Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

05 estudos de caso, Notas de estudo de Urbanismo

Centro Pedagógico da UFMG O campus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) possui uma área de 2.988.854 m2, toda cercada, com alambrado (FIG. 5.1 e 5.2). Sua malha interna do Campus liga-se à via arterial norte, avenida Antônio Abrahão Caram, pela rua II, a via arterial oeste, avenida Presidente Carlos Luz, pela rua 14, e à avenida Antônio Carlos, por meio de sua avenida principal, a avenida Reitor Mendes Pimentel. Essas três vias estão ligadas às vias de ligação regional, que estão també

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 10/06/2010

emerson-costa-13
emerson-costa-13 🇧🇷

4.5

(15)

21 documentos

Pré-visualização parcial do texto

Baixe 05 estudos de caso e outras Notas de estudo em PDF para Urbanismo, somente na Docsity! A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 267 5 ESTUDO DE CASOS 5.1 Centro Pedagógico da UFMG O campus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) possui uma área de 2.988.854 m2, toda cercada, com alambrado (FIG. 5.1 e 5.2). Sua malha interna do Campus liga-se à via arterial norte, avenida Antônio Abrahão Caram, pela rua II, a via arterial oeste, avenida Presidente Carlos Luz, pela rua 14, e à avenida Antônio Carlos, por meio de sua avenida principal, a avenida Reitor Mendes Pimentel. Essas três vias estão ligadas às vias de ligação regional, que estão também ligadas à hierarquização geral do sistema viário do município (vias de ligação regional, vias arteriais, vias coletoras e vias locais). FIGURA 5.1 – Maquete do planejamento do campus da UFMG (décadas: 1960-1970) Fonte: Acervo ABDALLA, William, 2006. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 268 FIGURA 5.2 – Mapa do campus da UFMG Fonte: DUMBAR, 2000, p.113. O campus é classificado pelo parcelamento e uso do solo no Plano Diretor de Belo Horizonte como ADE (Área de Diretrizes Especiais) n. 2 – Bacia da Pampulha. Compreende quatro áreas, sendo que duas são classificadas como ZP-1 e duas como ZPAM. A região é bem arborizada e bem conservada, dispondo de bom servido de transporte coletivo. O campus está inserido na região administrativa da Pampulha, junto com os bairros: Bandeirantes, São Luís, Copacabana, Céu Azul, Braúnas e São José, e a lagoa, que compõe a bacia da Pampulha. A região está bem servida por boa infra-estrutura no que diz respeito a clubes, estádios, supermercados, hipermercados e colégios. Conta, ainda, com zoológico, aeroporto e edifícios históricos pertencentes ao Complexo Arquitetônico da A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 271 FIGURA 5.4 – Centro Pedagógico (planta nº. 2) Fonte: DUMBAR, 2000, p.109. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 272 FIGURA 5.5 – Centro Pedagógico, planta nº. 3. Fonte: DUMBAR, 2000, p.110. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 273 FIGURA 5.6 – Maquete do planejamento do campus da UFMG, décadas: 1960-1970. Fonte: DUMBAR, 2000, p.111. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 276 Estrutura e escadaria Escada de acesso ao mezanino. FIGURA 5.12 – Centro Pedagógico FIGURA 5.13 – Centro Pedagógico Fonte: Fotos do autor, 2006. Fonte: Fotos do autor, 2006. Visão do estacionamento Saída do estacionamento FIGURA 5.14 – Centro Pedagógico FIGURA 5.15 – Centro Pedagógico Fonte: Fotos do autor, 2006. Fonte: Fotos do autor, 2006. O partido adotado por Abdalla é simples e organizado em cruz. Sua volumetria é de fácil apreensão, com texturas ora lisas, ora ásperas. A edificação possui aberturas em fita para vistas dominantes que facilitam a integração da edificação com o seu exterior. À maneira de Artigas, o arquiteto mineiro optou pela integridade dos materiais, principalmente as estruturas de concreto, confeccionadas aparentes, conseguindo assim unir harmoniosamente programa, arquitetura, estrutura e construção. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 277 Dessas alianças representativas com as diversas áreas de conhecimentos, surgiu uma edificação de caráter cívico, de extraordinário requinte e dignidade. O arquiteto apresenta a solução em um espaço polivalente, que procura oferecer às crianças um ambiente familiar: pátio, cantina, auditório aberto e coberto, todos inteiramente integrados, onde está situado o bloco 3. É em torno deste bloco que os demais setores da edificação foram organizados radialmente, constituindo um espaço articulador entre os demais blocos. O bloco 3 possui como ponto focal a iluminação zenital proveniente da estrutura grelhada da cobertura. Originalmente, dômus translúcidos cobriam a cobertura grelhada, mas recentemente foram trocados por telhas corrugadas de alumínio, que cobrem este espaço, alternadamente, ora translúcidas, ora opacas. O pé-direito é duplo e atenua o calor provocado pelos raios solares que atravessam as telhas translúcidas. Vale salientar a excelente adequação da edificação ao terreno acidentado e a geniosa solução encontrada pelo arquiteto ao criar este espaço polivalente, iluminado zenitalmente, que se tornou ponto de encontro por excelência. O mesmo efeito encontra-se nas edificações de Louis Kahn e Artigas, dispondo de enormes clarabóias para iluminação zenital, que proporcionam interessantes gradações pelo mágico jogo de luz e sombra, criando diversas texturas nas superfícies sob o efeito de tonalidades variadas. Após passar por sucessivas evoluções pedagógicas, a escola elementar transpõe para a arquitetura os seus conceitos modernos, que vão A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 278 refletir nesta, nos quesitos construtivos e tipológicos.3 Essa solução gerou um átrio, que articula perfeitamente as salas de aula e, quando necessário, transforma-se em importante espaço de sociabilidade e de encontro pedagógico. Na face sul, foi reservada uma área para um herbário, mas este está desativado. Na face leste, foram posicionadas, adequadamente, quadras de esportes descobertas e um parque infantil. No bloco 1, encontram-se o hall de entrada e um conjunto majestoso de escadarias, o qual articula dois espaços: uma descende leva o fruidor até o átrio no bloco 3; e outras duas, situadas em extremidades opostas (blocos 2 e 4), elevam-se aos mezaninos. Abdalla optou por dispor as salas de aulas nos blocos 2 e 4, e fez isso, preferencialmente, por justaposição e de forma modulada, acompanhando o mesmo módulo das estruturas. Estas salas são acessadas por circulações organizadas em torno de seu perímetro. As salas de aula são retangulares, quase quadradas4, “o que permite uma maior 3 As escolas projetadas em função da pedagogia moderna devem estar firmadas nos principais pontos ressaltados por Mello (1961): “Igualmente, não nos podemos esquecer do que Herbert Read chama “ambiente educativo”, ou seja, a consideração de que todas as partes da escola deveriam ser áreas nas quais a educação é praticada. Os espaços para circulação, o refeitório, os pátios, as salas de administração, etc., se sabiamente utilizados, contribuirão para a educação infantil, seja favorecendo o convívio social, seja induzindo às boas maneiras ou despertando o interesse das crianças através de exposições periódicas. Cumpre ressaltar, também, que este “ambiente educativo” está intimamente ligado à solução plástica da escola pois, como já afirmava Platão, a educação estética é uma das bases da boa formação moral, a qual, por sua vez, se nos apresenta como um dos mais importantes escopos da educação. [...] Assim, deve o prédio escolar se caracterizar pela unidade de sua composição espacial, com exclusão de tudo que seja falso e artificial, pois, da limpeza das linhas e do equilíbrio dos volumes, nascerá a beleza tranqüila de que nos falava Ruskin, muito apropriada aos locais para a infância” (MELLO, p. 67 e 68). 4 Atualmente, a pedagogia vigente exige salas de aula com geometrias alternativas, com ênfase na estética e na atratividade, de modo a melhorar a interação entre os alunos. As palavras-chaves em voga na época do planejamento desta escola eram, principalmente: flexibilidade e expansibilidade. Para Suzy de Mello (1961): [...] “a flexibilidade de um edifício (ou de uma de suas peças) é traduzida pela facilidade com que se poderia alterar suas características principais, não só quanto à utilização, mas também, quanto às suas dimensões e forma. Esta alteração, porém, não se deve restringir apenas a uma mera troca de funções entre as peças ou a submissão das mesmas a outras finalidades, sem que certos requisitos a esta inerentes sejam devidamente atendidos. Por isto, a flexibilidade depende tanto da disposição espacial das peças de um edifício quanto de sua solução estrutural e de seus detalhes construtivos. (MELLO, p. 108) As possibilidades de expansão de um edifício dependem do grau de flexibilidade de sua composição espacial, de sua solução estrutural e da disposição de suas instalações hidráulicas, sanitárias e elétricas, além da área necessária para que as ampliações se façam sem prejuízo na orientação das novas construções nem em detrimento da iluminação e ventilação das partes existentes. Tão pouco deve a expansão do prédio gerar conflitos de circulação ou criar áreas inúteis que iriam quebrar a unidade do conjunto” (MELLO, p.111). A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 281 projetada sobre malha modular contínua, de modo a resolver os problemas de integração, flexibilidade e crescimento que a Universidade, em mudança, colocava para a arquitetura ((FIG. 5.1, 5.8, 5.9, 5.10. 5.12, 5.13, 5.16, 5.17, 5.18, 5.18, 5.19, 5.21 e 5.23). FIGURA 5.23 – Centro Pedagógico Fonte: Fotos do autor, 2006. Detalhe da estrutura. A organização do espaço universitário deu prioridade a uma visão construtivista da arquitetura, na medida em que propunha a padronização construtiva, mediante articulações modulares repetidas, procurando expressar a racionalidade preconizada pela reforma universitária. Embora uma rede modular contínua correspondesse à estrutura espacial desejável para um sistema em busca do racional e do flexível na alocação do espaço e na integração interdisciplinar, o Conselho Universitário estava preocupado em manter a legibilidade e a identidade dos lugares caso a sua expressão fosse processada sempre com os mesmos elementos lingüísticos de A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 282 base, motivando a ampliação do repertório dos módulos estruturais, conforme apresentado pelo memorial descritivo, nos seguintes termos: O que parece ser flexível e variado pode vir a ser monótono e tornar-se indiferente à estrutura da Universidade, senão às próprias intenções internas de conformação do espaço. É por isso que se ampliou o repertório dos módulos e de suas possibilidades de combinação, conferindo diversidade aos arranjos modulares e, ainda, a análise extrapolou o nível funcional, estabelecendo uma axiomática de tipologias espaciais (formas de apropriação do espaço e seus atributos ambientais), visando a desenvolver e multiplicar a potencialidade diferenciadora da malha de projetamento. Procurou-se garantir a diversidade e a heterogeneidade dos lugares no interior da rede modular, para confirmar a motivação dos contatos interpessoais e intergrupais. O espaço-tempo universitário deve propiciar aos que dele participam oportunidades de encontro em todos os níveis, bem como a simultaneidade desses encontros, tanto na dimensão formal quanto na informal. O átrio, no bloco 3, está coroado por uma imensa estrutura em grelha vazada, formada por vigas de mesmas dimensões e espaçadas eqüidistante, entrelaçadas entre si ortogonalmente. A iluminação zenital provém dos dômus translúcidos apoiados nesta mesma grelha no forro. Na sua periferia, o arquiteto empregou vigas de concreto aparente, espaçadas ritmicamente. 5.1.3 Tratamento plástico dos volumes e superfícies Como visto anteriormente, Abdalla elegeu o partido em cruz. O edifício é predominantemente simétrico, permitindo uma fácil apreensão de sua simples volumetria. O contraste formal fica por conta de quatro torres, que abrigam as escadas e os reservatórios elevados de água, encimados após as escadas. Essas torres estão articuladas harmoniosamente entre si e o restante da edificação, desbancando um pouco a sua horizontalidade (FIG. 5.3 a 5.7, 5.24 e 5.25). A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 283 FIGURA 5.24 – Centro Pedagógico FIGURA 5.25 – Centro Pedagógico Fonte: Fotos do autor, 2006. Fonte: Fotos do autor, 2006. Escada e cobogó Torre da escada e caixa d’água O arquiteto organizou a edificação de modo que se realizasse o menor desmonte de terra possível. Sendo assim, os blocos estão conectados entre si, mantendo a mesma unidade formal. Porém, nota-se entre eles certa interpenetração, que promove, de certa forma, uma atraente tensão espacial. O tratamento plástico dado pelo arquiteto às superfícies das fachadas alterna-se entre materiais de vedação opaco e transparente, dos quais participam as vigas de concreto posicionadas transversalmente às fachadas e ritmadas segundo a sua modulação, especialmente na fachada principal, noroeste. Participam também dessa plasticidade os cheios e os vazios, contrastes de materiais e texturas ora lisas, ora rugosas, ou combinadas simultaneamente. O amarelo e o azul foram aplicados em alguns ambientes. Mesmo assim, predomina na edificação a cor natural do concreto aparente, embora os brises de alumínio, posicionados a 45º, enriqueçam a fachada principal com a sua cor amarela. No piso do estacionamento, foi aplicado piso poliédrico. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 286 demanda e, ao mesmo tempo, proporcionar economia de energia elétrica (FIG. 5.28 e 5.29). FIGURA 5.28 – Centro Pedagógico FIGURA 5.29 – Centro Pedagógico Fonte: Fotos do autor, 2006. Fonte: Fotos do autor, 2006. Dômus sala de aula – Bl. 2 Escadaria e mezanino. As FIG. 5.30 e 5.31 ressaltam a flexibilidade de usos por parte de alunos, professores e pais. FIGURA 5.30 – Centro Pedagógico FIGURA 5.31 – Centro Pedagógico Fonte: Fotos do autor, 2006. Fonte: Fotos do autor, 2006. Espaço para eventos da cantina. Teatro infantil. O convívio é harmonioso e há grande sociabilidade dos espaços, a saber, hall de entrada, auditório aberto e auditório coberto, que se integram, mezaninos, a área da A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 287 cantina do bloco 3, as salas de aulas e a biblioteca. Ainda há de salientar aqui a permeabilidade desta edificação, por onde a ventilação cruzada proporciona a renovação do ar, a garantir temperaturas amenas. 5.1.5 Diagnóstico da situação atual De maneira geral, o edifício encontra-se em bom estado de conservação, já que uma manutenção periódica é dedicada a ele. Há a necessidade de repor e reparar alguns brizes, pois estão desgastados, devido à ação das intempéries (FIG. 5.22 e 5.23). Em entrevista a chefe dos serviços gerais, fez queixas, salientando-se: Os espaços dos depósitos são insuficientes para guardar cadeiras e outros objetos. E até as antecâmaras são utilizadas como tal ou estão alojadas em quaisquer cantos do corredor. (Informação verbal – Jurema, chefe dos serviços gerais) – (FIG. 5.32) O barulho incomoda muito no átrio – bloco 3 –, quando há neste espaço algum evento ou atividade. (Informação verbal – Jurema, chefe dos serviços gerais) Não foram previstas no projeto luminotécnico luminárias para iluminar a quadra durante a noite. Quando há algum evento, é preciso improvisar a iluminação. . (Informação verbal – Jurema, chefe dos serviços gerais) É inadequado o uso de grandes planos de vidro como vedação nas salas de aula. As crianças, com sua espontaneidade, podem se machucar ao esbarrar abruptamente neles. . (Informação verbal – Jurema, chefe dos serviços gerais) Os dômus das salas de aulas já não são os originais. Os atuais são leitosos, comprometendo a qualidade de luz ao penetrar no seu interior. (Informação verbal – Jurema, chefe dos serviços gerais). A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 288 FIGURA 5.32 – Centro Pedagógico Antecâmara utilizada como depósito. Fonte: Fotos do autor, 2006. Acrescenta-se ainda que: − Faltam fitas antiderrapantes nas escadas. − Nos quadros elétricos, há fios expostos, o que põe em risco a vida das crianças. − O prédio hoje é todo cercado com um gradil, e uma guarita foi instalada no meio do prédio. Embora esta postura garanta maior segurança e controle, houve uma perda de liberdade e permeabilidade espacial para os usuários e o fruidor. 5.1.6 Considerações finais O Centro Pedagógico está estruturado pelas seguintes palavras-chaves: integração, flexibilidade e crescimento. A obra possui um caráter elegante e está ordenada em planta, em torno de um átrio central, onde funcionam, ao mesmo tempo, cantina e A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 291 Ao ter a sua cota altimétrica elevada sobre pilotis, esta residência sobressai tanto pelos usuários da praça quanto pelos transeuntes das vias lindeiras que a circundam. FIGURA 5.34 – Residência Guy Géo, face oeste. FIGURA 5.35 – Residência Guy Géo, face norte. Fonte: Acervo ABDALLA, William, 2006. Fonte: Acervo ABDALLA, William, 2006. A concepção desta residência permite uma leitura barroca. Nesse contexto, traduz a idéia de “casa-palácio”. O próprio arquiteto a define assim: O espírito, no qual enquadramos este projeto, expressa seu valor simbólico, assim como as alienações do modo de produção. Sua monumentalidade transcende o poder econômico em si, através dos princípios manifestados na idéia do belo, onde o visível é apenas o modo de aparecimento desta idéia - sua elevação do material ao espiritual. Esta metamorfose dá-se através da liberdade estética rebelde aos padrões que busca uma mineiridade na essência mesma do barroco -‘que tanto espanto causou aos visitantes da metrópole... ’ Por ser barroca esta casa ostenta naturalmente as contradições sociais ao invés de camuflá-las, libertando sem preconceitos suas emoções. 5.2.1 Assentamento e organização espacial A residência do Sr. Guy Geo localiza-se em um terreno formado por duas esquinas. A face oeste da edificação está situada para a rua Salomão de Vasconcelos. Pelo A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 292 fato de seu corpo principal estar sobre pilotis, torna-a mais visível para quem se encontra ao nível das ruas. Esta edificação possui dois pavimentos superiores, além do andar térreo. Todos estes estão conectados por uma escada principal em forma de caracol e envolvida por um prisma cilíndrico. No topo deste, incorpora-se à escada também um reservatório de água elevado, servindo aqui ao papel de um castelo d’água bem disfarçado. Outra escada externa presta-se para atender aos serviços. Abdalla distribui o programa de necessidades nos pavimentos obedecendo a certa hierarquia, conforme os conceitos do movimento moderno, ao modo de Le Corbusier: a planta-livre: a. no andar térreo, encontram-se a áreas de serviços, abrigo para carros, e uma área de lazer com uma piscina de forma orgânica; b. no primeiro pavimento, estão situados as áreas social e de cocção; c. no segundo pavimento, encontra-se a área íntima (FIG. 5.36, 5.37 e 5.38). A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 293 FIGURA 5.36 – Residência Guy Géo – planta do pavimento térreo. FIGURA 5.37 – Residência Guy Géo – planta do 1º. pavimento. FIGURA 5.38 – Residência Guy Géo – planta do 2º. pavimento. Fonte: Acervo ABDALLA, William, 2006. Fonte: Acervo ABDALLA, William, 2006. Fonte: Acervo ABDALLA, William, 2006. A estratégia compositiva da residência da praça do Papa utilizada pelo arquiteto, tanto pelo aspecto tipológico quanto pelo morfológico provém das obras de Oscar Niemeyer – de modo específico, a capital Brasília. Abdalla mantém nesta edificação as referências aos trabalhos do arquiteto Oscar Niemeyer, principalmente no que se vale das qualidades plásticas dos materiais – especificamente, o Palácio do Itamarati, em Brasília, e o edifício sede da Editora Mondadori. A alusão mais próxima a este projeto pode ser feita quando o arquiteto mantém a mesma composição volumétrica extraída de outro anterior a este de sua autoria, o edifício sede do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, na rua da Bahia, no bairro de Lourdes. A sua volumetria é de fácil apreensão: uma estrutura em concreto armado convencional e aparente (pilares, vigas e uma grelha de cobertura), abarca um A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 296 FIGURA 5.40 – Palácio do Itamaraty, Brasília, 1962 – Oscar Niemyer. Fonte: Disponível em <http://www.pbase.com> . Acesso em 13 maio 2005. Tirando partido da plasticidade do concreto armado, Abdalla projeta as estruturas explícitas à edificação, emoldurando todo o volume interno predominante na sua composição. Fazendo assim, parte do premissa de Niemeyer: estrutura enquanto conceito de projeto, quando aquela germina junto com o partido arquitetônico, conseguindo projetar estruturas e edifícios com elegância. Para o mestre, a estrutura era a personagem principal: a estrutura segue a forma. Dentro dessa arquitetura, procuro orientar meus projetos caracterizando-os, sempre que possível, pela própria estrutura. Nunca baseada nas imposições radicais do funcionalismo, mas sim, na procura de soluções novas e variadas, se possível lógicas dentro do sistema estático. E isso sem temer as contradições de forma com a técnica e a função, certo que permanecem, unicamente, as soluções belas, inesperadas e harmoniosas. Com esse objetivo, aceito todos os artifícios, todos os compromissos, convicto de que a arquitetura não constitui uma simples questão de engenharia, mas uma manifestação do espírito, da imaginação e da poesia (SEGAWA, 1999, p. 143). Havia um estreito relacionamento entre engenharia e arquitetura no desenvolvimento da arquitetura moderna brasileira: “Terminadas as estruturas, a A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 297 arquitetura estava sempre presente [...]”, diria Niemeyer, referindo-se às suas obras de Brasília: Essa idéia de unir à estrutura a forma mais solidária [...] se radicou e tomou outra escala nos últimos anos. Hoje a arquitetura brasileira não exprime apenas a imaginação e a fantasia de seus arquitetos, mas também o avanço de nossa engenharia (PEREIRA, 1997, p. 171). 5.2.3 Tratamento plástico dos volumes e superfícies Para compor o edifício externamente, o arquiteto elege o concreto armado convencional aparente, configurando uma estrutura aporticada, formada de vigas e pilares, tendo seu coroamento na cobertura por grelhas, pórtico este que abarca um volume interno emoldurando-o. Este abarcamento pelos pórticos externos e o recuo do volume interno promovido pelo arquiteto ajudam a suavizar o calor nas faces da residência onde a insolação tem maior incidência. Uma mísula horizontal conecta as lajes em grelha dos pavimentos aos pilares dos pórticos. Esta operação de projeto deixa o volume interno da edificação recuado em relação à estrutura aporticada, de modo que aparece nas superfícies e volumes um contraste muito interessante de brilho e sombra, conferindo-lhe um caráter barroco às vigas superiores da cobertura, projetadas em forma de arcos de seções variáveis e côncavas. Abdalla opta por manter a distinção clara entre os elementos portantes e os elementos de vedação. Na composição volumétrica, privilegia claramente todas as faces do edifício, em que sobressaem os elementos aporticados da estrutura. Porém, o tratamento do volume interno é diferenciado, dependendo da orientação solar e do grau de privacidade que o ambiente exige. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 298 Nas fachadas norte e sul, o arquiteto lança mão de grandes planos de vidro, predominando certa regularidade, apenas quebrada por uma jardineira que marca o segundo pavimento e os vazios existentes do pilotis até o primeiro pavimento e a laje de forro até a grelha de cobertura (FIG.5.41). FIGURA 5.41 – Residência Guy Géo – face sul. Fonte: Acervo ABDALLA, William, 2006. Na face leste, alternam-se os grandes planos de vidros com planos de vedação opaca, ora permitindo a passagem da luz natural, ora garantindo privacidade. Uma escada de serviços em forma oblonga (falsa elipse), solta dos volumes, conecta todos os pavimentos, desde o andar térreo, e não interfere na unidade do conjunto. Na face oeste, na composição existe um equilíbrio entre planos de vedação opaco entrecortado e transparentes. No centro dessa composição, há uma abertura, onde se encontra uma generosa varanda. Além destes planos, o prisma cilíndrico da escada principal, se encontra quase no centro da composição da fachada e se eleva acima da cobertura, contribuindo para o equilíbrio e articulação entre os planos verticais e horizontais. Uma mísula horizontal reforça a continuidade dos pilares até a cobertura. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 301 FIGURA 5.44 – Residência Guy Géo – vista panorâmica da piscina, da praça do papa e do horizonte. Fonte: Acervo ABDALLA, William, 2006. Traspassada a entrada principal, tem-se acesso a todos os pavimentos pela escada em caracol, toda confeccionada em ardente madeira, mesmo o seu corrimão, que, de certa forma, confere-lhe um ar de nobreza. Ao atingir o primeiro lance, depara-se com um largo corredor, que faz às vezes de galeria de arte, como queria a proprietária. Este espaço é caracterizado por diversos materiais, que convivem juntos harmoniosamente, produzindo um ambiente com texturas variadas. No piso e na parede, o arquiteto aplicou o granito. No teto, há uma exuberante sanca de madeira vivaz, que contrasta com a sobriedade e a regularidade das “colméias”, decorrentes da estrutura grelhada. Deve-se ressaltar a iluminação indireta para destacar as obras de arte, resultando em um espaço mais belo e sedutor. Através dessa galeria, cuja função é articular espaços, pode-se chegar a outros três ambientes: na face sul, estão instalados um quarto, uma varanda privativa com jardim e uma biblioteca particular; do centro da galeria tem-se acesso à área de cocção e copa; na face norte, têm-se as salas de estar e de jantar. A urbanidade e a A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 302 contemporaneidade se traduzem em um estar/jantar, que tem interiores refinadíssimos, onde a palavra clean pode ser entendida como uma seleção de flexíveis soluções que dá a qualquer elemento da decoração uma função bem definida de linhas modernas, elegantes e inesperadas, advindas do caloroso trabalho artesanal de marcenaria, usando a madeira como um elemento instigante, conferindo-lhe estilo e personalidade (FIG. 5.45, 5.46, 5.47 e 5.48). FIGURA 5.45 – Residência Guy Géo – escada principal. FIGURA 5.46 – Residência Guy Géo – galeria de arte. Fonte: Acervo ABDALLA, William, 2006. Fonte: Acervo ABDALLA, William, 2006. FIGURA 5.47 – Residência Guy Géo – biblioteca. FIGURA 5.48 – Residência Guy Géo – sala de estar e jantar. Fonta: Acervo ABDALLA, William, 2006. Fonte: Acervo ABDALLA, William, 2006. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 303 Aliadas a essas características e com a mesma inspiração que Abdalla encontrou para desenhar esta obra-prima da arte de morar com conforto, estilo, elegância e harmonia, são igualmente dignos de destaque aspectos do mobiliário, como um charmoso balcão/bar posicionado estrategicamente com a finalidade de articular os ambientes limítrofes a estes. Toda a área íntima se encontra no segundo pavimento, que é conectado pela escada em caracol. Grandes aberturas garantem total integração com a área de lazer e a praça propriamente dita. É uma arquitetura ousada de espaços abertos, e Abdalla incrementou ainda mais o dinamismo ao acomodar estar e jantar em desnível, recurso que dispensou paredes para delimitá-lo e deu origem a um ambiente bastante acolhedor, tendo como convidado o esplendoroso horizonte. 5.2.5 Diagnóstico da situação atual A edificação encontra-se em perfeito estado de conservação. Não se observou nenhuma patologia construtiva ou descaracterização em relação ao projeto original. Entretanto, nota-se a necessidade de limpar a estrutura do concreto e de fazer uma inspeção minuciosa, pois já se passaram quase trinta anos desde a sua construção, em 1977. 5.2.6 Considerações finais Nesta obra, arrisca-se uma leitura barroca, em que o arquiteto importa a idéia de “casa-palácio”. A exemplo de Niemeyer, a sua composição é espetacular, A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 306 O iconoclasmo muçulmano aproxima-se do bizantino, participando também da resistência do protestantismo à reprodução de imagens. Em certo sentido, é o herdeiro do lastro iconoclasta dos antigos semitas. Uma análise, porém, ainda que superficial, do âmbito da arte comprova uma horizontalidade que atravessa a globalidade árabe: a importância do signo, da escrita, como veículo máximo da simbologia islâmica. As letras têm ritmos visuais de grande beleza. Cada letra, palavra ou frase tem sua geometria latente. Cada estilo caracteriza-se por um aspecto que é reconhecido por todos: a sensualidade das curvas para a escrita. O público não-árabe é atraído, primeiramente, pelos elementos universais da arte, que são: geometria e ritmo, gestos, matéria e ocupação do espaço, forma e cores. A perspectiva islâmica considera a arte algo intimamente entrelaçado à vida. Para entendê-la, é preciso incluir desde os hábitos cotidianos a utensílios domésticos. O Islã afirma que Deus ama a beleza e que produzir coisas belas é uma forma de veneração. Neste sentido, há uma grande estima pela arte. No Islã, as formas mais ricas de arte estão ligadas ao Livro Sagrado, o que inclui, do ponto de vista auditivo, a salmodia e a declamação do Alcorão – visivelmente, a caligrafia; e, indiretamente, a arquitetura das Mesquitas – porque é o espaço onde a palavra ressoa. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 307 Uma mesma importância dada às artes encontra-se também nas vestimentas ou nos ambientes. O tapete, por exemplo, serve para sentar, rezar ou comer, sendo extremamente importante no mundo islâmico. Todos os ritos religiosos são feitos no chão (FIG. 5.49). Os muçulmanos, em geral, não usam cadeiras; sentam-se e vivem no chão, como os japoneses. FIGURA 5.49 – Costume árabe de assentar ao chão (Obra de Mustafá Farrouk). Fonte: Disponível em: <www. kfssystem.com.br>. Acesso em 10 abr.2006. Por isso, o piso é o ponto mais importante de contato com o espaço, e é nele que são realizadas todas as atividades da vida. Os muçulmanos fazem grandes esforços para embelezar o espaço. É por isso que a tecelagem de tapetes, que teve início na Pérsia pré-islâmica, foi adotada pela civilização islâmica. O que pode haver de mais afastado da vida, de suas sinuosidades, de sua flexibilidade, do que as combinações geométricas da decoração muçulmana? Elas são criadas por um raciocínio matemático, estabelecidas por meio de cálculos e redutíveis a esquemas de uma grande frieza. Mas nesse quadro severo, uma espécie de febre inquieta multiplica as figuras; um estranho espírito de complicações confunde, revira, superpõe, decompõe e recompõe seu labirinto. Sua própria imobilidade é fascinante de metamorfoses, uma vez que, passíveis de mais de uma leitura, de acordo com os cheios, os vazios, os eixos verticais ou diagonais, cada uma delas oculta e revela o segredo e a realidade de vários possíveis (FOCILLON, 1988, p. 18-19). Como Gaudí o fez com muita propriedade (FIG. 5.50 e 5.51). A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 308 FIGURA 5.50 – Casa Vicens, Antoni Gaudí – fachadas principais. FIGURA 5.51 – Casa Vicens, Antoni Gaudí – detalhe das aberturas. Fonte: Disponível em: <http://ww.rvweb.fr>. Acesso em: 17 jun. 2006. Fonte: Disponível em: <http://ww.bluffton.edu>. Acesso em: 17 jun. 2006. A residência de Maria Beatriz Andrade está localizada na rua Juiz Achilles Veloso, 296. Foi implantada numa encosta de um terreno bastante íngreme. A solução mais viável encontrada por Abdalla foi a de implantá-la em desníveis, assentando cada pavimento em um determinado platô, tendo como pano de fundo, na face noroeste, vistas privilegiadas de toda a região oeste (FIG. 5.52). FIGURA 5.52 – Residência de Maria Beatriz – visão panorâmica da região oeste. Fonte: Acervo ABDALLA, William, 2006. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 311 cimbres de madeira. O fato de essa estrutura ser regrada facilitou a sua representação gráfica e a sua execução, o que já é uma vantagem. Para o teto do escritório, que é também o piso da área de lazer, o elemento estrutural eleito foi o conóide, que, por razões óbvias, atende às duas funções citadas: cobrir e estabelecer uma plataforma. O conóide é uma casca formada por translação. Uma curva plana, chamada “geratriz”, deslocada, apóia-se em duas curvas “diretrizes”, idênticas ou não (FIG. 5.54, 5.55, 5.56A e 5.56B). FIGURA 5.54 – Residência de Maria Beatriz – alvenaria cerâmica armada. FIGURA 5.55 – Residência de Maria Beatriz – cobertura em parabolóides hiperbólicos. Fonte: Acervo ABDALLA, William, 2006. Fonte: Acervo ABDALLA, William, 2006. FIGURA 5.56A – Residência de Maria Beatriz – cimbramento para confecção dos conóides. FIGURA 5.56B – Residência de Maria Beatriz – cimbramento para confecção dos conóides. Fonte: Acervo ABDALLA, William, 2006. Fonte: Acervo ABDALLA, William, 2006. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 312 A Guerrin e Roger-Claude Lavaur ressaltam que as coberturas curvas constituem uma aplicação racional do concreto armado, pois, na maioria das vezes, as coberturas tradicionais existem duas funções: resistência e vedação, atribuídas a dois órgãos distintos: estrutura e cobertura. A cobertura curva, pelo contrário, garante estas duas funções por meio de um único órgão que ao mesmo tempo, isola e resiste. Compreende-se assim a fama deste tipo de cobertura, que é verdadeiramente, a cobertura-tipo em concreto armado, e concebe-se simultaneamente que ela seja econômica, pelo menos correntemente, em comparação com uma cobertura sobre tesouras triangulares ou sobre pórticos. As coberturas autoportantes têm a sua superfície perfeitamente flexível (portanto, não equilibrando qualquer momento, nem de flexão nem de torção), mas capazes de resistir a esforços normais (tração e compressão) e a cisalhamentos e de equilibrar um campo de forças seja ele qual for, mesmo que estas forças não atuem no plano tangencial aos elementos da superfície que as afetem. Esse é o equilíbrio chamado de “membrana”. O mesmo se verifica bem entendido e a fortiori, para as coberturas com curvatura dupla ou para cascas reversas. A rigidez dessas superfícies é considerável, pois uma deformação num sentido é imediatamente compensada por uma outra no plano ortogonal. Isso quer dizer que tem-se aí o cruzamento de um sistema de cabo com um sistema de arco. Essa particularidade é sobretudo aplicada na resistência às cargas concentradas. As coberturas com dupla curvatura, inventadas, em 1934, pelo engenheiro francês Aimont, ficaram em voga na época, sobretudo na França, caindo depois em desuso. No Brasil, México e Uruguai, após 1940, foram executadas construções muito importantes desse tipo. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 313 Candela foi o primeiro a desenvolver esse tipo de forma. A primeira aplicação demonstrou uma inigualável beleza no restaurante Xochimilico, México, cobrindo um pentágono de 42 metros, usando a espessura em torno de 4 centímetros. Outro exemplo clássico é o de Anton Tedesco, Denver, Colorado, que mostra a clareza das linhas elegantes, pela configuração de (40 x 34) metros e 7,5 centímetros de espessura (FIG. 5.57 e 5.58). Para Buschiazzo (1961), muitos exemplos podem ser citados sobre o que influenciou Candela a produzir formas tão esbeltas e elegantes. Dois fatores são preponderantes: Por um lado, o que nos apresenta diariamente através de elementos naturais e manufaturados como modelos de inspiração constante. Nesse aspecto, as cascas de ovo, os moluscos, as folhas pontiagudas, os abajures, a carroceria de automóveis e até certos complementos do vestuário como os abanadores plissados ou os chapéus, que são exemplos de formas resistentes. Por outro lado, devem ter influenciado a obra de Candela os primeiros edifícios com coberturas laminares ou cascas que se construíram em distintos países da Europa. FIGURA 5.57 – Anton Tedesko, Denver, Colorado. FIGURA 5.58 – Xochimilco , restaurante Los Manantiales, Felix Canela, 1958. Fonte: CHRISTIANSEN, 1988. Fonte: Disponível em: <http://ww.deseigncommunity.com>. Acesso em 25 jul. 2006. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 316 FIGURA 5.59 – Construções em parabolóides hiperbólicos já realizadas. Fonte: CHRISTIANSEN, 1988. FIGURA 5.60 – Formas possíveis em parabolóides hiperbólicos a partir do quadrado. FONTE: CHRISTIANSEN, 1988. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 317 FIGURA 5.61A – Sistemas estruturais em parabolóides hiperbólicos. Fonte: CHRISTIANSEN, 1988. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 318 FIGURA 5.61B – Sistemas estruturais em parabolóides hiperbólicos. Fonte: CHRISTIANSEN, 1988. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 321 Podem-se citar como vantagens da alvenaria estrutural: a) Alta resistência mecânica. No caso dos arcos parabolóides de alvenaria cerâmica armada, de maneira semelhante ao que Dieste (1996) mostrou para a catenária, as tensões devidas ao peso próprio são muito baixas. Num arco de 100 metros de vão e flecha de 10 metros, com uma alvenaria cerâmica de 10 cm de espessura e densidade 20 kN/m³, a tensão devida a uma carga uniforme em projeção horizontal, bem próxima do peso próprio, é da ordem de 2,7 N/mm². Aumentando-se o peso, aumenta-se também a área a ser comprimida, e a tensão permanece baixa. Para o arco com 200 metros de vão e flecha de 20 metros, com uma alvenaria de 20 cm de espessura e densidade de 20 kN/m³, a tensão devida ao peso próprio será de cerca de 5,4 N/mm². Os tijolos cerâmicos têm elevada resistência mecânica. Poucos sabem que nos países industrializados a grande maioria do material produzido tem resistências entre 50 e 100 N/mm², e que existem tijolos cerâmicos de preço acessível que alcançam 150 N/mm², resistências que se igualam ou superam as dos melhores concretos. Mesmos nos países em desenvolvimento, como o Uruguai, Argentina e Brasil, existem também tijolo cerâmico de alta qualidade. b) Com tijolo cerâmico são possíveis alvenarias de uma leveza inatingível com concreto ou cimento, excetuando-se o concreto leve. E essa leveza se mantém ao juntar-se para construir peças de dimensões comparáveis ao usual em concreto armado ou argamassa armada. Nas coberturas, as espessuras são da ordem de 7 a 12 cm e, comparadas com o concreto, são 15 a 25% mais leves, e isso reflete também nas fundações. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 322 c) Para a mesma resistência, o tijolo cerâmico tem um módulo de elasticidade menor do que o concreto, o que é uma vantagem, e não um inconveniente, porque dá à estrutura uma maior adaptabilidade às deformações. d) Bom envelhecimento. Com um mínimo de cuidado, a estrutura envelhece melhor que as de concreto armado e resiste melhor às bruscas mudanças de temperatura. e) Ao contrário do que se pode supor, as reparações, mudanças e acréscimos se notam menos que em uma estrutura de concreto não rebocado. f) Excelente isolamento térmico, incrementado pela possibilidade de se utilizar de vazios, seja com tijolos conhecidos fabricados por extrusão ou prensados, ou os obtidos com acréscimo em sua massa de grãos de cerâmica leve (argila expandida). g) Melhor comportamento acústico, por causa do menor módulo de elasticidade e pela facilidade de se construir com tijolos de feitios acusticamente convenientes. h) Capacidade de regulação natural da umidade ambiente, de efeito maior que o suposto, pois demonstram um elevado conforto higrotérmico, devido às excelentes propriedades físicas da cerâmica na regulação da temperatura e umidade ambiente. i) A superfície, em relação a uma de concreto, irradia menos calor no verão e absorve menos no inverno, ou seja tem melhor condicionamento térmico. j) Com as atuais técnicas de fabricação e com uma racionalização global da indústria, pode-se obter um preço por metro cúbico sem comparação com nenhum material de qualidade semelhante. k) Em muitos casos, também o custo da estrutura é muito baixo, difícil de ser superado por outro material de qualidade equivalente. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 323 l) É uma solução ecologicamente vantajosa, pois, segundo Sarrablo (2002), consome menos energia a produção de tijolos que a de concreto e que a de aço, numa proporção de 1:2, 5:15. Ou seja, a produção de concreto consome 2,5 vezes mais energia e a de aço 15 vezes mais energia que a de tijolos. Também o seu principal componente é a argila, que é abundante na natureza, e sua extração não é contaminante (FONTES, 2005, p. 24-26). Outros arquitetos contemporâneos que realizaram obras de enorme transcendência utilizando as cascas como elemento estrutural por excelência e que merecem ser citados são: Oscar Niemeyer, Pier Luigi Nervi, Le Corbusier, Eero Saarinem e nos começos do século XX, já se via o interesse de Gaudí em experimentar tais curvas, que continuava com o interesse de Robert Mailart. Exemplares também são as obras de Roberto Fontes para a igreja do Bairro Lindéia e a igreja do Jardim Montanhês de Ronei Filgueiras, em Belo Horizonte, que tem as suas cobertura projetadas na forma de casca do tipo parabolóide hiperbólico, de alvenaria armada (FIG. 5.66 e 5.67). FIGURA 5.66 – Igreja do Bairro Lindéia – sistemas construtivos – eng. Roberto Fontes. Fonte: Acervo FONTES, Roberto, 2006. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 326 O escritório possui entrada independente, e seu acesso se dá por escadas externas, constituindo um terceiro nível (FIG. 5.69 e 5.70). FIGURA 5.69 – Residência maria Beatriz, acessos ao escritório. Fonte: Acervo de ABDALLA, William, 2006. FIGURA 5.70 – Residência Maria Beatriz, salas de reuniões e dos computadores. Fonte: Acervo de ABDALLA, William, 2006. No pavimento inferior, semi-enterrado, o arquiteto consegue promover um equilíbrio entre os ambientes da seguinte maneira: com aberturas sinuosas – importadas de Gaudí, mas utilizadas de maneira invertida –, Abdalla permite a passagem de luz natural, ao mesmo tempo em que venezianas controlam a sua incidência no interior do ambiente (FIG.5.71). A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 327 FIGURA 5.71 – Residência Maria Beatriz, aberturas sinuosas, área de lazer. Fonte: Acervo de ABDALLA, William, 2006. Uma piscina e uma marquise (no papel de brise-soleil), posicionadas estrategicamente e próximas a uma porta e varanda, que interligam a área social da íntima, atenuam o calor interno, refrigeram e suavizam os ambientes internos. A natureza está integrada em todos os pavimentos, por meio dos desníveis. A idéia de continuidade está presente em toda a edificação, nos pontos de observação, da implantação ao detalhe da fachada do escritório. A edificação está totalmente integrada no espaço circundante, no seu sentido físico. O arquiteto respeita o potencial do local e da região, constrói para o lugar, conformando as linhas da edificação com as do relevo do terreno, valorizando a topografia e a paisagem. Observa-se que são levados em consideração os conceitos da arquitetura orgânica: a idéia do movimento, a integração dos espaços, suaves e complementares à natureza. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 328 Uma parede intercalada de 2 cm ao muro de arrimo protege os ambientes contra infiltrações e odores indesejáveis. Contribuem para o conforto ambiental: os materiais fabricados de argila, que são os tijolos, o uso de cores claras e as formas da cobertura em parabolóides hiperbólicos e conóides. Compõe esta estrutura uma camada constituída de tijolos, uma capa em concreto armado, blocos “sical” e cerâmica comercial. Os blocos formam um colchão isolante, e a última se presta ao papel de telhas (FIG.5.72). FIGURA 5.72 – Residência Maria Beatriz, sala de estar, mezanino e cobertura em parabolóides hiperbólicos. Fonte: Acervo de ABDALLA, William, 2006. A diferenciação da fachada do escritório, por exemplo, reflete o compromisso com as direções do lugar e visa à adequação de cada ambiente às necessidades visuais de iluminação e de utilização. Na fachada noroeste, concentram-se as salas de desenho e de computador. As aberturas e os brises, desenhados com base no gráfico solar, mantêm à vista a iluminação adequada e, ao mesmo tempo, impedem que o sol incida internamente. Uma cobertura na lateral do escritório do tipo “zetaflex” faz o papel de clarabóia e exaustor, permitindo a passagem de luz e a massa de ar quente (FIG.5.73). A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 331 escritório, aproveitando o declive do terreno, e criou um patamar intermediário, que, igualmente, acessa o terraço e a área de lazer (FIG. 5.75). FIGURA 5.75 – Residência Maria Beatriz, terraço e área de lazer e escada secundária de acesso ao escritório. Fonte: Acervo de ABDALLA, William, 2006. O acesso à garagem e a casa se dá por sinuosos percursos, adotando a mesma filosofia de não descaracterizar o relevo do terreno e, quando precisar fazer algum desmonte de terra, respeitar sempre o relevo natural do terreno. Essa postura possibilitou ao arquiteto recriar reentrâncias e nichos que mantêm a relação com o entorno natural. Na planta, expressa grande dinamismo, por meio de rampas e pequenas escadas. Neste espaço semipúblico, é possível observar o tratamento diferenciado das superfícies e pisos. As superfícies foram elaboradas com pedras filetadas. O contraste fica por conta de uma grande área envidraçada, que promove uma perfeita integração entre o estar e o jardim. No piso, o arquiteto lançou mão de pedras irregulares, assentadas sobre terreno gramado, onde o caráter urbano ainda permanece (FIG. 5.76). A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 332 FIGURA 5.76 – Residência Maria Beatriz, fachada sul envidraçada e integração com o entorno. Fonte: Acervo de ABDALLA, William, 2006. Um gradil de formas orgânicas, configurado segundo a estética do art-nouveau, bem ao gosto do arquiteto, foi confeccionado com ferro de construção encimado em um muro de pedras brutas e mantém o diálogo da construção com a rua (FIG. 5.77). FIGURA 5.77 – Residência Maria Beatriz, gradil de formas orgânicas. Fonte: Acervo de ABDALLA, William, 2006. Após traspassar a porta principal, adentra-se um estar em mezanino e, ao lado, uma pequena suíte, que foi transformada em um quarto de visitas. Uma escada interna da casa constituí elemento focal no percurso social, que, do mezanino, dá acesso ao pavimento inferior, onde se encontram as áreas íntimas, A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 333 estar social, cocção e área de lazer, emoldurando todo o estar social. Além de estar aninhada nesse terreno tão insólito quanto atraente, esta vivenda deveria atender a duas funções distintas combinadas em uma estrutura básica: moradia e um amplo escritório de arquitetura (FIG. 5.78 e 5.79). FIGURA 5.78 – Residência Maria Beatriz, escada e fachada principal. Fonte: Acervo de ABDALLA, William, 2006. FIGURA 5.79 – Porta art nouveau. Fonte: Disponível em: <http://www. wikipedia.org>. Acesso em: 28 maio 2006. Nota: Semelhança às portas da residência Maria Beatriz. No interior luminoso, destacam-se o uso de cores e pedras claras, o uso de luz natural e artificial, e as formas das aberturas, como elementos instigantes que conferem estilo, conforto, elegância e harmonia. Todas as aberturas envidraçadas A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 336 antroposofia de Rudolf Steiner. Nota-se aqui um ponto de inflexão em sua carreira, uma notável mudança de paradigma. Nesta obra de extraordinária vitalidade, extrovertida, de preciosa artesania, seu criador aproveita ao máximo a matéria-prima disponível: o tijolo de barro, a pedra mineira e a cerâmica. Fruto de uma experiência árabe, a força de expressão plástica, expressa em barro, conduziu a obra com liberdade e espontaneidade dos materiais. Abdalla encontrou aqui a solução mais viável: implantá-la em desníveis. Ele estudou cuidadosamente os trajetos, o que lhe garantiu uma continuidade espacial e sinergia entre os espaços interior e exterior. São marcantes aqui os processos de metamorfose de que tanto fala Steiner, pois as formas nascem uma das outras, sem qualquer semelhança ou imitação das formas vegetais. Surge um organismo feito pelo homem, organicamente, que, na concepção de Steiner, revela-se relacionado, em interdependência mútua. Não há nesta obra nada que atue isoladamente. Cada elemento depende do outro, em convergências mútuas. Parte-se de um princípio único, evidenciando um relacionamento muito forte entre a parte e o todo. Podem-se observar parentescos entre as formas que compõem as janelas e as portas. Estas, por sua vez, têm semelhanças com os elementos da cobertura, assegurando por meio da transformação em seqüência, a familiaridade entre os detalhes. Todos os elementos trabalham em conjunto para dinamizar os espaços, num grande movimento, que vem dos parabolódes hiperbólicos e dos conóides. E, sem infringir, de alguma A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 337 maneira, as leis mecânicas e geométricas da arquitetura, as formas adquirem qualidade orgânica. O orgânico não é um vocabulário preconcebido, que, a priori, escolhe determinadas formas e rejeita outras. O arquiteto não opera com formas preconcebidas; ele chega a resultados formais muito diferentes ou, até, totalmente opostos. Quem está dentro de casa não se sente fechado. Todas as paredes “abrem-se para o mundo inteiro, criando, ao entrar, a sensação de estar-se ao mundo e não num edifício”. 5.4 A residência “Nonada” Quando se avista a residência “Nonada”5 pela primeira vez – sem sombras de dúvidas, um dos projetos mais instigante de William Abdalla, fica-se, de imediato, estupefato com a associação com uma imagem de infância ou de sonhos, como aquelas contidas no fascinante livro de Lewis Carrol, Alice no País das Maravilhas. De fato, esta idéia é correta, devido à atual fase formal e experimental vivida atualmente pelo arquiteto, pela incorporação de novas visões projetuais em sua maneira de trabalhar: a visão orgânica e a diagramática. Esta obra é marcante e fulgurante em sua carreira. É uma arquitetura que se afasta do habitual, que está diretamente relacionada com a imaginação, com a criatividade e com a fantasia. É difícil rotulá-la ou enquadrá-la em fronteiras das “escolas arquitetônicas” em vigência. 5 Nonada” é a primeira palavra do livro de Guimarães Rosa, Grande Sertão, Veredas. Foi escolhida para denominar esta vivenda pelo proprietário, Dr. Augusto Nunes. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 338 Mário Pedrosa (1996) recapitula a História da Arte para mostrar o quanto, na sua origem, a arte está próxima das criações infantis. Citando Baudelaire, associa o gênio à “infância reencontrada à vontade” e procura mostrar também como as intuições ditas geniais são igualmente inexplicáveis, vindo, por vezes, associadas a comportamentos psíquicos que discrepam daqueles considerados normais. Portanto, não só não era intempestiva a defesa que fazia da arte abstrata como não era incondicional. Em meio à querela realismo versus abstração, o que tentou fazer entender aos críticos renitentes é que a ação da arte deve se dar “em seu campo específico” e obedecendo a “leis próprias”. Ou seja, sua peculiaridade está em atuar diretamente sobre a sensibilidade, e isto menos pelos temas do que pelo “dinamismo próprio das formas”. Para além de todo conteudismo e formalismo, sempre buscou na História da Arte aqueles instantes em que uma síntese entre os impulsos da alma e as imposições da matéria se faziam adivinhar: a junção entre o imaginário e o plástico, entre a forma e a subjetividade (FIG. 5.82). FIGURA 5.82 – Residência Nonada, 1º. croquis e fachada nordeste. Fonte: Acervo de ABDALLA, William e NUNES, Augusto, 2006. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 341 organicismo, o contrutivismo e a arquitetura do Grupo De Stijl. E o que se dizer da utilização por Niemeyer de “gigantescos pratos” ao elaborar o projeto do edifício do Congresso Nacional, em Brasília? ...Namorada do Sol [...] Nova Lima, Poema de luz [...] Plenilúnios de rara beleza [...] Terra de ouro de lúcido brilho (trechos do hino de Nova Lima de Cássio Magnani). Implantada no topo, em meio a uma serrania, na região metropolitana de Belo Horizonte, com vistas dominantes para a cidade de Nova Lima e suas montanhas, esta residência de espírito romântico e seu forte sotaque mineiro, aliada a sua contemporaneidade mutante, invade, com sua magia e atrevimento, o mirante, sem pedir licença, com o objetivo de harmonizar-se com a natureza exuberante ali encontrada (FIG. 5.83). FIGURA 5.83 – Residência Nonada, horizontes e fachada principal. Fonte: Acervo NUNES, Augusto e do autor, 2006. O Condomínio Jardim Petropólis faz parte do município de Nova Lima, que está distante 15 quilômetros, pela rodovia MG-030, de Belo Horizonte. A cidade é conhecida como “Terra do Ouro, do Verde e dos Adoradores”. Possui, aproximadamente, 70 mil habitantes. Diversas minas ficam no seu município, incluindo a de Morro Velho, de onde são extraídos muitos minerais, incluindo o ouro. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 342 Tem como municípios limítrofes: Belo Horizonte e Sabará, ao norte; Itabirito ao sul; Brumadinho, a oeste; Rio Acima a Sudeste. Possui uma bacia hidrográfica formada pelo rio das velhas; e pelos ribeirões Ribeirão dos Cristais e Cardoso. 5.4.1 Assentamento e organização espacial Situada no tope de uma colina nos arredores de Nova Lima, com vistas panorâmicas da morrada cidade de Nova Lima, esta casa é, sobretudo, uma resposta a sua privilegiada localização, estabelecendo de sua plataforma uma verdadeira simbiose entre o intruso e o nativo. Abdalla sabe que o lugar não é simplesmente um dado a priori. Ele só tem sentido quando a arquitetura toma posse dele, pois, apesar de se deparar com plenas vistas e possibilidades, estas ainda estão indeterminadas e, portanto, não são lugares. O lugar definido e único somente surge após a locação escolhida e com uma arquitetura precisa. (FIG. 5.84). FIGURA 5.84 – Residência Nonada, sala de estar e mirante. Fonte: Acervo do autor, 2006. A residência “Nonada” é um marco. Ela se destaca na paisagem, ao mesmo tempo em que se deixa impregnar por ela, com amplas vistas, mostrando-se em um A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 343 belvedere elevado sobre um pódio. Para Abdalla, a escolha do local da sua implantação faz parte das decisões arquitetônicas. E a eleição foi a de postá-la na face nordeste, num platô quadrado, com as dimensões de 18,75 X 18,75 metros, onde se consegue capturar do horizonte as serras circunvizinhas, a cidade de Nova Lima, a exuberante vegetação de cerrado e a abóbada celeste cintilante e relampejante, típica das cidades serranas de Minas Gerais. Parafraseando o poeta Drumond: a água parece correr pro mar, e o mar de Minas é no céu. Evoca-se de imediato, o fazendeiro do ar (FIG. 5.85). FIGURA 5.85 – Residência Nonada, face nordeste e horizontes.. Fonte: Acervo de NUNES, Augusto e do autor, 2006. Aqui, Abdalla expõe o âmago das questões arquitetônicas e pretende enfatizar duas polaridades: a construção tectônica sobre volumes estereotômicos e uma casca dobrável e delgada, que se inicia em duas colunas oblíquas afiladas, que a impulsionam para os céus, percorrendo sem interrupção até a cobertura. Para ele, o segredo do conflito formal está exatamente na interação de planos sinuosos com planos retos e verticais, conseguindo um brilho de vida impossível de ser obtido na composição de paredes paralelas e ângulos retos. O partido adotado por Abdalla é um “U” aberto e distribui o programa de necessidades nos seguintes pavimentos: térreo, segundo andar e terraço. Nesta A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 346 FIGURA 5.87B – Residência Nonada (terraço e cobertura) Fonte: Acervo NUNES, Augusto e do autor, 2006. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 347 Partindo para a análise compositiva da face sudeste, é fácil observar o resultado equilibrado alcançado pelo arquiteto ao compô-la: o elemento vertical – um cilindro que contém uma escada em caracol e encimado por um reservatório superior de água – contrapõe-se com volumes bipartidos, onde predominam suas horizontalidades. Participam também, com bastante fulgurância, as colunas oblíquas, que, além disso, demarcam a entrada principal da casa. Estes elementos e volumes não só constituem os protagonistas da articulação de toda a composição como também são os principais focos de toda a obra. Dessa combinação, obtém-se uma excitante tensão formal. Abdalla tem dado preferência a este tipo de composição ao longo de sua carreira, e são exemplares a residência de Guy Géo (1977) na praça do Papa a de Jinko Yonamine (1981) na Pampulha, e o projeto para a sede da Cultura Inglesa (1988), no Belvedere. Para a análise em planta-baixa, é suficiente tomar por base apenas o pavimento térreo, sendo que os demais pavimentos foram compostos à semelhança daquele, com o mesmo brilho. O arquiteto optou por um elemento vertical – a escada em caracol – para as conexões entre os pavimentos e um espaço central e articulador – o estar –, que comunica com os demais espaços, podendo chegar a três pontos, a saber: pela área de cocção, jantar e varanda externa; pela ala oposta para uma suíte e por último para a área de lazer e piscina. Faz parte também desta composição uma marquise aporticada, que demarca os limites da piscina e emoldura o horizonte. Aliás, abarcar a paisagem é um dos pontos importantes aqui, e Abdalla consegue promover uma perfeita integração interior versus exterior, por meio das aberturas posicionadas estrategicamente, numa perfeita sinergia (FIG. 5.88A). A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 348 FIGURA 5.88A – Residência Nonada, integração interior versus exterior. Fonte: Acervo NUNES, Augusto e do autor, 2006. Um caminho alternativo pode ser tomado para ir até o segundo pavimento: uma escada aberta para o exterior, moldada escultoricamente à maneira do arquiteto mexicano Luís Barragán. Prestando um pouco mais de atenção, é possível ver na matriz do projeto, que Abdalla ordenou os espaços por meio de duas diagonais virtuais entrecortadas. Essa operação de projeto proporcionou aos espaços um certo brilho, onde estão em efervescente interação planos retos e verticais com planos sinuosos e inclinados (FIG. 5.88B e 5.89). FIGURA 5.88B – Residência Nonada (escada exterior) FIGURA 5.89 – Escada do estúdio Bonta, arq. Luís Barragán Fonte: Acervo NUNES, Augusto e do autor, 2006. Fonte: Disponível em <http:// www.architecture.com>. Acesso em: 3 jun. 2006. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 351 Maria Beatriz, por dois motivos: em primeiro lugar, nessa residência as superfícies são definidas por parabolóides hiperbólicos e conóides; naquela, a casca é composta por várias geometrias na mesma unidade; em segundo lugar, na residência Nonada as tensões são maiores, devido ao fato de que os arcos vão desaparecendo, pois os arcos estão mais abatidos do que aquela. A carga absorvida pelos pilares oblíquos é pequena, e estes são confeccionados com concreto e alvenaria. As curvas reversas, com suas ondulações, proporcionam a rigidez necessária e desempenham um papel idêntico ao do telhado clássico. A primeira pintura da casa foi feita com uma mistura de terra nativa, de duas colorações, e cal. Atualmente, a casa está pintada com tinta comercial, que acompanha as mesmas tonalidades das originais. 5.4.3 Demandas de usos Para chegar à residência Nonada, é preciso ir pela rodovia BR 040, tomar o trevo em direção ao BH Shopping e Nova Lima, e pegar a rodovia MG 030, até se deparar num entroncamento e um pequeno arraial para o Condomínio Jardim Petropólis, por uma estrada sinuosa, asfaltada apenas nos quilômetros iniciais. À medida que se percorre a serra ondulante e o urbano vai ficando para trás, adentra-se em uma paisagem rural até atingir um terrapleno. A poucos metros, avistam-se uma guarita, o gradil e o portão de entrada, configurados organicamente, lembrando os aspectos de Gaudí e do art-nouveau. A guarita é uma construção de uso misto, pois, além do serviço de vigilância à qual se presta, é também a casa do caseiro. Composta por dois volumes geométricos, A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 352 uma pirâmide e um cubo, unidos por justaposição, está entremeada a árvores nativas de grande porte, que lhe proporcionam sombra e proteção contra insolação e ventilação indesejáveis. Esse geometrismo se contrapõe com as formas orgânicas, provenientes da sede propriamente dita, remetendo às imagens autônomas do “sublime” de Ledoux, Boelée e Lequeu, guardadas as devidas proporções, é claro (FIG. 5.91, 5.92 e 5.93). FIGURA 5.91 – Residência Nonada (casa do caseiro gradil e guarita) Fonte: Acervo do autor, 2006. FIGURA 5.92 – Boullée, Necrópole Fúnebre FIGURA 5.93 – Nicolas-Henri Jardin, capela sepulcral Fonte: Disponível em <http:// www. vitruvius.com.br arquitextos 067>. Acesso em: 3 jun. 2006. Fonte: Disponível em <http:// www. vitruvius.com.br arquitextos 067>. Acesso em: 3 jun. 2006. A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 353 Traspassado o portão, inicia-se um passeio mítico por uma viela com doce irregularidade de piso vário do tipo pé-de-moleque, que conduz a dois locais: um estacionamento descoberto próprio para veículos e um outro para uma área de acolhimento em frente a um jardim e a casa, confeccionado de seixos rolados coroado no seu centro com espécies nativas e exóticas do local (FIG. 5.94). FIGURA 5.94 – Residência Nonada (viela de acesso, área de acolhimento e estacionamento) Fonte: Acervo do autor, 2006. Abdalla organizou a casa em torno de uma esplanada. Aqui, faz-se a releitura de uma tipologia característica da tradição rural mineira, onde a casa assume a posição de destaque em relação ao terreno. É um espaço permanentemente aberto para o convívio, o entretenimento e diálogos enriquecedores. Além disso, é bom para refletir e excelente para sonhar. Ao longo de cada trajeto, depara-se com as imagens que são próprias do tradicional dia-a-dia rural mineiro, lembrando um tradicional sobrado. Os cômodos sociais são aconchegantes e arejados, apresentando amplas janelas, o que permite a passagem de luz e ventilação natural, e permeabilidade entre exterior e interior. Na disposição dos quartos, onde o caráter é mais reservado, A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 356 madeira bruta, recebe de coração aberto os comensais urbanóides, acostumados com a sofisticação da grande cidade (FIG. 5.98). FIGURA 5.98 – Residência Nonada ( lembranças de viagem e sala de estar do pavimento térreo) Fonte: Acervo do autor, 2006. Esta vivenda impressiona pelas soluções encontradas pelo arquiteto, que empregou materiais simples, mas que, no contexto geral da obra, geraram um excelente resultado, com impacto arquitetônico eficaz e de rara beleza. A arquitetura de Abdalla possui um caráter poético, pois transcende os aspectos puramente programáticos e técnicos de cada problema, partindo claramente em busca da beleza arquitetônica. E é nesta busca que o arquiteto preserva o terceiro elemento da tríade de Vitrúvio, que é a beleza (venustas), complementada pelos outros, que são a solidez (firmitas) e a comodidade (commoditas). A evolução formal da obra de William Abdalla: de Bagdá para o universo de Minas 357 5.4.4 Diagnostico da situação atual Esta morada de campo encontra-se em bom estado de conservação. Ganhou, recentemente, uma nova pintura externa, com tintas comerciais, com as mesmas cores das originais, que eram produzidas com as tonalidades de terra local. 5.4.5 Considerações finais A residência “Nonada”, que foge completamente das formas preconcebidas, marca o ponto culminante na carreira de Abdalla. O partido adotado pelo arquiteto é em “U” aberto. Convivem harmoniosamente os volumes estereotômicos com as cascas dobráveis. Sua silhueta é marcada pelos cheios e vazios. O autor do projeto traduz em linguagem arquitetônica o “surrealismo barroco”, com suas fantasias, rigor plástico e cromático. Aqui, está em jogo algo que não é simplesmente uma questão de necessidade, pois o projeto evoluiu para além das demandas programáticas. O imaginário e o plástico, a forma e a subjetividade, a sensualidade e a alegria transbordam em cores, formas, texturas, luzes, sons, odores e sabores, próprio da metamorfose das formas. As palavras de ordem são: vitalidade plástica e completa sinergia entre paisagem e edificação.
Docsity logo



Copyright © 2024 Ladybird Srl - Via Leonardo da Vinci 16, 10126, Torino, Italy - VAT 10816460017 - All rights reserved