além disso, seus efei- tos colaterais sempre devem ser levados em conta, prin- cipalmente os que se referem à depressão do sistema car- diovascular e respiratório. A escolha de uma delas, para cada tipo de paciente e cirurgia, obriga o anestesiologis- ta a ter tudo isso em mente. Impedir a percepção da dor é fundamental para a definição da anestesia. Abolir a consciência dos aconte- cimentos que acompanham todo o ato cirúrgico não é menos importante. Atuando sobre re- giões específicas do sistema nervoso central, diferentes categorias químicas de hipnóticos desconectam o paciente do ambiente da sala de operações, evi- tando-lhe o medo, a apreensão e as outras sensações que a vida de relação consciente lhe permite. Os barbitúri- cos, certos diazepínicos e outros hipnóticos mais recen- tes fazem isso via diferentes mecanismos. A perfeição, a rapidez de instalação da hipnose e a qualidade do despertar que essas drogas conseguem pro- duzir é algo belíssimo de ser acompanhado por aneste- siologistas e pacientes. Já é bem conhecida a experiência de certos pacien- tes, que, estimulados por determinado assunto no exato Impedir a percepção da dor é fundamental para a definição da anestesia. 42 ANESTESIA momento em que perdem a consciência, por ocasião da indução da anestesia, ao despertarem dela retomam o mesmo tema, como se alguns minutos ou mesmo mui- tas horas de anestesia não tivessem se interposto entre os dois momentos. O uso associado desses dois grupos de drogas, os analgésicos e os hipnóticos, administrados por via veno- sa, intermitente ou continuamente, constituem a cha- mada anestesia intravenosa total, de grande aceitação entre os anestesiologistas nos dias atuais. Administrados em concentrações elevadas, também inibem ou bloque- iam as respostas cardiovasculares, endócrinas e metabó- licas ao trauma da cirurgia, colaborando assim para a recuperação pós-operatória mais precoce e integral. Esses últimos efeitos reativos ao trauma da cirurgia também podem ser inibidos especificamente por drogas bloqueadoras do sistema nervoso autônomo (sistema que, entre outras funções, controla a atividade do coração e dos vasos sangüíneos). Dessa maneira, pode-se notar que, durante a cirur- gia, é permitido ao anestesiologista controlar, de manei- ra estreita e eficaz, a freqüência com que o coração bate, a quantidade de sangue que ele envia ao corpo, o calibre dos vasos arteriais e venosos e a pressão arterial. Todas essas ações, indispensáveis ao estabelecimen- to de uma anestesia com sucesso, também podem ser produzidas pelo uso de agentes anestésicos introduzidos no organismo através da respiração e dos pulmões. Dife- rentemente dos analgésicos e dos hipnóticos, os anesté- sicos gerais (representados pelos halogenados, derivados remotos ou recentes do éter) levam a um estado de de- pressão generalizada, não específica, de todos os centros e funções do sistema nervoso central. Essa depressão, que ANESTESIA 45 O significado mais antigo da palavra dor é punição ou castigo, imposto de fora, por outras pessoas ou forças. A Bíblia registra: “Parirás com dor”. Um poeta escreveu: “Te conhecerás pela dor”. Assim, a dor acabará fazendo parte dos nossos dias ao nos atingir ou atingindo os que nos cercam. Vamos esclarecer que dor e prazer não se excluem, já que ambos podem ocorrer ao mesmo tempo, mas sabe- se que o ser humano gasta mais energia fugindo da dor do que buscando o prazer. Os mecanismos neurológicos e mentais e as áreas envolvidas que per- mitem identificar a dor e o prazer são distintos. A dor, como a febre, é útil pelo alerta que dispara, mostrando que alguma ameaça está acontecendo. A partir dessa informação, o organismo se prepara e reage, dependendo do nível na escala animal: muda de cor, protege-se, defende-se, foge, voa, corre, luta. Para cada uma dessas reações, existe uma série de acon- tecimentos químicos e atos reflexos, que são executados antes mesmo que o cérebro esteja consciente de todos os fatos que ocorrem. Mimetismo, aumento do metabolismo, descarga de adrenalina, liberação de substâncias que diminuem a dor e favorecem os atos de defesa e proteção são alguns exemplos. Assim, a dor é importante fator para nossa sobrevi- vência, ao nos alertar para retirar a mão de um ferro quen- 8 A dor: um bem ou um mal? Dor e prazer não se excluem. 46 ANESTESIA te ou evitar enterrar uma agulha no dedo. É a dor nor- mal, fisiológica, que dá o recado e desaparece. Viver sem o recurso da dor seria muito perigoso ou quase impossí- vel, como ocorre com certas doenças onde há perda ou ausência de sensibilidade dolorosa. PRECONCEITOS Apesar de existirem recursos para tratar o paciente com dor há muito tempo, a crença de que a dor e o sofrimento eram punições vindas dos deuses impedia uma atitude mais eficiente, para que os deuses não se sentissem afrontados. Com a evolução da sociedade e da democracia, o crescimento do valor do ser humano, a consciência indi- vidual e, mais adiante, da consciência social, surgiram vozes clamando por alívio de suas do- res. Quando esses fatores estavam no auge, favorecidos por recursos técnicos, apoiados por conhecimento científico, libertos de temores religiosos, surgiu a anestesia, em 1846. Mesmo assim, por mais de cem anos, o paciente com dor não recebeu todos os benefícios que a Medicina poderia oferecer para aliviá-lo de seus males. A omissão médica, sem dúvida, foi grave. PAGANDO A DÍVIDA Coube a um anestesista americano descendente de imigrantes italianos, John Bonica, iniciar o resgate dessa dívida da Medicina. A anestesia surgiu em 1846. ANESTESIA 47 Aos nove anos de idade, tendo perdido o pai, ven- dia verduras nos bairros de Nova Iorque para ajudar a mãe. Era violinista e lutador de box, o que lhe permitiu custear seus estudos. Bonica acabou assumindo a gigantesca e árdua ta- refa de estudar a dor, divulgar métodos para seu adequado tratamento, conquistar adeptos, pesquisar, ensinar, escrever livros, fundar sociedades voltadas ao estudo da dor. Podemos dizer que, nos últimos trinta anos, a quantidade de artigos e livros publicados sobre a dor é maior que tudo que fora escrito nos 2.000 mil anos anteriores. CONCEITOS ATUAIS Hoje se define dor como “uma experiência senso- rial e psíquica desagradável, associada com destruição te- cidual ou descrita em tais termos”. Geralmente, a dor é desencadeada por ferimentos que destroem os tecidos ou células, mas pode aparecer sem a ocorrência dessa destruição teci- dual. A experiência psíquica desagradá- vel está presente e manifesta-se através de alterações do humor, choro, gritos, depressão, aspectos que dependem do tipo de dor, da personalidade do pa- ciente, de seu histórico doloroso, entre muitos outros itens. Uma dor de cabeça pode ser muito oportuna quando serve de desculpa para faltarmos a um compromisso desagradável. Um tiro na perna pode ser um presente do céu, e não doer quase nada, se ele signi- Uma dor de cabeça pode ser muito oportuna quando serve de desculpa para faltarmos a um compromisso desagradável. 50 ANESTESIA tamento antes que apareça outra dor, isto é, antes que o bisturi corte a pele. Fazendo a prevenção da dor, menos estímulos do- lorosos atingem a medula espinhal e o cérebro, podendo diminuir a quantidade e a necessidade de remédios no pós-operatório. Quando a dor não é aliviada no pós-operatório, além do desconforto que impõe, por limitar a respiração, ela pode: – diminuir o oxigênio do sangue (uma causa de in- fecção na incisão); – favorecer o acúmulo de secreções nos pulmões (fa- vorecendo infecções pulmonares e pneumonia); – fazer com que o paciente não repouse; – levar o paciente a não colaborar com a fisioterapia; – manter o paciente mais tempo no leito; – favorecer o surgimento de embolia pulmonar; – levar o paciente a se demorar mais para se alimen- tar; – manter o paciente por mais tempo no hospital. Esse conjunto de problemas traz outro como con- seqüência: mais despesa. Permanecendo mais tempo no hospital, o paciente terá mais despesas e retornará ao tra- balho mais tarde ainda. Os planos de saúde e as segura- doras terão mais despesas para pagar. Os hospitais aca- bam deixando de receber por atendimentos, mais equi- pamentos usados, trabalho de médicos e de enfermagem, remédios que foram usados a mais, etc. etc. Além disso, os hospitais onde os pacientes não têm tratada sua dor perdem pacientes, pois faltam leitos para novas internações. Sem falar na divulgação que o pa- ciente fará do hospital sempre que tiver sua dor adequa- damente tratada. ANESTESIA 51 O alívio da dor pós-operatória, por diminuir o des- conforto do paciente, por diminuir o uso de medica- mentos, por diminuir possibilidade de complicações, por liberar salas de recuperação pós-operatória e unidades de tratamento intensivo, por evitar que a dor vire crônica (como pode acontecer depois de cirurgias de pulmão), permitindo que o paciente vá para casa mais cedo, traz uma grande economia para a sociedade. Um hospital médio que faça mil cirurgias por mês, num ano fará 12.000; cem desses hospitais farão um milhão e duzentas mil cirurgias. Se, por receber adequado tratamento da dor o paciente deixar o hospital um dia antes do previsto, quanto dinheiro terá sido economizado? Sem falar no dia que o paciente ganhará para produzir para si e para a família. O paciente com dor deve ser avaliado sob múltiplos aspectos, até que se obtenha o perfil físico, pessoal, familiar e social. Feito o diagnóstico, as alternativas de tratamento são explicadas e discutidas com o paciente e seus familiares, já que todos terão influência nos resultados. COMO SE MEDE A DOR “Se a dor é minha, eu acredito; nas dos outros, não tenho tanta certeza”. Agora está mudando. A dor pode ser medida. Existem várias maneiras para saber quanta dor um paciente tem. Podemos olhar um paciente que chora ou um paciente imóvel, mas que está suando e vermelho, e concluir que existe dor. Era o que se fazia. Hoje existem escalas de dor: o paciente diz que tem nenhuma dor, pouca dor, dor mé- O paciente com dor deve ser avaliado sob múltiplos aspectos. 52 ANESTESIA dia ou dor insuportável. O paciente pode mostrar numa régua, numerada ou não, em qual nível está a dor. Ou lhe é pedido para dar uma nota à sua dor: se não tem nenhuma dor, a nota é zero; se a dor não dá para agüen- tar ou é a pior que pode imaginar, a nota é dez. Isso é conseqüência dos recentes progressos no es- tudo da dor: se o paciente diz que tem dor, então ele tem dor, e deve ser tratado adequadamen- te. Situações onde a dor é fingida, para obtenção de vantagens como receber drogas controladas, ganhos indenizató- rios ou para manipular médicos e fa- miliares, podem ser identificadas por testes farmacológicos e por avaliações psiquiátricas. A avaliação e a medida da dor servem para acompa- nhar e julgar se as drogas, doses e horários que estão sen- do utilizados trazem o resultado procurado. Se a dor di- minuiu, mostrado na escala de avaliação, se o paciente está tranqüilo e confortável, então deve ser mantido o que se está fazendo. Se o paciente não está satisfeito, se sua avaliação diz que a dor está como antes ou aumen- tou, desde que não estejam ocorrendo outras complica- ções da cirurgia ou clínicas, então o tratamento deve ser remanejado. Se o tratamento provocou muita sonolên- cia ou até inconsciência do paciente, as drogas e doses devem ser repensadas ao mesmo tempo em que são re- vertidos ou corrigidos os efeitos exagerados ou indesejá- veis. Todos os acontecimentos observados nos pacien- tes, tanto os detectados pela enfermagem como os ob- servados pelos médicos, são registrados no prontuário, para que haja total conhecimento do que está sendo fei- to, a razão e os resultados. As avaliações são feitas a cada Se o paciente diz que tem dor, então ele tem dor, e deve ser tratado adequadamente. ANESTESIA 55 alívio até pode ser maior, pela associação de efeitos, já que o opióide age de uma maneira e o anestésico local de outra, para dar mais analgesia. Em Medicina, sempre se pesa o be- nefício e o risco de um remédio, de um exame ou de uma cirurgia. Se o benefí- cio possível é grande e o risco pequeno, administra-se a droga, ou realiza-se o procedimento. Se os riscos são maiores que os benefícios, buscam-se outras al- ternativas, talvez menos eficientes, mas que sejam me- nos prejudiciais. A farmacologia, diz-se, é a toxicologia fracionada. Isto é: usam-se remédios em doses para obter o máximo de efeito benéfico e o mínimo de efeitos tóxicos e inde- sejados. Na anestesiologia e no tratamento da dor, usam-se drogas potentes. Ainda não foi retirada a agulha da veia, quando se administrou uma droga, e ela já está fazendo efeito. Portanto, no caso do tratamento da dor, pode- mos ter efeitos indesejados ou complicações. Os opióides, dos quais a morfina serve de padrão, podem causar uma série de efeitos, além de aliviar a dor: alteração do humor, sonolência, depressão da respiração, prurido, náusea, vômitos, constipação, retenção de uri- na... Os anestésicos locais podem provocar convulsões, alergia, queda de pressão, diminuição das forças nos bra- ços ou nas pernas, entre outros efeitos. Os sedativos podem somar-se aos efeitos dos opiói- des e provocar mais sedação e sono no paciente. A arte médica consiste em, ajustando e adaptando condutas e tratamento, trabalhar de modo que ocorram Em Medicina, sempre se pesa o benefício e o risco de um remédio, de um exame ou de uma cirurgia. 56 ANESTESIA poucas ou nenhuma dessas situações. E na eventualida- de de ocorrerem, os anestesiologistas estarão vigilantes e preparados para corrigir o quadro rapidamente. Hoje não só dispomos de inúmeras maneiras de administrar medicamentos, assim como existem cente- nas de medicações, procedimentos tipo bloqueios anes- tésicos, hipnotismo, acupuntura, massagem, fisioterapia, apoio psiquiátrico e psicológico que participam no tra- tamento do paciente com dor. A maioria das drogas provoca mais de um ou dois efeitos. Às vezes, uma droga é usada não pelo efeito prin- cipal, mas para se obter benefícios de outras de suas ações. Um exemplo muito usado na dor crônica é o dos antidepressivos. Em doses pequenas eles podem agir de modo que provoquem alívio de certas dores, como a da neurite pós-herpéti- ca, sem significar que o paciente esteja deprimido. E a dose pode ser aumen- tada quando houver depressão. Outro exemplo de aproveitar mais efeitos secundá- rios é o dos anticonvulsivantes: podem ser receitados como analgésicos por seus efeitos depressores sobre ner- vos cuja função esteja anormal e provoque dor. A droga mais usada no mundo inteiro para alívio da dor é a aspirina. É um grande medicamento, eficiente e barato. Serve de padrão para comparar outras drogas parecidas com ela: os antiinflamatórios não-esteróides. Isto é, são drogas que aliviam a dor combatendo a reação do organismo contra a destruição tecidual, mas não são corticóides. A aspirina e os antiinflamatórios não-este- róides podem ser usados junto com outros medicamen- tos para combater a dor, pois agem por mecanismos di- ferentes para oferecer alívio. A aspirina e seus semelhan- A maioria das drogas provoca mais de um ou dois efeitos. ANESTESIA 57 tes podem baixar a febre, diminuir a inflamação e o ede- ma e ter efeito analgésico. Muito efeito para uma droga só. De novo devemos estar alerta para os efeitos inde- sejados dessas drogas muito úteis: a aspirina e os antiin- flamatórios podem provocar uma série de efeitos secun- dários: alteração da coagulação, sangramentos digesti- vos, dor estomacal, gastrite, problemas renais, alergias e efeitos sobre o metabolismo de outras drogas. Isso ocor- re porque essas drogas, na sua ação de aliviar a dor, inter- ferem em várias frentes no organismo. Atualmente dispomos de drogas que propiciam os mesmos efeitos benéficos e mínima capacidade de cau- sar complicações. A aspirina é mais um exemplo de apro- veitar um efeito secundário: em doses pequenas, não analgésicas, ela pode ser usada para diminuir a viscosida- de sangüínea e diminuir a possibilida- de de problemas de circulação. Assim, o tratamento do paciente com dor utiliza várias drogas e recursos de várias áreas, seja na dor aguda, crô- nica ou do câncer. Um dos grandes avanços no tra- tamento da dor do câncer foi a comprovação da eficiên- cia da morfina por via oral. Adotando doses adequadas a cada paciente, em horários fixos, podemos afirmar que a dor do câncer pode ser diminuída e aliviada em 90% dos casos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) aprovou e divulgou um regime de tratamento da dor do câncer que consta de três degraus, onde a morfina é a principal droga. Os opióides – a morfina serve como padrão – po- dem ser usados em qualquer via e em qualquer dose. O opióide deve ser dado até a obtenção do alívio, sem ja- Dispomos de drogas que propiciam os mesmos efeitos benéficos e mínima capacidade de causar complicações. 60 ANESTESIA mano desde o nascimento até a morte, a dor passou a exigir estudo e atenção especial. Enormes foram os progressos no tratamento da dor, se comparado com o passado. Pequeno foi o avanço, se compararmos com o futuro. Mas a Medicina se prepara para continuar a luta. Hoje existem: – Serviços de Dor Aguda sendo criados nos hospi- tais; – Clínicas de Dor, compostas por clínicos, cirur- giões, neurologistas, anestesiologistas, psiquiatras, fisia- tras, enfermeiros, para que o paciente receba avaliação e tratamento com eficiência e rapidez; – cursos de especialização e pós-gra- duação em dor, já existindo médicos es- pecialistas em dor em vários países. Há cento e cinqüenta anos o alí- vio da dor era uma necessidade e uma exigência do indivíduo; hoje, o alívio da dor é considerado um direito do indivíduo, sendo uma obrigação da sociedade oferecer condições para que esse alívio seja proporcionado. Hoje, o alívio da dor é considerado um direito do indivíduo. ANESTESIA 61 Quando chega a notícia de que vamos ser opera- dos, o primeiro momento caracteriza-se pela surpresa (era inesperado este caminho), pelo alívio (era esperado e se aguardava como solução do problema) ou pela resigna- ção (não era desejado, mas aparece como necessidade para resolver a situação). Depois de superada essa etapa inicial, outras dúvi- das surgem; entre elas destaca-se a anestesia, com todos os seus componentes relacionados com fatos ocorridos com conhecidos ou relatados por parentes ou até lidos na imprensa. Nesta fase o que mais se destaca são o desconhecimento do as- sunto e os eventuais relatos (quase sem- pre assustadores) de parentes e amigos. Naturalmente, neste momento deseja- mos o melhor anestesiologista e a me- lhor técnica de anestesia. Este capítulo mostra os cami- nhos para que essas escolhas (da técnica e do profissional que vai aplicá-la) sejam feitas de maneira racional. Habitualmente, quem necessita realizar uma cirur- gia faz o contato inicial com o médico clínico de sua confiança, que, constatada a necessidade da cirurgia, en- caminha ao cirurgião. A partir desse momento é criado um vínculo entre o paciente e o cirurgião, que deve ir aumentando à medida que são feitas as consultas, os exa- mes e são adotadas definições importantes para que a cirurgia venha efetivamente a ser realizada. 9 Consultório de anestesia Naturalmente desejamos o melhor anestesista e a melhor técnica de anestesia. 62 ANESTESIA Se tudo correr bem, em algum momento entrará o tema da escolha da anestesia que será necessária para o ato cirúrgico e do anestesista a ser encarregado da aplica- ção da mesma. Na maioria dos casos, essa escolha é trans- ferida do paciente para o cirurgião, que geralmente está mais acostumado a trabalhar com determinados profis- sionais anestesiologistas. Isso pode ser definido como tra- balho em equipe. Quando o paciente aceita as recomendações do ci- rurgião, sua preocupação passa para outros temas, como o hospital em que vai ser feito o procedimento, a aco- modação a ser utilizada, o tempo para recuperação, etc. Essa visão tradicional de como acontece a escolha do anestesista pode, e mais modernamente isso tem acon- tecido, sofrer modificações. A escolha do profissional responsável pela anes- tesia pode ser também do paciente (ou de seus responsáveis, em situações especiais), em comum acordo com o cirurgião. É evidente que para realizar uma boa escolha, al- guns requisitos são importantes: – conhecimento técnico para selecionar um ou ou- tro profissional, o que geralmente falta ao paciente; – a capacidade desse profissional, uma vez selecio- nado, de trabalhar em equipe com o cirurgião. Fica claro que a opinião, as preferências e a indica- ção do cirurgião são importantes e merecem grande con- sideração. A partir do momento em que a escolha do anestesista foi feita, é desejável que haja um encontro para definir os passos seguintes. Acompanhando tendências mais modernas, para propiciar esse encontro, a maioria dos anestesiologistas A escolha do profissional responsável pela anestesia pode ser também do paciente. ANESTESIA 65 dos com os remédios que o paciente usa. Alergia a remé- dios ou doenças alérgicas é outra parte de destaque. Os anestésicos modernos em geral têm pouca capacidade de causar reação alér- gica, porém é importante saber se o paciente tem facilidade ou propensão a esse tipo de problema. A IMPORTÂNCIA DO JEJUM Uma recomendação constante na visita ao consul- tório do anestesiologista refere-se ao período de jejum necessário antes da cirurgia. A duração é variável, porém o jejum é sempre necessário. O estômago vazio é muito importante para ga- rantir mais segurança ao ato anestésico, evitando vô- mitos e algumas de suas conseqüências, que podem ocasionar danos ao paciente e também porque a recu- peração pós-operatória e o retorno à função digestiva normal são mais rápidos quando o paciente inicia a cirurgia em jejum. Normalmente, quando o procedi- mento cirúrgico está marcado para a manhã, o paciente pode receber alimen- tação e tomar líquidos no dia anterior à cirurgia até as 22 ou 24 horas, deven- do depois abster-se de qualquer tipo de ingesta. Se a cirurgia for à tarde, pode ser permitido o desjejum leve. Evidentemente que esses parâmetros gerais são adap- tados a cada situação específica, podendo ser maiores os tempos ou mais rígidas as indicações. Os anestésicos modernos em geral têm pouca capacidade de causar reação alérgica. O estômago vazio é muito importante para garantir mais segurança ao ato anestésico. 66 ANESTESIA A tendência moderna é pela diminuição do tempo de restrição absoluta, havendo mais liberdade para a in- gestão de alguns tipos de bebida. Isso se aplica particu- larmente às crianças, que têm mais dificuldade em acei- tar o jejum. Nesses casos, a responsabilidade de manter o jejum prescrito é do adulto encarregado de cuidar da criança. CONCLUSÃO Em conclusão, podemos afirmar que modernamente considera-se um direito do cidadão (no caso o paciente) a escolha do médico anestesiologista que fará o atendi- mento. Essa escolha é facilitada pela consulta prévia, onde ocorre o intercâmbio de um conjunto de informações úteis para encaminhar a cirurgia dentro dos objetivos de segurança e conforto para o paciente. ANESTESIA 67 “Caro Doutor: quero, antes de tudo, agradecer por toda atenção com que trataste do problema na minha perna. Por teres me garantido bons sonhos durante a operação e nenhuma dor enquanto estive no Hospital.” Essa mensagem de agradecimento revela não somen- te o reconhecimento pelo tipo de atendimento prestado, mas também os medos que freqüentemente assolam a quem se submete a um procedimento anestésico, medos esses que muitas vezes vão além do procedimento propriamente dito e que acabam sendo confiados ao aneste- sista, que o acompanha além do ato ci- rúrgico, nos períodos pré e pós-operató- rios. Podemos ir um pouco além e pen- sar nas expectativas do tipo de cuidado que o paciente espera receber do seu anestesiologista. Isso certamente tem a ver com o desejo de ser aten- dido por um profissional tecnicamente competente, mas também revela algo mais: o desejo de ter alguém à sua cabeceira, atento e cuidadoso, para perceber o menor si- nal de dor ou perigo. Que mantenha sua vida e a proteja do sofrimento e do desconforto, mesmo depois de a ci- rurgia terminar. Quando determinado problema de saúde encontra sua solução num procedimento cirúrgico, se este se fizer 1 0 Medo da anestesia Podemos ir um pouco além e pensar nas expectativas do tipo de cuidado que o paciente espera receber do seu anestesiologista. 70 ANESTESIA As dúvidas sobre a possibilidade de um “choque anestésico”, por exemplo, ainda aparecem com alguma freqüência. O maior medo é sua ocorrência no início do ato anestésico, como conseqüência de uma reação alér- gica aos medicamentos utilizados. Mas no “choque anes- tésico”, no entender dos pacientes, incluem-se as situa- ções nas quais algo imprevisto e grave acontece, ocasio- nando o risco de morte no transcorrer da anestesia. Também podemos tentar entender esses temores em outra instância. A referência à morte é definida muitas vezes por metáforas como o último sono ou o sono eterno, algo que permanece para sempre inerte e insensível. E o sono induzido pela anestesia, além de estar totalmente fora do controle de quem a ele é submetido, também compreende a condição da inércia e da insensibilidade. Essa insensibilidade, embora possa ser temida, é funda- mentalmente desejada. Torna-se a ga- rantia de que a dor não será sentida enquanto, sob a ação da anestesia, o procedimento cirúrgico se desenvolve. Torna-se a garantia, enquanto se man- tém concomitantemente a vida, que, mesmo que o paciente esteja privado da comunicação verbal direta, naquele momento o anes- tesiologista se mantém atento e estabelecendo os cuida- dos adequados. Talvez por isso mesmo, ao conversar com o aneste- sista, com freqüência, os pacientes costumam dizer que estão “entregando a vida em suas mãos”. E o momento de se entregar ao sono anestésico só poderá adquirir ca- ráter tranqüilo sob a condição básica de um sentimento de confiança no profissional responsável pelo ato. Isso inclui o desejo de não sentir nada que possa ser desagra- Os pacientes costumam dizer que estão “entregando a vida em suas mãos”. ANESTESIA 71 dável durante o ato operatório ou logo após. Inclui, tam- bém, o próprio ato anestésico. MEDO DE LESÕES Pode gerar angústia pensar que o procedimento da anestesia possa ser desconfortável e doloroso por si mes- mo ou até passível de causar, eventualmente, algum tipo de lesão por acidente. Essas preocupações com os resultados pertinentes à anestesia têm a ver principalmente com o medo de que alguma seqüela possa aparecer por algum imprevisto ocor- rido. Algo que seria vivido verdadeiramente como uma mutilação. Dentro disso estariam principalmente: – medo de lesão nas cordas vocais, pelo uso de tubo na traquéia, para ventilação pulmonar, usado em aneste- sia geral; – medo de lesão cerebral, por alguma parada car- díaca; – medo de paralisia dos membros inferiores, depois de um bloqueio anestésico, como os bloqueios espinhais. MEDO DE DOR E DESCONFORTO Existe o temor de que dor ou desconforto pos- sam ser sentidos durante a cirurgia. E até um pouco mais: se ocorrer, o receio de que se possa sentir alguma dor no início da cirurgia ou até mes- mo que possa acabar o efeito da anes- tesia antes do término da cirurgia. Existe o temor de que dor ou desconforto possam ser sentidos durante a cirurgia. 72 ANESTESIA Esses temores aumentam se forem acompanhados da idéia de que, se o paciente estiver sob efeito de seda- ção ou anestesia geral, não poderá comunicar o que estiver sentindo. Por outro lado, se imaginar acordado durante uma cirurgia pode ser muito assustador. Se não puder me co- municar, o anestesiologista estará atento ao meu lado e terá meios para perceber o que está se passando comigo? Em primeiro lugar, não se inicia uma cirurgia sem que seja devidamente avaliada a ausência de sensibilida- de, necessária para a realização do procedimento cirúrgi- co. Nas anestesias com bloqueio essa informação é for- necida pelo próprio paciente, através de testes realizados pelo anestesiologista, pois o tipo de sedação utilizada não incapacita o paciente de se comunicar quando isso for necessário. A monitorização permanente dos sinais vitais permite que, mesmo sob sedação ou anestesia geral, se possa acompanhar, e perceber com tempo su- ficiente, qualquer alteração nos níveis da anestesia. Não existe, dessa forma, a possibilidade que termi- ne a anestesia antes de se concluir a cirurgia, sendo que somente ao seu término tornam-se mais brandos os ní- veis de sedação do paciente com bloqueio, quando en- tão se promove o despertar. O ALÍVIO DO ACORDAR É outro momento em que, paradoxalmente, o acor- dar também pode ser vivido com alguns medos. Acordar tem não apenas o significado de despertar de um sono Não existe a possibilidade que termine a anestesia antes de se concluir a cirurgia. ANESTESIA 75 observado era de ansiedade e de dor. Dor pela separação dessa pessoa conhecida, seu objeto cuidador, e ansiedade como reação ao perigo da perda de quem transmite se- gurança. Em outras palavras, ao nascer, a criança se encontra em situação de extremo desamparo. A partir da percep- ção gradual disso é que acaba adquirindo o reconheci- mento da sua dependência e da necessidade do objeto cuidador. Assim, como reação a uma situação de perigo, por um deslocamento ulterior ao longo da vida, o senti- mento de ansiedade reapareceria. Dessa maneira, uma situação nova a ser enfrentada, que possa ser vivida como de risco, acrescida da impossi- bilidade de resolução pelo próprio indivíduo, certamen- te, de uma forma ou de outra, dará origem à ansiedade. Não apenas isso, mas também propiciará, através dos meandros do inconsciente, uma ligação direta e contí- nua com o sentimento de desamparo infantil, gerando a necessidade de mais uma vez poder contar com alguém para o seu cuidado e proteção. A RELAÇÃO PACIENTE/ANESTESIOLOGISTA Deixamos para acrescentar por último, não por ser de menor importância, que um dos medos relatados com muita freqüência é o de não poder estabelecer uma boa relação com o anestesiologista. E que imaginar essa pos- sibilidade é capaz de gerar pânico e sensação de desam- paro. Se pensarmos no tipo de cuidado que o paciente espera receber, além do alívio da dor física, vamos en- contrar a necessidade de que sejam entendidas as suas 76 ANESTESIA preocupações com a doença ou lesão que está fazendo com que seja submetido à cirurgia, como aparece bem no cartão escrito pelo paciente, ao agradecer ao aneste- siologista a atenção dada ao problema da sua perna. Vamos encontrar a necessidade de ter alguém que escute zelosamente e entenda todos os temores, queixas e dores que possam surgir. Que acompanhe de perto o momento da entrada no sono da anestesia, e esteja pre- sente durante o acordar. E esteja presente até mesmo depois, se isso se fizer necessário, mantendo o alívio da dor e, conseqüentemente, da dor mental associada a ela. Ou seja, que propicie um sono tran- qüilo, de preferência com bons sonhos e nenhuma dor, como aquilo que foi escrito no mesmo cartão. Estamos então frente à necessidade de um outro objeto cuidador, que só faltaria dizer, na hora em que o paciente adormece: “Durma bem e tenha lindos sonhos”, como as mães costumam dizer muitas vezes aos filhos, ao colocá-los para dormir. COMO ENFRENTAR O MEDO Enfrentar o medo da anestesia poderia começar, quem sabe, pela compreensão de que nem toda ansieda- de associada a ele tem cunho apenas realístico, e dessa forma alguma ansiedade ou medo sempre irá existir, em maior ou menor grau. A melhor maneira de aliviar o medo é estabelecer, sempre que possível, um contato prévio com o aneste- siologista, acrescentando-se nesse momento uma outra compreensão: a de que na situação de paciente de um “Durma bem e tenha lindos sonhos.” ANESTESIA 77 procedimento cirúrgico, frente a uma situação nova como a anestesia, se depende intensamente do anestesiologista para o alívio da dor e para a manutenção da vida. Esse contato, denominado de entrevista pré-anes- tésica, permite ao anestesiologista avaliar exames, solici- tar algum outro que possa julgar ne- cessário e também orientar-se pelo his- tórico médico e familiar do paciente. A percepção das condições emo- cionais faz parte do processo, o que vai permitir dados complementares para a indicação de medicação sedativa pré- via e da técnica anestésica mais adequada ao paciente em relação ao procedimento cirúrgico proposto. Frente à experiência desse contato com o interesse do anestesiologista, surge a oportunidade para o pacien- te tentar resolver suas dúvidas junto ao profissional que irá atendê-lo. Perguntas sobre o tipo de anestesia, os pos- síveis riscos e medos que porventura apareçam, como será a recuperação, se a dor que sentirá depois será su- portável e outras mais que possam ocorrer. Solicitar que sejam explicados, se assim o desejar, os passos do proce- dimento e até mesmo poder perguntar se o anestesiolo- gista permanecerá o tempo todo ao seu lado e se o acom- panhará na sala de recuperação ou se voltará a vê-lo de- pois já no quarto. Esclarecimentos sobre a qualificação e a experiência do profissional podem ser algumas das questões desejosas de serem respondidas, já que o nível de formação profissio- nal do anestesiologista pode ser importante na determina- ção do resultado final de um procedimento anestésico. Essa possibilidade de o paciente estabelecer um con- tato prévio com seu anestesiologista, mesmo se for por A melhor maneira de aliviar o medo é estabelecer um contato prévio com o anestesiologista. 80 ANESTESIA Os mecanismos que levam a reações anafiláticas podem ser de origem imunológica ou não-imunológica. É muito difícil, se não impossível, distinguir pelas mani- festações clínicas qual dos mecanismos está envolvido. Algumas vezes os dois estão presentes. As reações imunológicas têm duas características principais: interação entre antígeno e anticorpo e de- sencadeamento da reação por reexposição ao antíge- no. Para ocorrer essa reação, é necessário contato pré- vio do organismo com o antígeno, ou com alguma subs- tância com estrutura química semelhante. Quando isso ocorre são formados os anticorpos, que permanecem unidos à superfície de células do organismo chamadas mastócitos e basófilos. Num segundo contato, a reação antígeno-anticor- po resultante leva à ruptura dos mastócitos e dos basófi- los e a liberação, no sangue, de várias substâncias – a histamina é a principal – que desencadeiam um quadro alérgico de gravidade variável. As reações não-imunoló- gicas ocorrem por liberação de histamina, direta ou in- diretamente, e não dependem da reação antígeno-anti- corpo. Clinicamente, a reação alérgica apresenta-se de várias formas, podendo manifestar um ou mais sinto- mas apresentados na quadro a seguir. Quanto mais exuberante for a reação, maior é sua gravidade. ANESTESIA 81 MANIFESTAÇÕES ALÉRGICAS CARACTERÍSTICAS Urticária Placas avermelhadas, que provocam intensa coceira. Rinite alérgica Coceira no nariz, espirros sucessivos, coriza e congestão nasal. Asma brônquica Tosse, chiado no peito e dificuldade para respirar. Edemas Inchaço e vermelhidão nos lábios, nas pálpebras e nas orelhas. – Há uma deformação geral da face. Edema de glote Inchaço que acomete a abertura da traquéia, por onde passa o ar que vai para os pulmões. Provoca dificulda- de respiratória. Gastrintestinais Náuseas, cólicas, vômitos e diarréi- as. Os sintomas podem ocorrer se- paradamente ou nessa seqüência. Cardiovasculares Taquicardia (palpitação), sensação de sufocação e desmaio (queda da pres- são), suor frio, estado de pré-choque. Choque Reação generalizada e aguda. anafilático Pode iniciar 1 a 2 horas após o conta- to com o alergeno, desenvolvendo-se em minutos. Inicia com urticária, tos- se, chiado, dificuldade para respirar, edema de glote e taquicardia. Exige tratamento imediato, pois pode evoluir rapidamente para pa- rada cardíaca e morte. 82 ANESTESIA TESTES DE SEGURANÇA Há testes de segurança? Testes que mostram se um paciente pode ou não ser submetido a uma anestesia com segurança ou ter uma reação alérgica a algum fármaco? São o sonho de anestesiologistas, alergistas e pacientes. Infelizmente, esse sonho dificilmente se tornará realida- de, pois a quantidade de pro- dutos químicos disponíveis é tão grande, que seria necessá- rio realizar, antes de cada anestesia, vários milhares de testes, o que é inexeqüível. Não existe teste de triagem que possa determinar se um indivíduo pode ou não ser submetido a uma anestesia. Em pacientes atópicos ou naqueles que têm histó- ria de ter desenvolvido um choque anafilático, na tenta- tiva de identificar a quais substâncias esses indivíduos são alérgicos, alguns testes são utilizados. Os testes mais empregados são os cutâneos e o de radioimunoensaio. Os testes cutâneos são os mais utilizados, por serem baratos e tecnicamente simples. Nesses testes, é aplicada uma quantidade muito pequena de determinado alerge- no na pele e observada a resposta cutânea (vermelhidão). Os testes devem ser avaliados por pessoas experientes e apresentam grau de confiabilidade que não alcança os 100%. Deve-se salientar que esses testes apresentam incon- venientes e limitações, uma vez que, durante sua realiza- ção, podem ocorrer reações alérgicas nos indivíduos sen- síveis e que um resultado negativo não afasta completa- Não existe teste de triagem que possa determinar se um indivíduo pode ou não ser submetido a uma anestesia. ANESTESIA 85 PREVENÇÃO E TRATAMENTO A ocorrência de choque anafilático não é sinônimo de irreversibilidade, pois existe tratamento. E na sala de cirurgia estão reunidos todos os recursos para tratar ade- quadamente essa emergência, sendo que na maioria dos casos o resultado do tratamento é o pronto restabeleci- mento da saúde. Evitar o contato com a substância desencadeadora da reação alérgica é importante tanto para o tratamento quanto para a profilaxia. Por isso, uma parte importante da avaliação pré-anestésica é dedicada a averiguar a his- tória de cada paciente. Os antecedentes e as manifesta- ções alérgicas devem ser informadas ao médico-aneste- siologista. Existem medicamentos que diminuem a liberação das substâncias desencadeadoras do choque anafilático. Outros que diminuem ou bloqueiam os efeitos dessas substâncias na circulação. Assim, em pacientes com his- tória positiva, é possível fazer a profilaxia da reação alér- gica. Com tais medidas, a reação alérgica não acontece, ou tem seu quadro clínico amenizado. Embora sempre requeira cuidado, observação e às vezes tratamento agressivo, a reação alérgica e o choque anafilático em anestesia não são a catástrofe que o pú- blico leigo imagina. Isso acontece por desinformação e porque os poucos acidentes em anestesia, sobretudo os mais famosos, são divulgados pela mí- dia como resultantes de choque ana- filático, quando na realidade nunca o foram. O anestesiologista é o médico com maior capacidade de tratar adequadamente um choque anafilático. 86 ANESTESIA Certamente a sala de cirurgia é o local que apresen- ta todos os recursos necessários para o tratamento de um choque anafilático; recurso de drogas, monitores, mate- rial cirúrgico e equipe médica. O anestesiologista adquiriu durante seu treinamento para a prática da anestesia conhecimentos e habilidades que o tornam o médico com maior capacidade de tratar adequadamente um choque anafilático. E isso é muito confortante. ANESTESIA 87 A grande diferença entre a anestesia obstétrica a as demais é o zelo e a preocupação que a futura mãe mani- festa em relação aos efeitos da anestesia no filho que irá nascer. Essa atitude deriva da consciência de que os anes- tésicos utilizados passam através da circulação placentá- ria e alcançam o sangue fetal. Isso é verdade: praticamente todas as drogas anesté- sicas utilizadas alcançam a circulação fetal, em maior ou menor quantidade. Devemos analisar então quais os efei- tos que elas exercem no feto. Quando utilizamos, para uma operação cesariana, anestesia geral, e existem algumas situações em que esta é a melhor escolha, é muito provável que, ao nascimen- to, o filho apresente algum grau de depressão, causado pela passagem através da circulação placentária dos anes- tésicos administrados à mãe. O Apgar do recém-nascido no primeiro minuto, um indicador de bem-estar e vitali- dade fetal, costuma ser menor quando comparado com filhos de mães que foram submetidas a anestesia espi- nhal. No quinto minuto, entretanto, não se encontra mais nenhuma diferença, o que mostra que esses efeitos da anestesia geral são transitórios. Considerando somente o ponto de vista de segu- rança, tanto a anestesia geral quanto a espinhal podem ser utilizadas. No nosso meio, a anestesia espinhal tem ganho merecida preferência, pois propicia que a mãe, e também o pai, participem intensamente do significativo 1 2 Anestesia e gestação 90 ANESTESIA dos os tipos de dor, a do parto é a que apresenta maiores possibilidades de ações para obtenção de alívio. Dessa forma, se desejar, pode discutir com seus médicos sobre o tipo de analgesia a ser utilizado. A maternidade é uma situação muito especial na vida da mulher, e existe quem prefira ter seu filho sem utilizar nenhum tipo de analgesia. Isso deve ser respeita- do. A analgesia deve ser utilizada em todas as mulheres que o queiram, ou estar disponível para ser utilizada quando se fizer necessária. Durante o parto, a dor determina uma série de alte- rações que se refletem no bem-estar do recém-nascido. Como regra geral, quanto mais comprometido for o es- tado de saúde da mãe, por doenças pré-existentes ou pró- prias da gestação, mais a analgesia está indicada. Ao realizarmos uma analgesia, ocorre absorção e passagem de uma quantidade dos analgésicos para den- tro da circulação materna. Por esse intermédio, uma quantidade ainda menor pode alcançar a circulação placentária e a fetal. Os efeitos disso são mínimos e podem ser facilmente controlados pelo anestesista e pelo pediatra. Da mesma forma, ocorre passagem dos analgésicos através do leite. É preciso considerar, entretanto, que os analgésicos utilizados são aqueles que, devidamente es- tudados, demonstraram os menores efeitos no recém- nascido. Além disso, saliente-se que, após uma operação cesariana, a dor é mais intensa nas primeiras vinte e qua- tro horas, período em que, geralmente, a amamentação ainda não se iniciou. Outra conduta altamente recomendada é tomar o analgésico logo após ter finalizado a amamentação, pois, até que a nova amamentação se inicie, o organismo ma- ANESTESIA 91 terno tem tempo para eliminar o analgésico. Não há ra- zão médica para não se proceder ao alívio da dor durante e após o nascimento. CIRURGIAS DURANTE A GRAVIDEZ Uma mulher está ou pode estar grávida e necessita sub- meter-se a uma cirurgia: como proceder? Deve informar ao seu médico a respeito da gravidez ou do atraso menstrual, ou da possibilidade de estar grávida. Cirurgias eletivas são desaconselháveis durante a gravidez e devem ser evitadas. Geralmente são proteladas para um outro período fora da gravidez. A urgência em resolver o caso deverá ser considera- da pelo cirurgião em conjunto com o seu obstetra, ou com o seu clínico, ou com ambos. Aqui falamos daque- las situações, raras é verdade, em que a cirurgia é de urgência ou emergência e tem que ser realizada: uma retirada do apêndice cecal, um sangramento que não cessa, por exemplo. Nessas situações não há como adi- ar; a cirurgia tem que ser feita, pois, ao não fazê-la, estaríamos colocando em risco a vida da mãe e, por conseqüência, a do bebê. A dúvida, que deve ser esclarecida, é: a realização da anestesia e da cirurgia prejudica ou compromete o bem- estar e o futuro do bebê. Para responder a essa questão, inicialmente é preciso considerar que, mesmo em servi- ços especializados, o número desses casos de urgência é pequeno, o que dificulta a realização de estudos mais conclusivos. Entretanto, com a experiência acumulada, A dúvida é se a realização da anestesia e da cirurgia prejudicam ou comprometem o bem- estar e o futuro do bebê. 92 ANESTESIA é possível afirmar, com razoável grau de certeza, que o risco de se realizar a anestesia nessas condições é bastante pequeno. Ao que tudo indica, a anestesia bem realizada e con- duzida influi muito pouco na incidência de interrupção da gravidez e não apresenta riscos de alterações detectá- veis ao feto. É razoável afirmar, também, que, sempre que pos- sível – estamos falando de situações de urgência –, as anestesias devem ser realizadas em centro especializado no manejo de gestantes, por um anestesiologista expe- riente em anestesia obstétrica, com monitorização dis- ponível. O desencadear de trabalho de parto prematuro é uma possibilidade que, embora rara, pode ocorrer, e o aumento da atividade contrátil do útero precisa ser moni- torizada, pois existem drogas que podem neutralizá-la. ANESTESIA 95 prestado um serviço e este é de meio e não de fim, ou seja, o médico emprega todos os seus esforços na tentati- va de curar ou salvar um paciente, mas se não consegue, por razões alheias a sua vontade, isso não lhe tira o direi- to da cobrança. Muitas vezes, a falta de êxito independe do trabalho executado, mas, tão-somente, da própria natureza do mal do qual o paciente é portador. O direito do anestesiologista de receber honorários pelos serviços profissionais prestados aos seus pacientes encontra-se na própria lei brasileira, no Código de Ética Médica, instituído pelo Conselho Federal de Medicina, mediante a Resolução nº 1.246, em 8 de janeiro de 1988. No código está escrito: “A fim de que possa exercer a Medicina com honra e dignidade, o médico deve ter boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa e é vedado ao médico receber remuneração pela prestação de serviços profissionais a preços vis ou extorsivos, inclusive através de convênios. É vedado ao médico deixar de se con- duzir com moderação na fixação de seus honorários, de- vendo considerar as limitações econômicas do paciente, as circunstâncias do atendimento e a prática local. “O médico deve ajustar previamente com o pacien- te o custo provável dos procedimentos propostos, quan- do solicitado. Não pode firmar qualquer contrato de as- sistência médica que subordine os honorários aos resul- tados do tratamento ou à cura do paciente. É vedado ao médico cobrar honorários de paciente assistido em insti- tuição que se destina à prestação de serviços públicos; ou receber remuneração de paciente como complemento de salário ou de honorários.” Muitas vezes, a falta de êxito independe do trabalho executado. 96 ANESTESIA Posto isso, o que pode ser considerado um valor justo? Ainda não há um consenso, e talvez não possa haver. Existe uma Lista de Procedimentos Médicos, onde estão descritos todos os procedimentos e valores corres- pondentes, que serve de referência para a cobrança da anestesia. Na realidade, a lista orienta os preços mínimos para a cobrança, servindo de indicativo aos anestesiolo- gistas para que estes cobrem de acordo com os princí- pios aqui colocados, e com as leis de mercado, valores justos e condizentes com o elevado serviço que prestam à sociedade. ANESTESIA 97 A maioria dos anestesistas brasileiros, mais de 6.000, estão vinculados à Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA). Segunda sociedade de aneste- sia do mundo em número de sócios, a SBA é uma sociedade civil, sem fins lucrativos, com sede própria na cidade do Rio de Janeiro, fundada em 25 de feve- reiro de 1948, com fins educacionais, de pesquisa e político-associativos, organizada para elaborar, difun- dir e aprimorar os padrões da prática médica da anes- tesiologia e melhorar o atendimento aos pacientes. Mesmo com autonomia econômica e administrativa total, a SBA é o Departamento de Anestesiologia da Associação Médica Brasileira (AMB). A SBA está em contato permanente com diver- sos setores da sociedade, desde órgãos governamen- tais, Conselhos de Medicina, sociedades congêneres, fabricantes de equipamentos e de medicamentos, orientando e buscando a segurança do paciente anestesiado e lutando pela qualificação do atendimento à saúde. É uma Sociedade dinâmica, res- peitada por suas congêneres nacionais e internacionais, com a meta de formar e aperfeiçoar o anestesiologista, proporcionando com isso uma melhora no atendimento ao paciente, nosso alvo de atenção. 1 4 Como se organizam os anestesiologistas? A SBA está em contato permanente com diversos setores da sociedade.
Docsity logo



Copyright © 2024 Ladybird Srl - Via Leonardo da Vinci 16, 10126, Torino, Italy - VAT 10816460017 - All rights reserved